O autor |
Neste excelente livro o autor, tenente
coronel António Lopes Pires Nunes, relata minuciosamente o que se passou na
guerra do Leste de Angola. Sugerimos vivamente a sua leitura a todos aqueles que
estão interessados em saber a verdade sobre a descolonização e a guerra em
Angola. Como o livro tem copyright e não será fácil de adquirir àqueles que
vivem em Angola, solicitamos a complacência da Editora e do Autor.
Obrigado
(...) No dia 15 de Março de 1961, Angola acordou sobressaltada
com notícias preocupantes sobre algo de muito grave que ocorria nos distritos de
Uíge, Zaire e Cuanza Norte. Os portugueses tomaram, então, conhecimento da
existência da UPA (União dos Povos de Angola), movimento independentista que,
acoitado no Congo ex-belga e com o apoio de algumas organizações internacionais,
cometia naquela região um generalizado massacre. Hordas enlouquecidas, armadas
com catanas, assassinavam selvatícamente pessoas de todas as raças, credos e
idades, destruíam as estruturas económicas e viárias e incendiavam as fazendas e
as povoações daquela tão vasta e rica região, fazendo do Norte de Angola um
verdadeiro inferno. Desolação, casas fumegantes, estradas cortadas e cadáveres
por todo o lado, era só o que a observação aérea podia detectar. As populações
aterrorizadas refugiaram-se nas matas, fugiram para os países vizinhos ou
acolheram-se a alguns núcleos de resistência, como Carmona, Negage, Mucaba ou
Quimbele, aguardando a chegada de socorros. Por seu lado, as autoridades
militares reagiram às atrocidades com as poucas forças armadas disponíveis, que
unidades metropolitanas reforçaram, e sustiveram o ímpeto da UPA.
A data iria marcar o início de uma longa guerra subversiva que
Portugal viveu em Angola, entre 1961 e 1974, que se foi agudizando com a
transformação da UPA em FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o
aparecimento, do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e, mais tarde,
da UNITA (União Nacional Para a Independência Total de Angola). As catanas, que
eram instrumentos de trabalho, foram substituídas por armas automáticas, minas e
morteiros e as hordas deram lugar a grupos de guerrilha instruídos que
enfrentavam, agora, não populações indefesas mas as FAP (Forças Armadas
Portuguesas).
As ideias independentistas que norteavam estes movimentos
colhiam crescente apoio internacional e Portugal, como não aceitou discutir a
independência deste seu território de Além-Mar, que considerava ser uma sua
província ultramarina, foi ficando isolado, nomeadamente em relação a países que
tradicionalmente eram seus amigos e aliados.
O conflito armado assumiu características peculiares por serem
três os movimentos em luta e, sobretudo, por nunca se terem aliado. Por este
facto, as forças portuguesas combateram em Angola sempre contra três inimigos
diferentes, que aliás se guerreavam entre si, e que tinham interesses e
estratégias diferentes. Sucedeu mesmo que, no Leste, a partir de 1966,
defrontaram simultaneamente os três, colocando-os em dificuldades, e nem mesmo
este facto alterou as relações entre eles. Esta falta de unidade explica-se, em
grande parte, pela circunstância de se viver, então, a chamada Guerra Fria, que
dividiu o mundo em dois grandes blocos ideológicos, liderados pela URSS e os
EUA, que se afrontavam e disputavam a primazia em África. As organizações e os
seus dirigentes participavam indirectamente neste afrontamento ao qual não
podiam furtar-se sem colocarem em causa os apoios que obtinham de um ou do outro
lado. Também os países vizinhos estavam alinhados e só concediam apoios aos
movimentos com quem tinham afinidades ideológicas.
A UPA iniciara a guerrilha no Norte, mas fê-lo precipitadamente
e sem reunir as condições ideais. Devido à crise que então se vivia na República
Democrática do Congo (RDC), depois república do Zaire, que obtivera a
independência havia pouco tempo, esta precipitação foi um risco que poderia ter
sido pago caro. Mas ganhou a corrida ao MPLA e, sendo-lhe favorável a evolução
política congolesa, foi-se organizando neste país e aí se manteve até 1974,
sempre com o apoio do governo pró-ocidental do general Mobutu.
Por sua vez, o MPLA, professando uma ideologia comunista, só
pôde instalar-se na República Popular de Congo (RPC) de onde apenas podia levar
a guerrilha a Cabinda. Confrontado com a falta de adesão dos povos cabindas,
transferiu-se, em 1966, para a Zâmbia e fixou-se na fronteira do Moxico para
entrar em Angola, pelo Leste. No Moxico, o MPLA encontrou a UNITA que se
adiantara e desenvolvia ali um profundo trabalho de subversão das populações e
actuava já com grupos de guerrilha. Ao contrário do que sucedia no Norte, o MPLA
movimentava-se, agora, à vontade e reforçava as suas estruturas, enquanto a
FNLA, nesta área, como tinha os seus apoios no Zaire, ficou muito limitada.
Parecia claro que, sem se unirem, propósito que o MPLA tentou e a FNLA sempre
recusou, se tornava difícil a qualquer dos movimentos, por si só, executar uma
estratégia global.
Em 1966, os movimentos haviam já consolidado as duas áreas de
guerrilha, que denominavam de 'frentes', às quais as forças militares opunham
Zonas de Intervenção. Logo em 1961, havia sido criada a Zona de Intervenção
Norte (ZIN), nos distritos de Cabinda, Zaire, Uige, Luanda, Cuanza Norte e
Malange e, prevendo-se o que veio a suceder, a Zona de Intervenção Leste (ZIL),
abrangendo os da Lunda e do Moxico.
Apesar das forças portuguesas terem que se repartir, foi-Ihes
possível concentrar no Leste meios importantes que, todavia, não foram
suficientes para evitar a expansão da subversão.
A opinião pública portuguesa, na segunda metade da década de
60, foi-se mentalizando para as dificuldades crescentes na Guiné e até para um
eventual desaire militar neste território mas, em relação a Angola, enraizou a
ideia de que a situação militar era muito favorável - e era-o, de facto, até
1966. A generalidade dos portugueses e mesmo uma grande maioria dos militares só
tarde se foi apercebendo do perigo que representava o MPLA instalado na Zâmbia
com a exclusividade das ajudas deste país. E apenas despertou para a realidade
quando começaram a chegar notícias, cada vez mais preocupantes, das baixas em
combate no Leste e do aparecimento dos grupos guerrilheiros, cada vez mais no
interior de Angola.
Fortemente instalada na Zâmbia, tendo o apoio directo de uma
população que transferiu, com o apoio da OUA, da região de Brazzaville (Cf. Iko
Carreira, em "O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto") e com bases perto da
fronteira, onde o armamento chegava em grande quantidade, a ameaça era real. Se
o MPLA continuasse no mesmo ritmo, a situação militar em Angola tornar-se-ia
muito problemática com enorme impacto em Portugal Continental e com reflexos
incalculáveis nas lutas que as FAP travavam na Guiné e em Moçambique.
Em 1970, os comandos militares responderam ao MPLA com igual
conversão estratégica e, nos primeiros anos da década de 70, acrescentaram uma
nova fase à luta que se travava no Leste, que ficou assim definida:
• De 1966 a 1970, o MPLA expandiu-se profundamente no
território do Leste e a UNITA afirmou-se como um movimento muito aguerrido com
capacidade para o acompanhar, em profundidade, ainda que limitadamente.
Criou-se, então, uma situação militar muito difícil porquanto o MPLA chegou a
atravessar o rio Cuanza para oeste, ameaçando o distrito do Bié. No entanto, as
FAP, sem grandes alterações estratégicas e apenas com o balanceamento de meios
conseguiram suster o avanço da guerrilha.
•Em 1970, o Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola tomou
grandes decisões estratégicas e transferiu o esforço principal do Norte para o
Leste.
• De 1971 a 1974, as FAP iniciaram uma
verdadeira contra-ofensiva, em termos de guerra subversiva, e foram capazes,
numa posição claramente vencedora, de remeter os três movimentos para além
fronteiras, completamente desorganizados, obrigando-os a ter que reformular a
sua estratégia.
OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS EM 1972 e
1973
(...) O ano de 1972 foi desvastador para a FNLA e o MPLA. Além
das derrotas militares, ambos os movimentos viveram gravíssimas dissensões
internas. A FNLA viu-se a braços com uma grave amotinação dos elementos do ELNA
na base de Kinkuso, que obrigou as tropas do Zaire a intervir, e o MPLA foi
confrontado com a Revolta do Leste encabeçada por Daniel Chipenda, em oposição a
Agostinho Neto. Estes factos, que tiveram grande ressonância regional e um forte
impacto na OUA, traziam em si o gérmen da dissolução e da derrota dos dois
movimentos e foram em grande parte uma consequência da poderosa ofensiva
portuguesa.
Perante a desorganização geral dos dois movimentos, a OUA, com
a interferência de Mobutu, ainda os juntou e fez assinar a Acordo de Kinshasa de
13 de Dezembro de 1972. Mas como coligar dois movimentos que não o quiseram
fazer durante onze anos, numa altura em que os dois partidos, derrotados no
terreno, se desfaziam?
Contudo, a coligação preocupava os comandos militares
portugueses uma vez que os dois partidos, com as forças remanescentes, seriam
capazes de eleger um objectivo comum e investir nele com uma força poderosa. O
acordo, porém, não teve consequências práticas, devido às fortes contradições.
Criara-se o CSLA (Conselho Superior de Libertação de Angola) com o CMU (Comando
Militar Unificado) e o CPA (Conselho Político Angolano), o que parecia uma
solução acertada. Mas, quando se atribuiu o órgão militar ao MPLA, e o órgão
político à FNLA sabendo-se que o MPLA tinha maior projecção internacional e a
OUA tinha retirado o apoio ao GRAE e o concedera ao MPLA, toda a estrutura
ficava sob a hegemonia deste movimento. Mobutu ainda tentou compensar esta
discrepância não permitindo ao MPLA circular no território do Zaire mas o acordo
nunca teve qualquer consequência militar em Angola.
A fraqueza dos movimentos independentistas
no Leste está patente no cada vez mais reduzido número de acções que efectuaram
no decorrer do ano de 1972 sobre as tropas portuguesas e as populações. O número
de baixas que provocavam foi-se também reduzindo, tornando-se insignificante a
partir do mês de Setembro.
A FNLA entrou em crise total e retirou o
seu batalhão infiltrado, enquanto o MPLA, após o colapso dos seus esquadrões, ia
recolhendo às suas bases na Zâmbia.
A situação para os movimentos não melhorou no ano de 1973. As
notícias referiam que o MPLA se encontrava em fase de reestruturação.
Politicamente tinha criado o CNMR (Conselho Nacional do Movimento de
Reajustamento) e a CPMR (Comissão Provisória do Movimento de Reajustamento),
órgãos destinados à Frente Leste, por motivo da dissidência atribuída a
Chipenda. No campo militar, pensava reorganizar os efectivos dos seus esquadrões
desbaratados em cinco colunas, cada uma delas constituída por um comando e 5
esquadrões, apoiadas em CO (Centros Operacionais) com sede nas bases principais
da Zâmbia.
De acordo com este conceito de manobra, completamente
desarticulada do falido Acordo de Kinshasa, estas colunas teriam por missão
atacar e destruir objectivos na faixa fronteiriça e criar condições para a
progressão para o interior. Enviados a Angola alguns responsáveis dessas colunas
para reuniram os efectivos e dar as directivas necessárias, acabaram por voltar
à Zâmbia para locais inacessíveis ou passaram a viver em regime de
normalização.
Com a mudança do Comando da ZML, em meados de 1973, a
actividade operacional não abrandou e continuou a dificultar a vida aos grupos
que, por vezes, penetravam em Angola para acções curtas e muito violentas
próximo da fronteira. Em Novembro de 1973 ainda montaram uma emboscada no
itinerário Luvuei-Lutembo, causando 5 mortos e 32 feridos militares, dos quais
15 graves, mas eram já, não obstante o seu elevado potencial de fogo, acções
ocasionais de fronteira, mas muito traiçoeiras, porque surpreendiam as tropas
portuguesas confiantes e descontraídas. A UNITA, procurando tirar partido da
quase ausência do MPLA e da.FNLA e prevendo que a sua situação teria de ser
esclarecida, tentou sem êxito, em Outubro de 1973, ser reconhecida oficialmente
pela ONU, no decurso da 22a sessão do Comité de Libertação, em
Mogadíscio.
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