terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Europa de Berlim


por NUNO SARAIVA

Wolfgang Schäuble, o todo-poderoso ministro das Finanças alemão, mostrou ontem, mais uma vez, uma conceção muito peculiar de democracia. Em declarações proferidas antes da reunião do Eurogrupo, que haveria de redundar na ausência de acordo entre a Grécia e os ministros das Finanças da zona euro, o braço direito de Angela Merkel afirmava: "Sinto muito pelos gregos. Elegeram um governo que se comporta de maneira bastante irresponsável." O paternalismo da afirmação de Schäuble é um insulto às opções legítimas e democráticas de um país inteiro. A Alemanha, bem como qualquer outro país do espaço comunitário, tem o direito de criticar e até, no limite, de se opor às decisões do governo grego. Coisa diferente é passar um atestado de mediocridade a um povo inteiro que, humilhado e encostado à parede pela austeridade e pelo desespero, decidiu de forma livre o seu caminho. A democracia é, já dizia Winston Churchill, o pior dos sistemas à exceção de todos os outros. Ou seja, a democracia não é apenas boa quando o resultado de eleições livres nos agrada. É-o também se as escolhas feitas forem em sentido contrário àquilo que desejamos. E o governo eleito em Atenas tem um mandato claro: representar, acima de tudo, o povo grego e não os interesses de Berlim. E, na verdade, aquilo que a Grécia está a pôr em causa é a teoria da inevitabilidade e do pensamento único que até agora tem dominado o discurso político europeu. É um facto que num espaço como a UE há tratados internacionais que têm de ser respeitados, há compromissos que não podem deixar de ser assumidos e cumpridos, é inquestionável que não pode haver decisões tomadas de forma unilateral. Mas não é menos verdade que a construção europeia - está mais do que demonstrado - tem erros de palmatória que não podem deixar de ser corrigidos. Desde logo a forma assimétrica em que assenta a arquitetura da moeda única. É por isso que afirmar que a questão grega é um problema de Atenas e não da Europa inteira é um disparate sem nome. E é por isso que, se não se arrepiar caminho, aqueles que hoje revelam intransigência, de um lado e do outro, na resolução deste braço-de-ferro se arriscam a ficar na história como os coveiros da Europa que hoje conhecemos.

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