terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A Grécia, a Europa e a galinha

IMG_9038_3
O ECONOMISTA À PAISANA


As perdas já ocorridas Grécia em termos de fragilização do sector financeiro, fuga de depósitos, contracção da actividade, quebra da qualidade de vida, poderão ser difíceis de recuperar no curto prazo
Sendo o novo ministro das Finanças Grego Varoufakis professor de Teoria dos Jogos, diferentes analistas e comentadores internacionais têm-se divertido a comentar o aparente impasse situação da Grécia como um jogo.
O problema em causa tem uma teorização aparentemente bastante simples e é conhecido como o “Game of Chicken”. A tradução literal seria o jogo da galinha, mas aqui galinha tem o significado de cobarde. Com efeito, a Grécia e a Europa podem ser comparadas a dois carros que andam a grande velocidade em direcção um ao outro, em risco iminente de choque frontal. Como as consequências de um choque frontal são verdadeiramente dramáticas, um dos jogadores muito provavelmente se desvia ao último minuto, sendo assim chamado cobarde ou “chicken”.
Graficamente, pode-se representar este jogo como uma matriz de resultados em que os resultados para a Grécia estão representados a azul e os resultados para a Europa estão representados a amarelo. O jogo tem três equilíbrios possíveis. Os dois primeiros são os casos em que um jogador desvia e o outro não desvia. Nesses casos um dos jogadores sabe com certeza que o outro vai desviar-se. O terceiro equilíbrio, mais complexo, implica que cada um dos jogadores atribui uma probabilidade de o outro não se desviar e desvia-se ou não consoante essa probabilidade. Esse terceiro equilíbrio implica que existe uma pequena possibilidade nenhum dos jogadores se desviar e haver um desastre.
Untitled
Mas o que poderá ser esse desastre? No caso da Grécia, a ausência de acordo implicará necessariamente a incapacidade por parte do Estado de pagar a dívida externa num prazo relativamente curto. Apesar de existirem alguns fundos nos cofres do Estado antes das eleições, as notícias recentes apontam para que a quebra de receitas fiscais nos últimos meses tenha sido significativa. Acresce que o plano do primeiro-ministro Tsipras relativo a um pacote de emergência social de 2000 milhões de euros, à contratação dos funcionários públicos despedidos no valor de cerca de mil milhões de euros e à suspensão das privatizações deverá eliminar o saldo primário que a Grécia previa acumular este ano.
No que diz respeito ao sector financeiro, a saída de depósitos que começou com a subida do Syriza nas sondagens poderá intensificar-se de forma dramática no caso de as negociações falharem. Como os bancos Gregos perderam a possibilidade de usar dívida Grega nas suas transacções com o BCE, existe uma hipótese séria de pelo menos uma parte do sector financeiro colapsar.
Neste cenário, a saída da Grécia da zona euro poderá ser inevitável, com consequências difíceis de medir, dada a particularidade da construção da zona euro. Ainda assim, é possível avaliar quais seriam os principais canais de ajustamento, utilizando como exemplos a experiência da Argentina em 2002 e da Islândia em 2009:
– Desvalorização do novo dracma face ao euro: no caso da Argentina a desvalorização foi de cerca de 300% face ao dólar e no caso da Islândia cerca de 280% face ao euro. Essa desvalorização restauraria a competitividade mas tornaria as importações impossíveis, como foi o caso em particular na Argentina.
-Limitação ao levantamento de depósitos, como o “corralito” na Argentina em Dezembro de 2001, e/ou impedimento de saída de capitais, como na Islândia em 2009 para estabilizar o sector financeiro.
– Recessão relativamente profunda mas limitada no tempo: O PIB desceu 15% na Argentina em 2001 e 2002 e 10% na Islândia em 2009 e 2010. No primeiro ano pós-recessão, a Argentina cresceu 9% e a Islândia 2,7%.
– Aumento da inflação com redução correspondente do poder de compra: variação de 40% homóloga na Argentina em Dezembro de 2002 e 18% na Islândia em Dezembro de 2008.
– Aumento da taxa de desemprego de 17% para 23% em dois anos na Argentina e de 1,6% para 8% na Islândia no espaço de um ano. A redução do desemprego para o nível antes da crise demorou dois anos na Argentina e nunca aconteceu na Islândia
– Restruturação da dívida pública. No caso da Argentina depois de uma troca de dívida em 2001, o Governo reestruturou 132 mil milhões de dólares na última semana de 2001 que obrigou a Argentina a manter saldos orçamentais primários (isto é, excluindo pagamentos de juros) positivos desde essa altura e até 2010.
Já no caso da Europa, as perdas num cenário de desastre podem separar-se em dois grupos:
– Perdas financeiras directas: Os Estados membros da zona euro detêm dívida, sob forma de empréstimos e garantias num valor de 200 mil milhões de euros, o que corresponde a cerca de 2% do PIB. O BCE também detém títulos de dívida Grega. Qualquer nova restruturação reduz o valor actualizado desta dívida, no limite até zero, se houver um “default” total. Para alguns países, tais como a Itália ou a Espanha, esse valor poderá ser difícil de encaixar nas contas públicas já de si um pouco fragilizadas.
– Perdas políticas: se a Grécia sair da zona euro, existe uma série probabilidade de os mercados começarem a olhar para os países mais fragilizados e assumirem que esses também poderão vir a sair mais cedo ou mais tarde. No curto prazo, o programa de compras de títulos de dívida que o BCE anunciou deverá evitar um cenário de contágio. No entanto, o fim desse programa que está previsto a partir de Setembro de 2016 poderá ficar seriamente condicionado à situação dos países com dívidas públicas elevadas.
Por enquanto os mercados financeiros têm reagido à situação na Grécia atribuindo uma pequena probabilidade de acontecer um desastre e uma probabilidade maior de se chegar a um acordo. Mas ainda que na próxima semana se consiga chegar a um acordo que seja minimamente razoável para começar a negociação, as perdas que já foram infligidas à Grécia em termos de fragilização do sector financeiro, fugas de depósitos, contracção da actividade, redução da qualidade de vida, poderão ser difíceis de recuperar no curto prazo.
O Economista à Paisana é uma coluna quinzenal de Inês Domingos onde a autora explora temas do quotidiano vistos da perspectiva de uma economista

7 COMENTÁRIOS

  • Manuel Gonçalves17 Fev 2015
    1 – Ter um Ministro das Finanças fascinado e a atuar politicamente segundo a teoria dos jogos, não difere muito de colocar um jogador de poker à frente do destino de uma Nação.
    2 – É um risco muito artificial e elevado na atual negociação com as instituições europeias, bem como para todos os futuros desafios políticos, económicos e financeiros do País.
    Não anda longe de uma espécie de economia de casino.
    3 -Pedir prolongamentos e perdões eles sabem, mas isso é a parte fácil da política – valeu 36 anos de poder ao Jardim, com o voto perpétuo dos Madeirenses, que perceberam que ele era um às a cravar.
    A parte difícil e virtuosa da política, que cria condições sustentadas de crescimento económico, exige que se enfrentem interesses internos instalados, façam reformas e equilibrem orçamentos – aí todo o Syriza vale zero, limitando-se a prometer um muito vago combate à evasão fiscal.
    A diferença entre a despesa que já prometeram criar e a receita fiscal potencial máxima ( logo difícil de alcançar ), resultante do combate à evasão, é superior a 4 mil milhões de euros ano – se isto não é demagogia….
    4 – A esquerda no seu habitual labirinto, incapaz de enfrentar a realidade?
    Em Portugal os dois últimos PM socialistas acabaram, um no pântano e outro na bancarrota – sobre este último, recentemente, tomamos conhecimento que na sua vida pessoal e só nos 2/3 últimos anos, praticou os mais absurdos malabarismos financeiros, levando uma vida desmesuradamente excêntrica de fausto e de luxo.
    É esta a probidade de um socialista, preocupado com os mais pobres e tem este indivíduo qualidades pessoais para PM?
    5 – Suspeito que, com outras características, os atuais dirigentes gregos não diferem muito do mesmo desfazamento da realidade.
  • bento guerra17 Fev 2015
    Boa piada .O desenho parece o do “jogo da macaca”,apreciado pelas crianças.O jogo destes gregos,como dizia Passos Coelho.Mas, pergunto,o desvio é feito com pisca-pisca,ou seja, podem desviar-se para o mesmo lado?Alguém acreditaria que os alemães ,agredidos pelas vozes de Atenas,não iam organizar o Clube de 18 por causa de uma rapaziada de conversa fácil?
  • Alberto Quadros17 Fev 2015
    Não vos faz recordar Chamberlain, na sua atitude e contemporização perante Hitler e as suas invasões para socorrer povos vizinhos ? Aplica-se à invasão de Ucrânea pelos russos e aos dislates do ministro das finanças grego: este para não pagar o que deve e conseguir mais dinheiro a pagar sem prazo. .
  • Francisco Pinto17 Fev 2015
    Quem fala em possibilidade de acordo acredita que as galinhas virão a ter dentes. O governo grego foi eleito com base num programa eleitoral, confirmado após a tomada de posse, que inviabiliza qualquer acordo com a UE. Um acordo implicaria alterações fundamentais ao programa de governo grego. Talvez por isso se tivesse dito que esta tomada de posição grega fosse bluff negocial, como se de um leilão se tratasse! Estamos prestes a conhecer a alternativa à austeridade. Ah, e brevemente também conheceremos os resultados de se ser o “mau aluno”!
  • Roger Russo17 Fev 2015
    Bem, não duvido da sua percepção sobre economia e finanças. Mas dizer que a saída da Grécia redunda num desastre quer para a Grécia quer para a Europa não me convence. Para a Grécia não sei francamente no que resultará pois é dirigida por dois professores sobre dotados e nunca se sabe do que uma mente prodigiosa é capaz. A falência da Califórnia de Schwarzenegger teve algum efeito sobre o comportamento da FED nos USA? Não ouvi nem li nada sobre isso. Mas a Califórnia levantou-se em poucos anos e já é a 8.ª economia mundial de novo. Porque é que deixar de fazer negócios com uma empresa má-pagadora manda uma grande empresa sólida à falência? Isso nunca acontece. Ora a Europa é uma dessas grandes empresas. Para o pior e para o melhor. Por paradoxal e impróprio que seja a Zona Euro é uma zona com soberania própria. Como se dizia antigamente “bate” a sua moeda e isso é próprio dos soberanos. Se a Zona Euro fechar a porta à Grécia a moeda que esta deveria pagar e retornar será devidamente endossada aos credores. Como? Easying. A verdade é que os gregos ainda não perceberam que não há almoços grátis como bem popularizou Milton Friedman e este desgraçado liberal tinha quase sempre razão.
  • Nuno Calvet17 Fev 2015
    O texto bem elaborado de Inês Domingos é o de uma especialista em economia, mas, peço desculpa pelo atrevimento, não enquadra o problema numa perspectiva histórica mais funda e com um horizonte mais amplo. 1º A maior parte do dinheiro entregue à Grécia foi parar a bancos alemães e franceses para se livrarem da dívida grega. 2º Todos os programas de austeridade impostos à Irlanda, Portugal e Grécia, deram muito bons lucros à Alemanha que foi grande beneficiário deles. 3ª A Alemanha deixou um largo rasto de muito e justas más memórias na Grécia pelas mortes e devastação que infligiu neste país na 2ª guerra mundial, NUNCA DEVIDAMENTE REPARADAS. 4º A Grécia vive hoje uma situação social desesperada provocada pelos tais programas de “ajustamento” e não admira que exija a sua justíssima revogação 5º A Alemanha sempre acalentou desde o séc. XIX dominar pela força toda a Europa. Os milhões de mortos, a devastação, a pilhagem e as perseguições feitas pela Alemanha no continente europeu no Séc XX deixaram marcas RECENTES que não se esquecem facilmente e que não foram DEVIDAMENTE REPARADAS. Aquilo que hoje os gregos lhe pedem é uma gota de água de tudo o que sofreram. 6º O grande sonho germânico de dominação europeia continua bem no fundo vivo. Agora, que tal não lhe é consentido pela força das armas, está a usar a economia e as finanças para atingir a sua persecução. E ESTÁ A CONSEGUI-LO graças à cobardia e às vistas curtas da maior parte dos dirigentes políticos europeus. Aa pobreza e o desemprego dos países do sul é intencional porque lhe dá vantagem de mão de obra boa, muito barata e de proximidade, até com bons quadros sem qualquer custo de formação.
    Seria muito conveniente que em vez de descermos para a cave e ficarmos a olhar para 4 paredes nuas, subíssemos ao telhado e olhássemos o horizonte.

Sem comentários: