sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Pode uma moeda reescrever a História sino-africana?

 

Não é algo cativante à vista - uma pequena moeda de cobre com um buraco quadrado no meio -, mas esta relativamente inócua peça de metal está a revolucionar o entendimento da antiga história da África Oriental, e a reorganizar o papel mais recente da China na região.
Chinaafricazheng2 Chinaafricacoin1Chinaafricadig3 Chinaafricadig4Uma equipa conjunta de arqueólogos quenianos e chineses encontraram uma moeda chinesa do século XV em Mambriu – uma pequena, não descrita, vila a norte de Malindi, na costa norte do Quénia.
No relevo da moeda, difícil de distinguir, o líder da equipa, o Professor Qin Dashu do departamento de arqueologia da Universidade de Peking, lê a inscrição: "Yongle Tongbao", o nome do império que cunhou a moeda algures entre 1403 e 1424.
"Estas moedas só eram usadas por enviados do imperador Chengzu", disse o Professor Qin.
"Sabemos que traficantes muitas vezes as traziam com eles e fundiam para fazer outras peças em latão, mas o mais provável é que esta moeda tenha chegado aqui trazida por alguém que a ofereceu como um presente do imperador."
E isto coloca uma questão que entusiasma tanto historiadores, como políticos: Como é que uma moeda do início do século XV chegou à África Oriental, quase 100 anos antes dos primeiros europeus descobrirem a região?
Quando a China dominava os mares
A resposta parece estar em Zheng He, também conhecido como Cheng Ho, um lendário almirante chinês que, segundo reza a História, comandou uma vasta frota de 200 a 300 navios atravessando o Oceano Índico em 1418.
Até recentemente, só existiam lendas populares e ideias pouco sustentáveis sobre quão longe Zheng He teria navegado.
Mas, há alguns anos, pescadores da cidade portuária de Lamu, no norte do Quénia, apanharam vasos chineses do século XV nas suas redes e as autoridades da China efectuaram testes de ADN a uma série de aldeões que diziam ter ascendência chinesa.
Os testes confirmaram o que os aldeões sempre acreditaram – que um navio da frota de Zheng He afundou-se durante uma tempestade e a tripulação sobrevivente casou com locais, pelo que algumas pessoas na região ainda conservam feições chinesas subtis.
À procura de pistas
Foi então que a Universidade de Peking organizou uma expedição para tentar encontrar provas conclusivas. A universidade está a gastar 3 milhões de dólares no projecto, que tem uma duração de três anos.
A equipa do Professor Qin escolheu fazer escavações em Mambrui por duas razões.
Primeiro, documentos antigos falavam da visita de Zheng He ao Sultão de Malindi, o mais poderoso soberano costeiro daquele tempo. Mas, os textos também mencionam que Malindi era junto à foz do rio: algo que não acontece na actual cidade de Malindi, mas sim em Mambrui.
O velho cemitério em Mambrui também tem uma famosa tumba de pedra circular, encrustada com um jogo de bolas de porcelana chinesa de quatrocentos anos, insinuando a longa relação da região com o Oriente.
Dentro da larga trincheira em forma de "L" onde a equipa escavou, próximo do limite do cemitério, encontraram o que procuravam.
Primeiro, descobriram restos de uma fábrica metalúrgica e sub-produtos do processo metalúrgico.
Depois, um arquéologo do Museus Nacionais do Quénia desenterrou um maravilhoso fragmento de porcelana que o Professor Qin acredita ter sido feito num famoso forno chamado de Long Quan, que fazia porcelana exclusivamente para a família real no início da dinastia Ming.
O pedaço de cerâmica verde-jade parece ser a base de uma taça muito maior, com dois pequenos peixes em relevo, a nadar na superfície.
"Isto é uma peça maravilhosa e muito importante. É por isso que acreditamos que pode ter sido trazida por um enviado do imperador, como Zheng He", disse o Professor Qin.
Reescrever a História?
Apesar de ainda não se poder tirar conclusões definitivas, estas descobertas deitam por terra a convicção de que o explorador português Vasco da Gama teria sido o primeiro estrangeiro na África Oriental.
Ele chegou em 1499 numa expedição para encontrar o caminho marítimo para a Ásia, tendo lançado mais de 450 anos de dominação colonial pelos poderes marítimos europeus.
"Estamos a descobrir que os chineses tiveram uma abordagem muito diferente dos europeus à África Oriental", disse Herman Kiriama, o líder da equipa de arqueólogos do Museus Nacionais do Quénia.
"Porque eles traziam prendas do Imperador, isto mostra que eles os viam como iguais. Isto prova que o Quénia já era uma potência de comércio dinâmica com fortes ligações ao mundo externo muito antes dos portugueses terem chegado", acrescentou.
E isto está a influenciar profundamente o modo como o Quénia está a pensar as suas actuais ligações com o Oriente.
Estas descobertas implicam que a China detém relações comerciais mais antigas com a região do que a Europa, e que a recente abertura de Pequim ao comércio com África pode fazer parte de uma tradição mais antiga do que seria de supor.
Em 2008, o comércio da China com o continente valia cerca de 107 mil milhões de dólares - mais do que os Estados Unidos da América, e 10 vezes o que era em 2000.
"Há muito tempo, a costa da África Oriental parecia Oriental e não Ocidental", disse Kiriama.
"E talvez seja isto que dá motivos aos políticos para dizerem: ‘Vamos parecer como o Oriente’, porque já nos parecemos assim há muito tempo."
BBC – 20.10.2010

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