Por: Alfredo Manhiça*
Na sua primeira visita oficial de Estado a um país estrangeiro, o primeiro-ministro, Alberto Vaquina, esteve na Itália, na semana passada. No país europeu com cooperação profunda com Moçambique, Vaquina visitou diversas instituições do Estado italiano e privados bem como foi recebido pelo Papa Francisco Primeiro, mas foi na reunião com a comunidade moçambicana naquele país que o primeiro-ministro deixou uma imagem de “ditadura e arrogância”, segundo descreve um Professor Doutor moçambicano que trabalha e reside em Roma, em texto enviado ao Canal de Moçambique. O texto do Professor Alfredo Manhiça revela com detalhe como Vaquina tratou a comunidade moçambicana residente na Itália e acusa o primeiro-ministro de arrogância e falta de respeito para com os moçambicanos no seu todo.
Eis o texto na íntegra.
O “guebuzismo” que ameaça a estabilidade política em Moçambique chegou até a cidade de Roma, e a comunidade moçambicana residente na Itália manifestou expressamente que não estava disposta a tolerar tamanhas arrogância e presunção.
Escrevo da cidade de Roma, na Itália, onde por motivos de trabalho encontro-me a viver. À margem da sua visita de trabalho (presumo) na Itália, no dia 9 de Abril, o primeiro-ministro moçambicano, Alberto Vaquina, reuniu-se com uma parte da comunidade dos moçambicanos residentes na Itália, na residência da Embaixada de Moçambique.
Não obstante o encontro tivesse sido marcado para iniciar pelas 18.00 horas, até 20.00 horas não havia nenhum sinal da presença do ministro moçambicano no local do encontro.
Quando finalmente chegou, ainda se deu ao luxo, ele e a sua delegação, de conceder-se o tempo necessário para tomar o lanche. Foi preciso uma reacção de protesta da parte dos presentes para fazê-lo descer da sala de cima onde se encontrava para iniciar o encontro na sala do piso inferior, onde era esperado há mais de duas horas pela comunidade dos moçambicanos.
Depois de uma breve apresentação da comunidade moçambicana, feita pela Embaixadora da República de Moçambique na Itália, a senhora Carla Elisa Luís Mucavi, o presidente do grupo de Moçambicanos Católicos na Itália (MOCATI), Frei Lage Luís Afonso Nhampoca – que na ocasião representava toda a comunidade dos moçambicanos residentes na Itália –apresentou a mensagem de saudação ao primeiro-ministro e a sua delegação.
Associando-se ao clamor de muitos outros moçambicanos que nas várias ocasiões nunca omitiram de exortar o regime de Guebuza a não distanciar-se da legalidade e da observância das regras democráticas, Frei Lage, ilustrando o seu discurso a partir da actual situação política da região subsaariana, salientou fundamentalmente dois aspectos: Afrontou, em primeiro lugar, a questão da bênção derramada sobre os moçambicanos com as descobertas de vastíssimos jazigos de recursos minerais que mal administrada poderá transformar-se em objecto de contendas entre os moçambicanos e sucessivamente uma porta escancarada para a penetração dos antigos e novos conquistadores, ávidos de controlar posições geoeconómicos estratégicos. E, em segundo lugar, manifestou a apreensão, sentida por todos os moçambicanos, causada pelo crescimento da intolerância e violação das regras democráticas, manifestadas pelos repetidos incidentes de choques violentos entre o partido no governo e os partidos de oposição, no Chókwè, em Manjacaze, em Gondola e aquele crítico que aconteceu em Muxúnguè, entre os militantes do partido Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO) e as Forças de Intervenção Rápida (FIR), que saldou em 4 mortos e 13 feridos do lado da FIR, um morto do lado da RENAMO e 1 morto do lado da população.
Quando o primeiro-ministro usou da palavra, revelou logo o espírito de prepotência do homem e do partido que ele representa, ignorando completamente até as mínimas boas maneiras de pedido de desculpas pelo atraso. Começou imediatamente a desbobinar os discursos pré-fabricados de autoria do presidente Guebuza, segundo o estilo inconfundível dos regimes autoritários, onde os servidores leais estão “proibidos” de adoptar uma opinião autónoma, na medida em que o seu papel é semelhante àquele dos megafones que se limitam só a ampliar o volume da voz. Utilizando o antigo adágio segundo o qual “a melhor defesa é o ataque”, para defender a resolução absolutamente errónea e muito perigosa tomada pelo Presidente de Moçambique e os membros do circuito de governar o País em forma neo-patrimonial, repetiu várias vezes a mesma ofensa que Guebuza, em várias ocasiões, já dirigiu ao povo moçambicano, segundo o qual nenhum governo distribui dinheiro aos cidadãos, como forma para actuar as políticas de redistribuição. Já faz tempo que toleramos este tipo de humilhação! Este é um mecanismo diabólico e cruel para impedir que os moçambicanos façam a pressão sobre o regime para actuar as políticas de redistribuição.
Os moçambicanos não são mendigos do Sr Guebuza.
Os únicos mendigos seus são aqueles que – como parece estar a fazer o primeiro-ministro - renunciaram servir os interesses do País e estão engajados na implementação das manobras do Presidente. Quando os moçambicanos insistem na necessidade de introduzir as políticas de redistribuição da riqueza, não estão a pedir o Sr. Guebuza para distribuir o dinheiro pelos moçambicanos, subtraindo das entradas das “vendas dos seus patos”.Estão simplesmente a dizer que aqueles 14 milhões de dólares que no dia 22 de Novembro do ano 2000 custaram a cabeça do jornalista Carlos Cardoso e que desapareceram no processo da privatização do maior Banco de Moçambique, o BCM, e que no tal processo da sua privatização – Banco Comercial de Investimentos (BCI) – teve o Presidente de Moçambique como um dos maiores accionistas, sejam restituídos para servir os interesses não só de um único moçambicano mas de todos os moçambicanos; quando falam da redistribuição da riqueza, os moçambicanos estão simplesmente a dizer que a concentração (ilícita, claro) de riqueza que faz da filha do presidente uma “princesa milionária” deve servir não para aumentar a influência da família e do circuito Guebuza nas decisões sobre o futuro destino de Moçambique, mas para o bem de todos os moçambicanos que querem continuar a ser governados pelas regras democráticas e não por um sistema neopatrimonial.
Quando os moçambicanos pedem a redistribuição das riquezas e dos recursos que produzem a riqueza, estão simplesmente a dizer que o ministro da Agricultura, Sr. José Pacheco – um dos tantos outros que abusam da autoridade pública a eles confiados – não deve continuar impunemente a fazer o contrabando da madeira com o fim do enriquecimento pessoal, uma vez que a floresta é propriedade de todos os moçambicanos e por isso deve servir os interesses de todos e de um modo legal e sustentável. Não estão a pedir nenhum favor a Guebuza e por isso é injusto e injustificado, da parte do primeiro-ministro e de quem quer que seja, tratar os moçambicanos de estúpidos e ignorantes que pensam que agora que houve as descobertas de jazigos minerários e energéticos não será doravante necessário trabalhar porque a todos serão distribuídos os “gázdóleres” e “cabodólares”. Não nos deixemos enganar, caros compatriotas! Tanto o Senhor Vaquina, como o Sr Guebuza sabem muito bem que ninguém dos moçambicanos pensa como eles dizem. Esta retórica ofensiva foi muito bem calculada e mira a inibir todos aqueles que estão engajados na luta contra o refluxo do processo da democratização das Instituições políticas e contra a reconstituição do autoritarismo e neopatrimonialismo do partido no governo, na pessoa do seu Presidente.
A outra atitude com a qual Vaquina confirmou aos moçambicanos reunidos na residência da Embaixada de Moçambique na Itália – se alguém ainda precisasse de uma confirmação -, que estava ao serviço, não do bem comum dos moçambicanos, mas dos interesses ocultos do Presidente do partido no governo e dos membros do seu cerco, foi o uso sublinhado da impudente expressão, essa também “made in Guebuza”, segundo o qual “não se come carvão e nem se bebe o gás.”Que descoberta!
Agora se percebe porquê é que os seus lacaios o definem de visionário.
Era preciso a ascensão de Armando Emílio Guebuza ao cargo de Presidente de Moçambique para que os moçambicanos aprendessem que o carvão e o gás não são comestíveis. Ora bem, já que os recursos minerais e energéticos não são comestíveis, e os únicos moçambicanos que até agora fizeram essa descoberta é a dupla Guebuza-Vaquina, o primeiro-ministro moçambicano fez uma lição aos moçambicanos residentes na Itália sobre a importância de desenvolver a agricultura e os demais sectores que devem olhar para o sector extractivo como um catalisador. Paradoxalmente, os moçambicanos que seguem atentamente as políticas públicas abraçadas pelo partido no governo, desde a independência até o dia de hoje, sabem muito bem que quem mais precisava da lição que Vaquina deu aos moçambicanos residentes na Itália é o seu partido e o seu governo. Depois da independência de moçambique, quem esposou uma economia desastrosa do cunho marxista-socialista foi o partido no governo. Quem utilizou a economia e as infra-estruturas deixadas pelos portugueses para o enriquecimento irresponsável dos “camaradas” foram os administradores e políticos da FRELIMO. Quem foi à busca dos novos patrões (as Instituições Financeiras de Bretton Woods e os Estados Unidos de América), quando os comunistas soviéticos já tinham sugado o pouco que existia, deixando Moçambique com uma dívida externa superior ao seu Produto Interno Bruto (PIB) foi a FRELIMO.
E a consequência desta manobra foi a transformação (através da abertura forçada das fronteiras moçambicanas ao comércio externo) do Estado moçambicano num mercado do excedente das potências mundiais e a devastação total das pequenas empresas nacionais, da agricultura e do artesanato, que desde sempre representaram o maior sustentamento do povo moçambicano. Quando foi aprovada a lei da privatização das empresas e serviços estatais, os únicos moçambicanos que tinham a capacidade de entrar no mercado concorrencial foram aqueles que, usando as próprias posições de direcção ou de administração das empresas e sectores estatais tinham esvaziado os cofres do estado em benefício próprio, ou controlando os financiamentos provenientes das Instituições internacionais ou de Estados terços, tinham extraviado tais financiamentos para construir o capital privado. Este tipo de moçambicanos não estão interessados em investir na agricultura, na pecuária ou nas infra-estruturas estradais para facilitar o escoamento dos produtos dos camponeses. Investem, sim, no turismo e principalmente na indústria hoteleira, onde os únicos moçambicanos que lá frequentam são as nossas filhas e as nossas mulheres que muitas vezes são desonradas naqueles lugares por estrangeiros e “manda molas” ligados ao regime.
O primeiro-ministro enalteceu o crescimento do PIB moçambicano em mais de 7 por cento, nos últimos 7 anos. Palavras vazias!
Não se pode negar que a economia moçambicana tem registado um crescimento nos últimos anos. Mas a questão é: a quem serve tale crescimento? Quem se beneficia do tal crescimento?
Com certeza não as populações que foram retiradas das próprias terras em Moatize, para seremm depois abandonadas à própria sorte em Cateme, sem água para o consumo próprio e dos seus animais, sem terras para cultivar e sem serviços de saúde. O mesmo se poderia dizer de muitas outras populações que nas várias províncias do País foram e continuam a ser obrigadas a deixar as próprias terras para dar lugar aos mega-projectos que só beneficiam as multinacionais e a nomenklatura do partido no governo, os seus parentes e amigos.
Além disso, o crescimento económico com o qual a dupla Guebuza-Vaquina se vangloria é negado pelo inquérito aos agregados familiares (IOF), realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) que fala do crescimento da percentagem dos pobres no País. E, no Relatório tornado público no dia 14 de Março de 2013, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) avaliado pelo programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) coloca Moçambique na terça pior posição do mundo. Somando tudo o que vinha dizendo até aqui, quem deve aprender que “não se come carvão e nem se bebe o gás” é o presidente Guebuza e o seu primeiro-ministro, e não o resto dos moçambicanos.
Mas devemos prestar atenção porque se não estivermos atentos podemos perder o fio do pensamento do chefe do Governo moçambicano. Estamos na presença de homens descarados e maquiavélicos, capazes de tudo para conservar o poder. Dirigindo-se à comunidade moçambicana residente na Itália, Vaquina estava também a aproveitar a ocasião para mandar recados para todos os moçambicanos e sobretudo para aqueles que vivem em Moçambique, que constituem o problema real para ele, e não aqueles que vivem na Itália que pouco ou nada podem fazer para impedir a manobra. O discurso intende dissuadir todos aqueles que se iludem pensando que uma vez descobertas grandes recursos minerais e energéticos, o País, na sua totalidade, irá sair da condição de extrema pobreza.
Contrariamente, o recado que o chefe do Governo manda aos moçambicanos é que “o depois das descobertas é igual ao antes das descobertas dos jazigos minerários”. Aliás, é como se Vaquina quisesse alertar aos moçambicanos que quem era pobre no período antes das descobertas, agora prepare-se a tornar-se ainda pior. Nada de deixar o cavalinho na chuva!
Em relação ao incidente de Muxúnguè, que foi interpretado por alguns como sinal evidente de uma eminência do regresso à guerra civil, Vaquina revelou – na sua intervenção – que ele não se importava das consequências que uma retomada de guerra poderia trazer para os moçambicanos.
Deixou evidente que para ele o importante é conservar o poder mesmo á custa do sangue e por isso não hesitaria usar os filhos dos mesmos moçambicanos que o seu partido nunca se interessou deles, para defender as conquistas do partido. Como se de democrático se tratasse, Vaquina argumentou que o seu governo tinha sido democraticamente eleito, e por isso tem direito de usar a força porque só o Estado tem o monopólio do uso da força. Devemos desculpá-lo, trata-se de um médico de profissão.
Provavelmente leu ou ouviu alguém a afirmar que no estado moderno só o Estado tem o monopólio do uso da força, sem considerar as restantes implicações do tal princípio. Contudo, o ministro moçambicano deve saber que os espertos em matéria de democracia dizem que o conceito de democracia não se limita só no conceito de eleições multipartidárias. Um governo democraticamente eleito, para que continue legitimamente a chamar-se democrático, durante todo o período do seu mandato, não basta que tenha sido eleito democraticamente: deve criar as instituições democráticas e deve respeitar as regras democráticas.
Num país onde os membros do partido no governo fazem campanhas de destruições das sedes dos partidos da oposição, tal governo não pode legitimamente considerar-se democrático.
Num País onde o poder judiciário e o poder legislativo estão completamente castrados pelo executivo, tale executivo não pode legitimamente apelidar-se de democrático.
Caros compatriotas, não nos deixemos surpreender! Esta dupla é capaz de nos conduzir a um precipício do qual nunca mais teremos a possibilidade de sair. Uma guerra, hoje, em Moçambique!...
Quem a iria financiar?
Quais seriam os interesses dos financiadores de uns e dos outros entre os beligerantes?
Olhando para o contexto geopolítico da Região austral nenhum governo que faz fronteira com Moçambique estaria interessado a financiar ou alojar, ou deixar que o seu território seja utilizado para o trânsito das armas destinadas a combater o governo da FRELIMO. Dhlakama e a RENAMO afirmam que as armas que usarão, em caso de uma guerra, seriam as mesmas possuídas pelas tropas governamentais, como? E se este tipo de fornecimento falhasse? Bom, certo é que as armas e as milícias utilizadas pela rebelião Tuareg em Mali e pelos rebeldes Séléka na República Centrafricana foram providenciadas pelos vários movimentos jihadistas islâmicos como o Al-Qāeida no Maghred Islamico (AQMI), o Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental (MUJAO) e o Ansar al Din, financiados pelos Estados islâmicos como a Arábia Saudita, o Qatar e outros
Países do Golfo. Estes jihadistas - ligados a outros grupos como o Boko Haram, já criaram um corredor operativo que a partir da longa recta dos Países do Sahel (Mauritânia, Mali, Níger, Chade, Sudão, Somália) passa através do Quénia, Tanzânia, Moçambique-Malawi e faz um hub no Zimbabwe onde, completamente isolado do sistema ocidental, o Presidente Mugabe aluga as próprias florestas e montanhas para a instalação de bases militares jihadistas. Do Zimbabwe, passando por Angola, o corredor vai até Nigéria e da Nigéria novamente ao Mali.
Os fundamentalistas islâmicos das várias e diferenciadas denominações – sunitas wahabitas ou salafitas, xiitas iranianos –penetram indiscriminadamente o subcontinente africano utilizando três distintas e complementares estratégias: a primeira estratégia é a ajuda humanitária realizada através das Organizações Não Governamentais (ONG), financiadas pelos Governos islâmicos como aquele de Arábia Saudita, Qatar e outros Países do Golfo, ou pelas associações privadas empenhadas na promoção do Islão radical.
Cobertos pela sombra de acções humanitárias, tais como o empenho na abertura de escolas e centros de saúde, sobretudo nas zonas recônditas dos Países da África Negra, tais organizações conseguem fazer circular as mensagens do extremismo islâmico, sobretudo entre as camadas juvenis marginalizadas e começam assim a formar pequenas células radicais nas próprias Mesquitas. A segunda via de penetração dos grupos radicais de matriz islâmica é a cooperação internacional, feita através de acordos bilaterais. O fim do bipolarismo, acabou também com aquela fácil táctica que os governos corruptos de alguns Países da África subsaariana utilizavam para obter o financiamento quer dos países do bloco comunista, quer daquele capitalista, com uma simples declaração de aderência a um dos blocos, ou uma ameaça de passar para o bloco contrário. Uma vez fechada a torneira, a única “vaca leiteira” acessível para alimentar os regimes corruptos do nosso continente (inclusivo aquele do nosso País) são os governos islâmicos que espera que através dessa via consigam actuar a própria agenda de exportar o radicalismo islâmico para o subcontinente Negro. A terceira e última via de penetração é a Jihad. As duas primeiras vias já estão em acto em Moçambique.
A provável eclosão de uma guerra civil poderá facilitar o avio da última estratégia.
*Professor de Filosofia na Universidade Pontifícia Antonianum de Roma
Canal de Moçambique – 17.04.2013
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