quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Independência de Filipe Nyusi mais apurada do que parece

DIÁLOGO DIRECTO COM AFONSO DHLAKAMA FOI CONSIDERADO SINAL MAIS LUCIDATIVO

 Filipe Nyusi reservou a si a escolha da maior parte dos membros do Governo, com base em sugestões por si próprio solicitadas a vários grupos. Julga-se que nas escolhas finais foi “aconselhado” por tecnocratas dos Caminhos de Ferro de Moçambique, antigos colegas, que considera e fazem parte do seu círculo de relações próximas

XAVIER DE FIGUEIREDO *

Onovo Presidente da República de Moçam­bique, Filipe Nyusi, vem exercendo o cargo com um espírito de independên­cia política e institucional mais lato do que até agora se estimava e/ou deduzia; a capacidade de decisão própria que revelou na inicia­tiva de encetar uma política de diálogo directo com Afonso Dhlakama foi considerada lucidativa.

Análises anteriores segundo as quais Filipe Nyusi seria obrigado, por imperativo de redutoras circunstâncias polí­ticas, a sujeitar ao escrutínio do líder da Frelimo e anterior Presidente, Armando Emílio Guebuza (AEG), o exercício dos seus poderes presiden­ciais foram contrariadas pela sua atitude no caso do diálogo com Afonso Dhlakama.

- AEG não teve conheci­mento prévio da iniciativa de Filipe Nyusi, prestado pelo próprio; foi apenas posto de sobreaviso por informações de imprensa, de natureza condicional, bem como por rumores que circularam emmeios políticos.

- Foi o novo Presidente, agindo de motu próprio e de forma considerada “solitária”, que decidiu fazer algumas concessões protocolares na organização do encontro com o líder da Renamo, tendo em vista garantir a sua efectiva­ção.


Em 3 de Fevereiro, dois dias antes do encontro, AEG referiu-se com desprimor a Afonso Dhlakama e às suas propostas de criação de regi­ões autónomas no Centro e Norte do território.

Nos últimos dias figuras proeminentes da direcção do partido, entre as quais o antigo Secretário-geral, Filipe Chimoio Paunde, retomaram o discurso de AEG.

2. Desde o momento da sua investidura, Filipe Nyusi tem vindo a defender um espírito de abertura ao diálogo e à ne­gociação como forma de asse­gurar um clima de estabilidade política e social. Era duvidoso, porém, que dispusesse de capacidade de decisão plena PARA iniciativas consideradas “arrojadas”, como o seu en­contro com Afonso Dhlakama.

O modelo de organização e funcionamento do poder em Moçambique, apesar da erosão por que tem passa­do desde o início da libe­ralização política, é ainda inspirado em concepções originárias do período re­volucionário que atribuem à Frelimo um papel tutelar sobre os órgãos do Estado e suas decisões.

A linha de abertura ao diálo­go com a Renamo que Filipe Nyusi segue suscita mitigadas reservas ou mesmo a oposi­ção de sensibilidades da Freli­mo conotadas com AEG, mas é acolhida com sentimentos de expectativa e/ou simpatia por outras facções, também influentes.

As clivagens internas na Frelimo em relação ao diá­logo com Afonso Dhlakama facilitam a “via” seguida por Filipe Nyusi; mas o ele­mento que mais a encoraja é, porém, o apoio provindo de sectores-chave da so­ciedade e da população, aparentemente impelidos por aspirações de estabilidade e segurança.

3. Elementos adicionais em relação ao processo de formação do actual Governo também indicam que a ca­pacidade de escolha efectiva dos seus membros por parte do novo Presidente foi mais ampla do que se supôs; não é certo que AEG lhe tenha apre­sentado uma lista de nomes “PARA escolha”.

O novo Governo quebrou na sua composição com uma “regra” observada desde a independência, que era a de os seus membros provirem maioritariamente dos órgãos de direcção da Frelimo – CP e CC, em especial.

A permanência de José Pacheco, único membro da CP, foi justificada pela sua par­ticipação no processo negocial com a Renamo.

Filipe Nyusi reservou a si a escolha da maior parte dos membros do Governo, com base em sugestões por si próprio solicitadas a vários grupos. Julga­-se que nas escolhas finais foi “aconselhado” por tecnocratas dos Caminhos de Ferro de Mo­çambique, antigos colegas, que considera e fazem parte do seu círculo de relações próximas.

Também há conhecimento, embora menos detalhado, de que não acolheu favoravel­mente propostas e sugestões que em pleno processo de constituição do Governo lhe foram feitas por pessoas com quem tem múltiplas afinidades, como Alberto Chipande, Rai­mundo Pachinuapa e outros.

4. A atitude pública de AEG no que toca à sua “coexistên­cia” com o novo Presidente não deixa transparecer, no entanto, nítidas inclinações de interfe­rência ou controlo. Considera­-se que é uma atitude ditada por uma visão realística das coisas. A relação interna de forças tenderá a ser-lhe desfavorável.

A impressão de que existe um poder “bicéfalo” tem sido especialmente promovida pela TVM e pelo jornalNotícias, ambos muito propensos a sobrevalorizar a acção do líder do partido, como aconteceu de forma ostensiva numa cerimónia na sede da Frelimo destinada a assinalar, dois dias depois da date, o aniver­sário de Filipe Nyusi.

* no Africa Monitor Intelli­gence

CORREIO DA MANHÃ – 19.02.2015

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