Uma Resposta a Janet Mondlane
Por Lawe Laweki*
O trabalho de distorção dos factos e de desinformação levado a cabo pela Frelimo e seus acólitos, faz com que a verdadeira face dos acontecimentos que tiveram lugar durante a luta de libertação nacional permaneça desconhecida. Ao longo dos anos, a história foi sempre divulgada e interpretada na versão daqueles que saíram vencedores, com o objectivo claro de esconder à juventude e às gerações vindouras a verdade do que se passou.
Em tempos recentes, uma sistemática deturpação dos acontecimentos veio de Sérgio Vieira no seu livro intitulado “Participei, por isso testemunho”. Na ocasião, tive a oportunidade de desmentir neste jornal as inverdades que Sérgio Vieira escreveu. Após ler a entrevista que a Sra. D. Janet Mondlane concedeu ao jornal “Savana” (edição de 16 de Setembro p.p.), mais uma vez tomo a iniciativa de historiar a génese e evolução dos acontecimentos durante a luta de libertação, deixando que o leitor melhor avalie aonde é que reside a verdade.
Escreveria um livro se procurasse desmentir todas as inverdades contidas na entrevista da Sra. D. Janet Mondlane. Hoje, limito-me apenas a pegar em duas frases onde ela é citada como tendo dito o seguinte: “Andávamos muito bem, até quando apareceram no nosso seio dois homens; o Padre Mateus Gwenjere e um outro padre belga (Poulé). Estes tinham a missão de criar distúrbios e destruir o trabalho social da FRELIMO”.
Nestas duas frases, três perguntas podem e devem ser feitas:
Por Lawe Laweki*
O trabalho de distorção dos factos e de desinformação levado a cabo pela Frelimo e seus acólitos, faz com que a verdadeira face dos acontecimentos que tiveram lugar durante a luta de libertação nacional permaneça desconhecida. Ao longo dos anos, a história foi sempre divulgada e interpretada na versão daqueles que saíram vencedores, com o objectivo claro de esconder à juventude e às gerações vindouras a verdade do que se passou.
Em tempos recentes, uma sistemática deturpação dos acontecimentos veio de Sérgio Vieira no seu livro intitulado “Participei, por isso testemunho”. Na ocasião, tive a oportunidade de desmentir neste jornal as inverdades que Sérgio Vieira escreveu. Após ler a entrevista que a Sra. D. Janet Mondlane concedeu ao jornal “Savana” (edição de 16 de Setembro p.p.), mais uma vez tomo a iniciativa de historiar a génese e evolução dos acontecimentos durante a luta de libertação, deixando que o leitor melhor avalie aonde é que reside a verdade.
Escreveria um livro se procurasse desmentir todas as inverdades contidas na entrevista da Sra. D. Janet Mondlane. Hoje, limito-me apenas a pegar em duas frases onde ela é citada como tendo dito o seguinte: “Andávamos muito bem, até quando apareceram no nosso seio dois homens; o Padre Mateus Gwenjere e um outro padre belga (Poulé). Estes tinham a missão de criar distúrbios e destruir o trabalho social da FRELIMO”.
Nestas duas frases, três perguntas podem e devem ser feitas:
1. Quando ou em que ano da sua existência, a FRELIMO andou “muito bem”?
2. Quando ou em que ano o padre Maurício Charles Pollet (não Poulé como aparece escrito no jornal) foi ao Instituto Moçambicano em Dar es Salam “criar distúrbios” no seio dos estudantes?
3. De quem os dois padres receberam “a missão de criar distúrbios e destruir o trabalho social da FRELIMO”?
Formação da FRELIMO
Em 1960, constituiu-se na Rodésia do Sul (hoje Zimbabwe) a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO). Em 1961, a UDENAMO, sob a liderança de Adelino Gwambe, transferiu-se para Dar es Salam. Na capital tanzaniana eram evidentes as divisões e os conflitos regionais entre esta organização composta de moçambicanos originários do sul de Moçambique e a Mozambique African National Union (MANU) composta essencialmente de moçambicanos de origem maconde. Em vésperas da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colonias Portuguesas (CONCP) em Acra, Gana, em 1962, o ministro do interior do Tanganyka, Oscar Kambona, também de origem moçambicana, reuniu no seu gabinete os membros dirigentes da MANU e da UDENAMO, numa tentativa de reconciliá-los, dizendo lhes o seguinte: “Vocês são moçambicanos e estão aqui no Tanganyka a agir como inimigos… esqueçam vossas rivalidades e formem um só partido, para a causa comum…Nkrumah vai insistir pela existência de um só partido em cada uma das colónias portuguesas.” Não vendo progresso depois da reunião, Kambona e o queniano Peter Mbiu Koinangue da PAFMECSA, impuseram aos dirigentes da MANU e da UDENAMO a unificação dos seus partidos. Foi nesta onda de conflitos regionais que a frente unida denominada FRELIMO nasceu.
Para solucionar a crise de liderança suscitada pela fusão da MANU com a UDENAMO, o Dr. Eduardo Mondlane deslocou-se de Nova Iorque a Dar es Salam a convite de dirigentes da UDENAMO que lhe dirigiram uma carta em Tsonga para que ele compreendesse de que havia luta pelo poder e daí a necessidade dos moçambicanos do Sul afirmarem-se sobre os moçambicanos do norte.
Em Junho de 1962, a Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO, foi constituída e foram escolhidos para o “Comité Central” que presidiu ao primeiro congresso os seguintes membros directivos: Eduardo Mondlane, presidente; Urias Simango, vice-presidente; David Mabunda, secretário-geral; Paulo Gumane, secretário adjunto; Mateus Mmole, tesoureiro; Malinga Milinga, secretário de educação; e Leo Milas, secretário de informação. O próprio Dr. Eduardo Mondlane revela no seu livro “Lutar por Moçambique”que pouco depois da formação da FRELIMO, os problemas começaram: apareceram uma nova UDENAMO, uma nova MANU, e uma nova UNAMI (p.158).
Em 1963, foram expulsos ou deixaram a FRELIMO de livre vontade os seguintes indivíduos: Mateus Mmole, líder da MANU; Baltazar Chagonga, líder da UNAMI; assim como David Mabunda, Paulo Gumane, Fanuel Mahluza e João Munguambe (líderes da UDENAMO). Em 1964, foram expulsos ou deixaram a FRELIMO de livre vontade seis membros dirigentes, incluindo Leo Milas, assim como Amos Sumane, e Joseph Chitenge, os dois últimos líderes da Província do Niassa). Também em 1964, formou-se a MORECO (Mozambican Revolutionary Council) que, mais tarde se transformou em COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique). Em 1965, escreve o historiador Lucas Ncomo, houve várias tentativas no sentido de remover Filipe Magaia da chefia do DSD e substituí-lo por Samora Machel. No mesmo ano, surge dentro da FRELIMO um movimento denominado MRUPP (Mozambique Revolutionary United People’s Party). Em 1966, foi assassinado Filipe Magaia na Província do Niassa, aonde se deslocara a fim de preparar terreno para alojar os líderes da FRELIMO que viviam em Dar es Salam no máximo luxo, dentro da estratégia da chamada “guerra prolongada”. Foram igualmente aniquilados ou afastados quadros militares a ele fiéis.
Depois do acima exposto, volto a perguntar, à Sra. D. Janet Mondlane: quando ou em que ano da sua existência, a FRELIMO andou “muito bem”?
“Padres Maurício Charles Pollet e Mateus Pinho Gwenjere”
Quando chega a Moçambique em 1943, logo no ano seguinte, o bispo da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, trata de recrutar padres estrangeiros, os chamados “Padres Brancos” ou “Missionários de África”, para as suas missões no centro de Moçambique. De acordo com o pesquisador, Dr. Eric Morier-Genoud, os primeiros “Padres Brancos” chegaram a Moçambique em 1946. Estabeleceram a sua sede em Murraça, de onde o padre Gwenjere é originário, e para onde todos os recém-chegados “Padres Brancos”eram enviados para aprender a língua Sena. Logo após a sua chegada em 1947, o padre Pollet submeteu-se à tradição Sena, cristianizando cerimónias tradicionais, rezando pelo aparecimento da chuva, e trabalhando lado a lado com os muçulmanos na zona. Murraça era a missão que Dom Sebastião mais gostava de visitar, pois adorava ouvir os seus missionários a pregarem em língua local, com palmas e batuques a acompanhar os cantares. Pollet manifestava-se abertamente contra a dominação portuguesa, mostrando-se favorável à independência e libertação de Moçambique. Em 1952, Dom Sebastião escreveu no seu diário o seguinte: “Recebi um padre de nome Pollet, o melhor dos ‘Padres Brancos’ em Moçambique. Zeloso, activo, etc. Se eu tivesse uma dezena de padres como ele, revolucionavam a minha Diocese em pouco tempo”.
Quando Gwenjere foi ordenado padre em 1964, embora fosse diocesano, Dom Sebastião decidiu enviá-lo para Murraça a fim de trabalhar junto dos “Padres Brancos”. Os arquivos da PIDE sobre os dois padres, datados de Março de 1965 a Novembro de 1966, revelam quão próximos os “três mosqueteiros” – Dom Sebastião, Pollet, e Gwenjere – eram. Dirigindo-se a um informador local da PIDE/DGS na Missão de Murraça em Março de 1965, Gwenjere travou com ele a seguinte conversa:
“Você agora trabalha para Portugal?... você pá está muito enganado com os portugueses. Eu sou padre e além disso gosto que todas as pessoas vivam o melhor possível cá neste mundo onde não há brancos nem pretos… Melhor coisa é deixar esse serviço… fui ter com o Senhor Bispo (D. Sebastião Soares de Resende) sobre a sua pessoa…se os vossos patrões é que mandaram fazer este serviço eu ponho-os a andar…”.
Ainda em Março de 1965, a PIDE, delegação da Beira, escreveu o seguinte sobre uma conversa que Gwenjere havia tido com a comunidade portuguesa em Caia :
“…o Pe. Mateus falou do Pe. Pollet dizendo que ele não merecia que fosse atacado como estava a ser, porque se o Pe. Pollet não existisse, a Divina Providência se encarregaria de inventar um outro Pe. Pollet para pôr aqui, porque se não fosse a sua presença, a revolta já aqui se tinha dado, e é ele quem tem estado a segurar os africanos, o que lhe devemos agradecer”.
Em Novembro de 1966, a PIDE escreveu o seguinte: “Esta Polícia, juntamente com as autoridades administrativas, mantém aturada vigilância sobre a Missão de Murraça, sob a direcção do padre belga Pollet e do seu adjunto padre Mateus, (?por causa de) reuniões em que se expandem afirmações como esta: ‘eu, o padre Pollet e o Bispo da Beira, chegamos para orientar a expulsão de Moçambique, de todos os portugueses’.”
Entre 1964 e 1966, Pollet e Gwenjere, enviaram muitos jovens moçambicanos para a FRELIMO na Tanzânia. Nos finais de 1966, Pollet foi transferido para a Missão de Gorongosa e com a morte de Dom Sebastião em 1967, os dois padres, por ele protegidos, sofreram constantes perseguições da PIDE. Pollet foi expulso de Moçambique em 1967, no mesmo ano em que morreu o bispo da Beira. E Gwenjere, que por diversas vezes fora detido pela PIDE, fugiu de Moçambique, também no mesmo ano, duas horas antes de ser preso e exilado para Portugal.
Expulso de Moçambique, Pollet regressou ao Rwanda onde havia iniciado sua vida missionária em 1943. Em 1968, foi transferido para a diocese de Mbeya, na Tanzânia, onde até 1972, foi pároco nas missões de Galula e Mwambi.
Em face do acima exposto, volto a perguntar, à Sra. D. Janet Mondlane: quando ou em que ano o padre Maurício Charles Pollet foi ao Instituto Moçambicano em Dar es Salam “criar distúrbios” no seio dos estudantes?
Como poderia o Padre Pollet ter criado distúrbios no Instituto Moçambicano se ele chegou à Tanzânia depois dos conflitos terem estalado nesse estabelecimento de ensino? Sendo Mbeya distante de Dar-es-Salam, como explica a Sra. D. Janet Mondlane que o Padre Pollet aí pudesse ter tido qualquer influência?
E de quem é que os dois padres receberam “a missão de criar distúrbios e destruir o trabalho social da FRELIMO”, sabendo-se que foram várias vezes detidos pela PIDE por causa das suas convicções políticas?
Conforme ficou acima demonstrado, o padre Pollet trabalhou muito para a independência de Moçambique. Fazendo as palavras de Gwenjere minhas, este santo homem não merece ser atacado como está a ser” pelos dirigentes da FRELIMO, sabendo-se que muitos desses dirigentes foram da Mocidade Portuguesa durante o período colonial e enviados pelos seus pais assimilados ou padrinhos portugueses para a metrópole para prosseguirem estudos superiores, numa altura em que o padre Pollet, numa missão remota, trabalhava sem parar no sentido de consciencializar os moçambicanos, lutando pela sua independência. Sim, confirmo que, com os problemas que a FRELIMO enfrentava, o padre Pollet entristecia-se com a situação dos Moçambicanos que aconselhou fugir de Moçambique para aquele movimento. Será isso que a Sra. D. Janet Mondlane chama de “distúrbios” e “mobilização”?
Padre Mateus Pinho Gwenjere na Tanzânia
O importante papel que o padre Gwenjere desempenhou na luta pela justiça, liberdade, e independência nunca pode ser questionado. Gwenjere fugiu para a Tanzânia em 1967. Em Novembro do mesmo ano, foi porta-voz da FRELIMO perante o 4o. Comité das Nações Unidas em Nova Iorque, onde fez um discurso brilhante que foi muito aplaudido e tanto incomodou o governo português.
Como acima referi, sempre houve problemas no seio da FRELIMO. Este movimento não persistiu como uma estrutura legítima. Gwenjere era muito respeitado no seio dos militantes da FRELIMO e causava uma impressão positiva entre muitos daqueles com quem entrava em contacto. Eram sempre os militantes da FRELIMO que o procuravam, e nunca o contrário, para resolver os problemas existentes. Antes da sua chegada, esses problemas no seio do movimento eram contestados em murmúrios silenciosos por causa do medo das armas. Não podem ser questionados os seus esforços e sinceridade para trazer paz ao movimento, pois que as dissensões entre os moçambicanos travavam a luta.
A ruptura entre Gwenjere e a liderança da Frelimo deu-se nas festas do fim do ano em Dar es Salam em 1967. O Dr. Mondlane disse no seu discurso anual que “a luta contra a dominação portuguesa seria longa e demorada”. Gwenjere pediu a palavra e disse que não acreditava na chamada “guerra prolongada”, argumentando que só traria mais sofrimento aos moçambicanos no interior de Moçambique.
Contudo, não era apenas o Gwenjere e seus apoiantes que estavam impacientes com a chamada “guerra prolongada”. O jornal cubano “Juventude Rebelde” insurgiu-se igualmente contra a liderança da FRELIMO por “travar o movimento guerrilheiro em Moçambique” e “sabotar os reais esforços dos combatentes”. Enquanto isso, e fazendo eco das críticas de Gwenjere e dos estudantes no Instituto Moçambicano, no Dia da Libertação de África, em Dar es Salam, no mês de Maio de 1968, o primeiro vice presidente da Tanzânia, Karume, criticou “os combatentes pela liberdade por travarem amizade com pessoas que sabem muito bem serem seus inimigos”, pedindo-lhes “que evitem luxos”. No fim do mesmo mês de Maio, o jornal tanzaniano “The Nationalist” afirmava o seguinte num editorial, que se interpretou como sendo dirigido à liderança da FRELIMO: “...alguns combatentes pela liberdade cederam à busca do prazer, em vez de irem para a linha da frente ou até de fazerem seja o que for de realmente sério quanto à luta pela liberdade e pela independência nacional. Outros vivem no luxo, em casas com ar condicionado, em países africanos independentes, enquanto o seu próprio povo está a sofrer crueldades coloniais de que ninguém fala. Há até quem, de entre eles, vá ao ponto de possuir e ter nas suas casas cadeiras de baloiço caras, apenas para poderem desfrutar de um tipo de prazer boémio, totalmente dissociado da realidade de um combatente pela liberdade… Ainda mais curioso e perigoso é o tipo de tratamento fraterno dado por alguns combatentes pela liberdade a agentes do inimigo com quem estão a lutar. Não é raro, em Dar es Salam, por exemplo, ver um combatente pela liberdade em grandes sessões de copos com caras estranhas de brancos. É verdade, que alguns deles se fazem passar por ”liberais”, ”democratas”,”socialistas” ou mesmo por ”anticolonialistas”. Mas é exactamente esse o tipo de truque contra o qual os combatentes pela liberdade devem estar muito atentos.”
*Ex-estudante do Instituto Moçambicano, mais conhecido por João Baptista Truzão
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 04.10.2011
FOTO:
No funeral do primeiro presidente da Frelimo esteve Janet e os filhos, e da direcção da Frente de Libertação de Moçambique só há memória de ter estado o Reverendo Urias Simango
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