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- CATEGORIA OPINIÃO
- 28 OUTUBRO 2014
Luanda - Nhã Lisandra somava razões para acreditar no futuro. A estudante universitária do curso de Informática conquistara o país ao interpretar Dulce Pontes num concurso vocacionado para a descoberta de novas estrelas. Não venceu, mas convenceu. A aclamada voz aprimorada no coro da Igreja Metodista Unida atraiu a parceria de artistas consagrados. Numa tarde de Dezembro, mês em que completaria vinte anos, o rumor espalhou-se pelo bairro onde vivia. Em poucas horas confirmou-se o pior. A jovem tinha sido fuzilada com vários tiros de metralhadora. O autor do crime, o suposto ex-namorado, apanhado em flagrante no local, estava silencioso. Deduziu-se que a rejeição da rapariga tinha motivado o final trágico.
Fonte: Rede Angola
O crime ganhou as manchetes pela notoriedade da jovem e pelos contornos da morte violenta. A sociedade mobilizou-se. O funeral transformou-se num grito de protesto contra a violência. Quase dez anos se passaram desde que a voz cristalina de Nhã Lisandra se juntou ao coro dos anjos. A vida da jovem precocemente interrompida pelo amigo que frequentava a sua casa como um membro da família deixou as interrogações usuais. O que leva um ser humano a matar com requintes de crueldade alguém que em determinado momento deu sentido à palavra amor?
Diz-se que crimes passionais são tão antigos quanto a humanidade. Diz-se também que o amor, esse sentimento tão exaltado e difícil de definir, tem o condão de aflorar o melhor e o pior da natureza humana. Talvez por isso se repita desde tempos imemoriais que a fronteira entre o amor e o ódio é demasiado ténue. Sofrimento, expectativas goradas ou desequilíbrio mental, seja o que for que se alegue para influenciar o veredicto final por parte de quem compete julgar, o facto de realce é a violência por detrás desses actos.
Embora se registem algumas ocorrências no sentido inverso, vulgarmente os amores fatais vitimam mulheres. Na semana finda, mais uma jovem foi ferida com gravidade pelo ex-companheiro que baleou mortalmente o amigo de quem se fazia acompanhar. Consta que o suposto homicida suicidou-se depois de consumar os seus intentos. Tudo indica que terá sido mais um caso de rejeição.
Antes disso, Luanda havia sido abalada pela morte de outra jovem. Ela e os cinco filhos não resistiram as consequências de um incêndio provocado pelo namorado em casa da mãe. A “ousadia” de terminar o namoro justificou a morte da mulher de trinta anos e dos filhos gerados num relacionamento anterior. Estória horripilante narrada pelo autor confesso com indescritível frieza. Para além das situações mediatizadas, ocorrerão outras tantas, algumas silenciados intencionalmente por envolverem “vergonhas” e não sei quantas desenroladas longe da mira da comunicação social.
Evidentemente, casos passionais não constituem novidade. É para os enquadrar e tentar reverter as tendências que se legislou contra a violência doméstica em Angola. Acções paralelas devem ser encetadas no âmbito de uma estratégia de desencorajamento desse tipo de crime. A campanha “Desafiando o Silêncio”, implementada em Angola pelo Fórum das Mulheres Jornalistas, constitui exemplo da eficácia de parcerias contra um problema social para o qual nem sempre se atribui a merecida relevância.
Países como o Brasil deram um passo de gigante com a criação das chamadas Delegacias da Mulher. São realidades diferentes, mas a matriz humana ainda é idêntica. É pertinente continuar a quebrar o silêncio para se destapar o véu que transforma a vítima em prevaricadora, até porque prevalece o princípio segundo o qual, “entre marido e mulher ninguém mete a colher”. Não raras vezes, as famílias desencorajam a busca de assistência legal. Pior do que isso, é quando a própria visada retira a queixa, sob o pretexto de preservar o “lar unido” e poupar as crianças.
Para quem não consegue decifrar o esquema de raciocínio de agressores em nome do amor, são abomináveis comentários do género “ele reagiu à traição”. Há gente que, com a maior desfaçatez, faz trocadilhos brincalhões em total desrespeito para com as vítimas e familiares. Ser humano nenhum pode ser obrigado a se manter aprisionado a um relacionamento para o qual não vê qualquer sentido. Passaram os tempos em que a mulher era propriedade absoluta do “seu senhor”, como se de objecto se tratasse.
Em defesa da dignificação humana, vale levantar a bandeira da liberdade e das causas femininas. Lavar a honra com sangue é costume bárbaro, agora ou na idade média. Preconceito mata. Machismo também. Contornar o cerne da questão contribui para perpetuar a mentalidade que julga e condena a mulher que usa da prerrogativa de gerir a sua vida. Homens e mulheres nascem com direitos iguais. Têm livre arbítrio, esse inegociável poder que assiste a cada indivíduo de fazer as suas escolhas e trilhar caminhos em função da própria vontade
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