quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

DHLAKAMA TENTA EXPLICAR PROVÍNCIAS AUTÓNOMAS

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Dhlakama tenta explicar “províncias autónomas”
Afonso Dhlakama, líder da Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique e antigo movimento rebelde, acaba de recuar da sua exigência de criar uma República separatista nas regiões do país onde ele afirma que a sua formação política ganhou as eleições gerais de Outubro 2015, sugerindo, agora, que cada província seja tratada apenas como se fosse um grande município.
Logo após a derrota da Renamo nas eleições de 15 de Outubro último, Dhlakama alegou ter sido vítima de uma enorme fraude - embora a Renamo tenha-se gabado de que as suas emendas introduzidas na Lei Eleitoral haviam impossibilitado a ocorrência de fraudes.
As alegacões de fraude também surgem mesmo com a presença de literalmente dezenas de milhares de pessoas indicadas pela Renamo em todos os níveis da máquina eleitoral, ou seja a partir das mesas de voto até a direcção da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
A estratégia adoptada imediatamente por Dhlakama, logo após a derrota da Renamo, foi exigir a formação de um 'governo de gestão' para dirigir os destinos do país durante os próximos cinco anos, com ministros nomeados pela Renamo e pela Frelimo.
Quando a Frelimo rejeitou esta proposta, ele mudou de discurso e começou a exigir uma 'autonomia' para as regiões centro e norte do país.
Na sua versão máxima, esta seria a criação de uma 'República de Centro e Norte de Moçambique', separatista da qual ele seria presidente. No início de Fevereiro, falando em comícios no norte do país, ele prometeu declarar a fundação da referida república 'dentro de dias'.
Contudo, após os dois encontros recentes mantidos, em Maputo, com o Presidente da República incumbente, Filipe Nyusi, o líder da Renamo acabou por abandonar a ideia de separatismo e adoptar um discurso mais moderado. Ou seja, em vez de falar de uma nova República, passou a defender a ideia de 'regiões autónomas' ou 'províncias autónomas'.
Citado numa longa entrevista que foi publicada na última edição do semanário independente 'Savana', Dhlakama diz que estas 'províncias autónomas' seriam baseadas num modelo similar aos municípios existentes. Assim como a Cidade de Maputo tem estatuto de província e município, ele diz não ver nenhum inconveniente em adoptar o mesmo arranjo noutras províncias, sem a necessidade de introduzir alterações na Constituição.
A Constituição menciona dois tipos de autarquia local – os municípios, que são as cidades e vilas, e as povoações que serão as sedes dos postos administrativos (e esse tipo de autarquia ainda não foi criado). Mas a Constituição acrescenta a possibilidade de “outras categorias autárquicas superiores ou inferiores a circunscrição territorial do município ou da povoação”.
'Aquilo que estamos a dizer é que juridicamente as nossas exigências não ferem a Constituição', disse Dhlakama. 'Não precisa de consulta pública. É só irmos a lei. Está previsto que pode ser criada uma autarquia superior destas que existem, assim como pequenas”.
Este argumento sobre as autarquias de nível provincial é quase uma cópia da opinião de um proeminente professor catedrático em direito constitucional, Gilles Cistac, embora Dhlakama não tenha mencionado esse facto.
Dhlakama afirma que não deseja nada 'complicado' – tal como uma consulta pública ou referendo sobre a introdução de uma reforma radical na organização do Estado. 'Quero uma coisa que vai entrar agora e ser implementada', disse.
O acordo alcançado, semana passada, com Nyusi refere que a Renamo vai apresentar na Assembleia da República um anteprojecto para a criação de 'províncias autónomas' com caracter de urgência. Dhlakama exige que o anteprojecto seja aprovado sem nenhuma oposição de Frelimo, “para ser discutido e aprovado em Março', e que a indicação dos governos provinciais será 'imediata'.
Isso seria com base nas Assembleias Provinciais que foram eleitas na sequência das eleições de 15 de Outubro. A indicação ou eleição do 'Presidente do Conselho Provincial' será a partir da Assembleia Provincial, numa fórmula que o líder da Renamo não foi capaz de especificar.
'Todos os poderes executivos dos governadores serão transferidos para o Presidente do Conselho Provincial, que será da Renamo, que vai trabalhar com a Assembleia Provincial, como se fosse um pequeno parlamento', disse Dhlakama.
Contudo, os poderes das Assembleias Provinciais, nos termos estabelecidos pela Constituição vigente em Moçambique, são muito limitados.
Estes poderes limitam-se apenas “para fiscalizar e controlar a observância dos princípios e normas estabelecidas na Constituição e nas leis, bem como das decisões do Conselho de Ministros referentes a respectiva província”. Incluem ainda “aprovar o programa do Governo Provincial, fiscalizar e controlar o seu cumprimento”.
Em nenhum momento a Constituição sugere a possibilidade da emergência de uma nova forma de governo provincial a partir das Assembleias Provinciais.
Na realidade, embora Dhlakama reivindique vitória em seis províncias, no que concerne a escolha do 'Presidente do Conselho Provincial' a Renamo apenas goza de uma maioria absoluta em três assembleias provinciais, nomeadamente Sofala, Zambézia e Tete.
Em Nampula, Renamo e Frelimo estão empatados com 46 lugares cada um - o único membro eleito pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) poderá determinar o resultado final a favor de qualquer dos dois partidos. Ou seja nada garante que poderá votar a favor da Renamo.
Em Manica, a Frelimo possui uma maioria muito apertada – ou seja 40 lugares contra 39 da Renamo. Mais uma vez existe apenas um membro do MDM na Assembleia. Em Niassa, a sexta província reivindicada por Dhlakama, a Frelimo possui uma clara maioria com 42 assentos contra 34 da Renamo e quatro do MDM.
Dhlakama alega que, se não forem estabelecidas as 'províncias autónomas' haverá manifestações antigovernamentais nas províncias do norte e centro. Não é a primeira vez que Dhlakama profere este tipo de ameaças. Depois de perder as eleições de 2009, ele prometeu realizar 'manifestações em todo o país' - mas, na realidade, não houve uma única manifestação.
Sobre a sorte reservada aos actuais governadores provinciais, o líder da Renamo afirma que eles não serão expulsos das províncias (estas declarações contradizem com as ameaças proferidas por Dhlakama há algumas semanas). Em vez disso, eles ficarão como 'representantes do Estado, sem poderes executivos'. Esta também é uma cópia do modelo actual dos municípios, onde existe a figura de 'representante do Estado', mas sem grandes poderes.
Questionado sobre a possibilidade de a liderança da Frelimo instruir a sua bancada parlamentar a votar contra o anteprojecto de lei Renamo, Dhlakama disse: 'Não temo, porque já avisei.' Na verdade, ele já havia ameaçado publicamente derrubar o governo, se a Frelimo não aprovar cegamente as propostas da Renamo.
“Se o governo nos enganar, porque goza de uma maioria, as consequências serão para o Presidente porque ele não vai governar bem. Aquela multidão que vocês vêem nos meus comícios vai se manifestar. E mesmo mandando matar, o governo vai cair e eu não quero ver o meu irmão a cair”, disse Dhlakama, no término do segundo encontro mantido com o Presidente Nyusi.
Embora seja impossível discutir detalhadamente o anteprojecto da Renamo, uma vez que ainda não existe nada escrito, há alguns problemas óbvios.
Em primeiro lugar, nem todos os advogados constitucionais concordam com Cistac de que uma 'província autónoma' é apenas um grande município, ou que o estatuto especial da Cidade de Maputo possa ser replicado noutras províncias do país.
A alteração dos poderes das Assembleias Provinciais e introdução de um novo nível de governação são questões fundamentais susceptíveis de exigir uma emenda constitucional e, eventualmente, um referendo nacional. Dhlakama quer a todo o custo evitar um referendo, porque o mesmo teria que ser realizado não apenas nas áreas onde a Renamo tem forte apoio, mas em todo o país. O resultado apenas seria considerado válido se contar com a participação de pelo menos metade dos eleitores recenseados.
Outras questões complicadas incluem a relação entre as 'províncias autónomas', administrações distritais existentes e conselhos municipais, bem como a questão da tributação. Como é que serão financiadas as 'províncias autónomas'? Haverá a necessidade de admitir um elevado número de funcionários para preencher o quadro de pessoal nas novas formas de governo provincial? E como eles serão pagos?
Não existem indicações que a Renamo já tenha começado a pensar nessas questões – porque a questão da autonomia surgiu não como uma questão de princípio, mas apenas como uma resposta ad - hoc ao facto da Renamo ter perdido as últimas eleições.
Por Paul Fauvet (AIM)
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