Sunday, November 9, 2014

Afinal, o erro de Merkel sobre o número de licenciados escondia alguma razão


Portugal tem “demasiados licenciados”. A frase da chanceler alemã fez soar um coro de críticas ao longo da última semana. Porém, Merkel terá razão quando aponta para Portugal como um fraco exemplo de uma aposta no ensino profissional.
Esta não é a primeira vez que Angela Merkel se refere aos países do Sul da Europa partindo de premissas erradasTHOMAS PETER/REUTER
Portugal tem “demasiados licenciados”. A frase da chanceler alemã fez soar um coro de críticas ao longo da última semana. Dos reitores e presidentes dos politécnicos, passando por ex-governantes e pelos partidos políticos, incluindo os da maioria que suporta o governo. Até o ministro da Educação, Nuno Crato. Todos disseram: Angela Merkel está errada, não há excesso de diplomados. Porém, Merkel terá razão quando aponta para Portugal como um fraco exemplo de uma aposta no ensino profissional.
Os dados do Eurostat, que esta semana também foram amplamente citados para criticar a chefe do governo da Alemanha, colocam, de facto, Portugal longe da média europeia em número de licenciados: 17,6%. Os parceiros europeus chegam a 25,3%, mas a Alemanha fica aquém deste resultado (25,1%). Na liderança está a Irlanda onde 36,3% de população tem estudos superiores.
De resto, Portugal, Alemanha e os restantes países da União, assinaram o compromisso Europa 2020 que, entre outras metas, estabelece um objectivo de haver 40% de graduados na faixa 30-34 anos até essa data. A média europeia estava, em 2012, ainda aquém (35,7 %) e Portugal ficava mesmo abaixo dos 30% -- Só a Grande Lisboa se aproxima do objectivo europeu.
A polémica frase de Merkel foi proferida durante uma intervenção numa reunião com a confederação das associações patronais alemã, em que a chanceler alemã defendia as vantagens do ensino vocacional. Onde a chanceler alemã tem razão em relação a Portugal é na pouca expressão que o ensino profissional tem. Ao nível do ensino secundário, a média europeia de jovens que apostam pelas formações vocacionais é 50,3% -- na Alemanha atinge os 55%. Em Portugal, os dados da OCDE relativos a 2012 indicam que a percentagem fica pelos  42,4%.
Os cursos profissionais integravam 115.885 inscritos em 2012/2013, valores que representam, porém, uma evolução muito significativa da estrutura de formação do país, uma vez que estas formações contavam, em 2001/2002, com 33.799 alunos. De resto, em pouco mais de uma década, Portugal tem feito um esforço de aproximação dos indicadores internacionais, passando de 7% de inscritos no profissional, no ano 2000, para 38,8% dez anos volvidos (no mesmo período, a média europeia baixou de 55 para 50%).
E esta evolução terá tendência a ser reforçada, uma vez que a Estratégia de Fomento Industrial para o Crescimento e o Emprego (2014-2020), apresentada pelo Governo há um ano, traçava metas ambiciosas para o ensino vocacional: 200 mil pessoas a frequentar cursos de ensino profissional e aprendizagem dual até 2020.
No Ensino Superior, as opções vocacionais têm um peso residual. Mesmo que tenham crescido fortemente desde 2006 (quando havia 1350 inscritos), os Cursos de Especialização Tecnológica não conseguiram atrair nunca mais de 9.000 estudantes (números de 2013), o que não chega a 2,5% do total de inscritos em todas as universidades e institutos politécnicos. Também aqui, o Governo está a tentar dar uma nova visibilidade ao sector vocacional, com o lançamento dos Curtos Técnicos Superiores Tecnológicos, cujos primeiros cursos entraram em funcionamento no mês passado
A Alemanha tem feito uma forte aposta no sistema dual de ensino, em que os estudantes, a partir dos 16 anos, partilham a educação em contexto escolar com formação profissional nas empresas. Mais de 60.000 estudantes concluem actualmente um curso no ensino superior dual, o que representa um crescimento de cerca de 70% face a 2005.
Todavia, se o ensino dual dá à indústria alemã uma mão-de-obra qualificada para as profissões de nível intermédio, deixou o país sem profissionais suficientes em áreas que exigem estudos superiores. No ano passado, a Agência Federal de Emprego alemã anunciou a intenção de contratar 200.000 trabalhadores qualificados (sobretudo na saúde e engenharia) nos países do Sul da Europa e tem vindo a contratar cada vez mais licenciados portugueses.
Portugal sofre, é certo, um desequilíbrio entre oferta e procura por parte dos estudantes que terminam o ensino secundário – este ano, um quinto das vagas voltaram a ficar vazias –, mas também entre os diplomados que saem do superior e a procura das empresas, o que se manifesta na dificuldade cada vez maior de os jovens com um curso superior terem acesso ao mercado de trabalho. Ainda que o desemprego entre os licenciados (8%) seja inferior ao desemprego jovem (26,3%). E a responsabilidade deste desequilíbrio também está do lado da economia.
De resto, a relação entre as qualificações e a riqueza do país é espelhada pela fórmula da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que aponta que, por cada ano de escolaridade a mais na média da população, o Produto Interno Bruto (PIB) dos países sobre 0,5%. Se Portugal tivesse uma escolaridade média idêntica à europeia, poderia ter um PIB superior em 20 pontos.

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