Contribuições
para a História de Moçambique por Marcelino Síthole
É
uma pergunta, que vem ao espírito de quem acaba de ler o relatório de Fanuel
Guidion MAHLUZA, que o «Canal de Moçambique» publicou há dias.
Mahluza apressou-se a escrever (em inglês) e enviar para «Amnesty International» (Amnistia Internacional) este relatório, pouco depois de chegar a Nairobi, em proveniência do campo de "reeducação" de «Ruarua», planalto de Mueda de onde se tinha evadido, a 27 de Agosto de 1977, com Artur Janeiro da Fonseca, Atanásio Filipe Muhate e Lumbela.
Cansado pela viagem e traumatizado pelas privações e a perda de dois dos companheiros de evasão, a principal preocupação de Mahluza era a sorte dos numerosos combatentes da liberdade, estudantes e intelectuais, que a FRELIMO tinha internado nos seus campos de concentração, oficialmente designados por campos de "reeducação". Como se sabe, também o governo de Hitler, na Alemanha, tinha designado os seus campos de concentração e exterminação por campos de "trabalho": Die Arbeií machlfrei! (O trabalho liberta!), era a divisa destes campos.
Entre os presos políticos e de consciência dos campos de "reeducação"
encontravam-se milhares de Testemunhas de Jeová, por adorarem Deus e cumprirem
os seus mandamentos, quase todos os dirigentes do COREMO e de outros partidos
nacionalistas moçambicanos não financiados pelo neocolonialismo soviético, por
acreditarem no pluralismo, tolerância e valores morais tradicionais do povo
moçambicano, Joana Simeão admirada e recordada até hoje, por força da sua
coragem de mulher africana, assim como dezenas de estudantes regressados de
vários países da Europa, da América e de África, por terem aprendido a pensar
com as suas próprias cabeças. Entre estes estudantes havia Samuel Mapilele,
brilhante intelectual, militante da UGEAN, diplomado em economia pela
Universidade de Belgrado, Sebastião Mucavaca, regente agrícola formado na
Tunísia, que tinha alcançado com Bartolomeu Mbalica, depois de atravessarem a
África do Oceano Índico ao Mediterrâneo pêlos seus próprios meios e tantos
outros, que lá perderam a vida e de cujos talentos e conhecimentos Moçambique
nunca viria a beneficiar. Saídos com vida destes campos de
"reeducação", só tenho notícia de F. G. Mahluza e Artur Janeiro da Fonseca,
que um dia nos contará, como conseguiram atravessar o Rovuma, escalar o
Kilimanjaro e chegar a Nairobi a pé, pelo mato, entre as feras.
Dos que lá desapareceram, Mahluza cita muitos nomes. Será uma metade, um
terço,...? O número de nacionalistas, estudantes e intelectuais moçambicanos
desaparecidos, logo após a independência, parece atingir proporções de
genocídio, sobretudo para a nossa jovem nação desprovida de recursos humanos
qualificados. Os Nazis, que dirigiam os campos de "trabalho" da Alemanha,
mantiveram registos, que permitiram apurar os números do genocídio de milhões
de alemães. No Camboja, ainda se podem contar as caveiras. Haverá jornalistas e
historiadores moçambicanos interessados em esclarecer o que se passou, no nosso
país? Se a publicação deste relatório contribuísse de alguma maneira para
suscitar o interesse dos profissionais competentes e isentos, que já cá temos,
sobre este aspecto da nossa história recente, F. G. Mahuza, apesar de não ter
podido evitar o pior, quando redigiu o seu relatório, não o teria feito em vão.
Mahluza, que nos deixou o ano passado e está sepultado na sua terra de
Moçambique, foi um combatente da liberdade corajoso e um patriota e
nacionalista exemplar.
Foi fundador e dirigente da UDENAMO, antes de Marcelino dos Santos ter aderido
a essa organização. Foi fundador e eleito para o Comité Central da FRELIMO.
Quando, depois do Congresso Constitutivo, o Presidente Professor Eduardo
Mondhlane se ausentou temporariamente para a sua Universidade de Syracuse, a direcção
da FRELIMO em Dar Es Salaam entrou em crise, registando-se expulsões e
demissões. A UDENAMO foi reconstituída e abriu escritório no Cairo, com Paulo
Gumane e F. G. Mahluza, para, mais tarde, se integrar no COREMO, em Lusaka.
Foi Mahluza, quem abriu a frente de luta armada em Tete: atacou o posto
administrativo e içou a bandeira do COREMO em Fingoè. Antes de atacar, mandara
avisar o chefe do posto, que tinha andado com ele na Escola Técnica de Lourenço
Marques, permitindo-lhe fugir com a família. Os guerrilheiros do COREMO da
província de Tete dirigidos por Mazunzu Bobo foram, mais tarde, convidados pela
FRELIMO a discutir sobre a "unidade de acção contra o colonialismo" e
trucidados, numa cilada. Depois da independência e da evasão de Ruarua, Mahluza
tornou-se dirigente da RENAMO e trabalhou, em Pretória, com o Secretário Geral
Orlando Cristina, que ele, como muitos outros, considerava um Homem. A RENAMO,
todos sabem, trouxe, mal ou bem, a democracia para Moçambique.
Nas suas conversas Mahluza, referia-se às vezes ao seu primo, rindo-se com
tristeza daquele ilustre e consagrado herói, que, por ambição, más influências,
insensatez e complexos pessoais, tinha feito cair Moçambique dentro dum poço
muito fundo cheio de águas turvas.
Mahluza foi um nacionalista moçambicano da primeira hora e de todos os momentos
guiado por princípios nobres, pêlos ideais da fraternidade, justiça, liberdade
e democracia, que sempre se manteve alheio a interesses mesquinhos e ao racismo
e tribalismo e que sempre se levantou contra as injustiças.
ANAL
DE MOÇAMBIQUE – 16.03.2006
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