A história do Sultanato de Angoche,
dos xeques seus dependentes, e dos munos macuás e lomués, mais ou menos
seus vassalos, ou ainda independentes nos territórios da Capitania--mór, é pouco
menos que desconhecida.
Tirando algumas raras e ligeiras
referências de Duarte Barbosa ou de Fr. João dos Santos, sem detalhes, apenas
encontramos entre os antigos escritores referências mais positivas aos inhabacos e inhamandares de Catamoio em Duarte de
Lemos, que falando na sua acção e influência política sobre os xeques e
populações da costa, entre outras coisas diz: “Dos Mouros de Angoya (Angoche)
estam como estaban: danan todo o trato de Çofala. Parece-me pouquo do vosso
serviço estar ally aquella ladroeira—» E razão tinha o cronista: que a
influência do sultanato e seus mujôjos e nobres se exercia perniciosamente por
ser o único principado islâmico com existência efectiva na costa e ter recursos
importantes de ordem material e relações seguidas com outros centros
muçulmanos.
Assim constituíam o obstáculo mais
sério para a realização das nossas empresas e conquistas pela oposição que a
esta faziam e pelo esforço e reacção que pelo seu proselitismo desenvolviam
contra nós, representando indubitavelmente o foco da resistência contra o
estabelecimento da nossa autoridade e do nosso predomínio ao longo das praias de
Moçambique e mesmo para o interior.
Em 1898 o então guarda-marinha
Eduardo Lupi, que no comando da lancha «Marracuene» revelava já as suas
qualidades e capacidade de trabalho, quando vigiava e reconhecia os canais de
Angoche por forma a merecer uma referência elogiosa de Mousinho (tão parco em
as fazer!) no seu livro «Moçambique» , dizia: «Piores do que os seus vizinhos
de Além-canal são os mujôjos de Angoche. São nossos inimigos: — politicamente —
por serem os antigos senhores da terra; economicamente — por lhes tolhermos o
seu mais favorito negócio, a escravatura: e superior a estas duas coisas e
bastante de per si, têm-nos o ódio de raça, e o ódio de crença. São nossos
inimigos, e foram-no sempre...»
Nem o general David Rodrigues em a
sua publicação valiosa «A ocupação de Moçambique»; nem o general Teixeira
Botelho na sua obra monumental e tão documentada “A história militar e política
dos portugueses em Moçambique», nem o já citado Eduardo Lupi nos seus soberbos
livros sobre Angoche, nem Massano de Amorim no seu relatório oficial sobre a sua
notável ocupação de Angoche, nos dão relatos ou elementos muito desenvolvidos e
precisos sobre a história antiga do Sultanato e terras dos macúas de Angoche.
(i)
Assim começaremos esta pequena
notícia no ano de 1839.
Nesse ano foi descoberto em
Moçambique um conluio que tinha objectivo separatista.
O enérgico Governador Geral
brigadeiro Marinho, atribuiu a sua responsabilidade aos negreiros que na
província e especialmente no Tejungo, Môma, Angoche, Sangaje, Conducia e Cabo
Delgado, praticavam o odioso e abominável comércio!
Ë justo acrescentar que a sua
repressão era tentada pelas autoridades portuguesas da província com a
diligência e energia permitida pêlos recursos limitadíssimos de que
dispunham.
Em Maio de 1847 estavam estabelecidos
em Angoche alguns negreiros árabes de Zanzibar e das Cômoros que tomaram a
precaução de se fortificar, dispostos a resistir com artilharia e fusilaria às
nossas autoridades se estas tentassem castigá-los.
Mercê de um acordo que hoje se nos
afigura inexplicável mas que a penúria de recursos próprios, as deficiências da
ocupação efectiva nessa época fazia parecer tolerável (a alguns) os escaleres
da fragata inglesa «Cleopatra» entravam então no rio de Angoche com o fim de
perseguir pangaios negreiros que ali iam buscar a sua carga, como ignobilmente
diziam, de pau
preto.
Efectivamente lá estavam alguns e a
marinhagem recebida a tiro, apenas conseguiu queimar um, retirando as
embarcações para o mar debaixo de fogo intenso das gentes de terra.
A autorização para o varejo dos
portos portugueses por forças navais inglesas foi suspensa pela metrópole, mas o
governador geral, Abreu Lima, em vista das instantes solicitações do almirante
inglês, comandante da estação naval do Cabo da Boa Esperança, que afirmava
continuar a praticar-se a escravatura em Angoche, resolveu organizar uma
expedição punitiva em que com as forças portuguesas cooperariam forças de
desembarque dos navios ingleses (!!) tendo como objectivo castigar o sultão
conivente com os negreiros e destruir os barracões para escravos que existissem
na povoação.
A força constituída por várias
embarcações dos navios portugueses e ingleses, com marinhagem de desembarque,
soldados e artilharia, tudo sob o comando do major Campos em 21 de Novembro
(1847) entrou no rio.
Atacadas as embarcações por um tiro
de peça e fusilaria, inflingiu a expedição uma severa lição aos muinhés, matando--Ihes muita gente e
destroçando-lhes a povoação, o que permitiu que fugissem os desgraçados negros
destinados a embarque como escravos.
Foi uma dura lição que, contudo, não
surtiu efeito como era de esperar, pois que as expedições de mette e sacca, isto é, não seguidas
de ocupação efectiva para nada serviam, e nunca deram resultado. Os inhabacos de
Angoche e o seu sultão refeitos da ensinadela e abandonados a si
próprios, continuaram praticando a escravatura quási às escâncaras!
Ë para notar que o sultão a-pesar da
frequência com que se repetiam casos desta natureza, nunca deixou de protestar a
sua boa vontade e a sua
submissão ao governo português!
Assim três anos decorridos, em Julho
de 1850, no dia 20, largava ferro adentro do fundeadouro de Moçambique uma
corveta de guerra inglesa, a «Bacchante», em que se transportavam três enviados
do então sultão de Angoche Hassane-Issufo.
Vinham eles afirmar ao Governador
Geral a obediência e respeito do príncipe mujôjo, e fazer os seus protestos de
submissão.
Recebidos pelo Governador Geral que
aceitou esses protestos de sujeição e vassalagem, foram-lhes impostas, por ele,
várias condições para poder considerar efectivos, sinceros e formais, esses
propósitos de obediência.
Como cláusula primordial impunha-se a
plena obediência às determinações do governo português que exigia que, ele
sultão, não consentisse a permanência, em suas terras, de engajadores de
escravos, nem tão pouco, claro está, o exercício da escravatura. Impôs-se-lhe mais ainda o dever de
dar conhecimento, às autoridades portuguesas, de qualquer ocorrência
extraordinária que viesse a dar-se nos seus senhorios ou, nos domínios dos
xeques seus vassalos. Baldadas imposições!
Dentro de
pouco tempo e a-pesar desta singular iniciativa de submissão, vinda
exclusivamente do sultão Hassane-Issufo, tudo estava como dantes!
Em 1856
via-se o Governador Geral forçado a mandar nova expedição contra o Hassane e
seus muinhés, mas a
indisciplina dos soldados e dos marinheiros que eram transportados num brigue de
guerra obstou a que se obtivesse qualquer resultado com tal tropa...
Como se
vê, pois, pêlos meados do século passado, o nosso domínio nas terras de Angoche
e seus sertões da Macuana e Lomué, era puramente nominal: se o sultão da sua
povoação do Catamoio enviava emissários e mantinha relações com as autoridades
portuguesas de tempos a tempos, a verdade é que tudo era falsidade e mentira,
como bem lembram Lupi e Massano de Amorim; este último acrescenta: «os protestos
de fidelidade, os preitos de homenagem dos sultões feitos quási sempre para que
os deixassem sossegados e para que não se intrometessem nas suas correrias pelo
interior, ou nos seus negócios de escravatura na costa, nada significavam quanto
a subordinação e respeito pela autoridade portuguesa».
Era
então, como está dito, sultão o inhabaco da casa inhamilála (2)
Hassane Issufe, cuja soberania e influência real se não dilatavam muito mais do que nominalmente, para fora da
Ilha de Angoche, embora inhabacos
seus vassalos, dominassem ainda regiões para o sul de Môma e para o
interior e povos para oeste de Larde e para lá de Nametuli e Nampula,
reconhecessem o seu ascendente, que o próprio xeque de Sangage se considerasse
seu vassalo e que os de Moginquale e do Infusse, por vezes, lhe prestassem
submissão. Mas xeques e munos ou senhores dominavam
realmente as suas terras por conta
própria.
Estava o sultão Hassane velho e,
portanto, já timorato e pouco dado a empresas guerreiras ou que lhe alterassem a
paz e sossego em que queria viver. Tudo que não fosse ganância sem trabalho e
perigos, pouco o interessava, assustava-o mesmo. Tinha ele um irmão conhecido
por Mussa-Quanto, filho da mesma mãi e do xeque da Cabaceira Pequena, no
continente, em frente da ilha de Moçambique, dotado de qualidades bem diferentes
das suas.
Se o facto de ser irmão do sultão,
inhabaco portanto de grau
elevado lhe dava prestígio, a sua energia e coragem, a sua dureza, tornavam-no
temido, e faziam dele um chefe, um condutor de homens, incontestado e
admirado.
O Mussa-Quanto chamava-se, na
realidade, Mussa-Momadi--Sabo; seu pai o xeque da Cabaceira por nome Amadi-Sabo,
tinha a alcunha de Quanto que
transmitiu ao filho Mussá. O xeque era irmão do Gulamo-Usseni que tantos e
tantos europeus conheceram e estimavam, e que era o intérprete oficial do
Governo de Moçambique. Era, portanto, Mussa-Quanto irmão inteiro do xeque Ali da
Cabaceira, sendo pela mãi irmão do sultão Hassane-Issufe de Angoche.
Logo muito novo começou em companhia de um xerife seu parente, Agi, (por ter peregrinado a Meca), a
percorrer o Lomué, o país dos Anguros o Lugenda indo até ao Zambeze e depois aos
Ajauas, onde o xerife procurou arranjar prosélitos, seguindo para Zanzibar a
visitar parentes e seguindo depois às Cômoros e até Madagáscar.
Estas suas viagens com o fim de ver mundo e conhecer terras eram,
talvez, realizadas também com o objectivo de verificar e descobrir onde melhor
as caravanas do Catamoio e do Larde, se poderiam abastecer dos escravos com que
houvessem de fornecer os mercados externos. Permitiram-lhe também reconhecer as
riquezas das terras zambezianas e averiguar de onde provinha o ouro tão
apetecido, e onde se caçavam os elefantes e se recolhia o apreciado
marfim.
A viagem durou anos: regressando à
sua pátria, ao Catamoio na ilha de Angoche, Mussá
trazia a viva imaginação impressionada pelo que vira e aprendera, a ambição
exaltada pêlos recursos e riqueza que julgou poderia colher facilmente pela
conquista e pela pilhagem, que se lhe afigurava seria decerto possível e fácil
de realizar, pelos prazos da Coroa e pelas terras ribeirinhas do grande Zambeze,
do Chire ou do Niassa; considerando realizável exercer domínio sobre aquelas
populações.
Usando, pois, de toda a sua
influência, de todos os seus dotes de persuação, embora aparentasse solicitar
uma permissão, impôs, realmente, a sua vontade, ao velho fraco e indeciso
Sultão, levando-o a assentir na organização de uma expedição de guerra que ele,
Quanto, comandaria e que destinava a raziar e, talvez, conquistar para o
Sultanato essas terras zambezianas que havia reconhecido e visitado.
Estavam então os recursos do Sultão e
da sua gente em decadência, alegando os vassalos razões, de ordem vária, para
não pagarem os tributos devidos.
Nem os caçadores do Lomué e da serra
da Chinga ou do Namuli, nem tão pouco as caravanas do Gurüé e do Milange traziam
já marfim ou ouro em pó, que derivava de preferência para as feiras do Zambeze e
dos prazos de Quelimane.
O Sultão e os mujôjos viam, pois, os
seus lucros adstrictos aos que lhe podiam advir exclusivamente de escassas
culturas, ou da escravatura, que, como vimos, a-pesar dos esforços das
autoridades portuguesas, dados os seus fracos recursos militares e defeituosos
processos de os utilizar, elas não conseguiam extinguir.
O ambicioso e irrequieto Mussá-Quanto
não se podia conformar com a decadência do Sultanato que pensava vir a herdar,
e, assim, sugerindo ao irmão a ideia da expedição de guerra que, passado o
«Ligonha», assolasse as regiões do interior, pensava, com as presas que
realizasse, enriquecer o príncipe, os seus fidalgos e guerreiros, mas muito
principalmente enriquecer-se a si próprio.
Vencida a relutância do Sultão,
sempre receoso de um desastre ou de uma revolta dos inhabacos, e convencidos estes pêlos
argumentos e pelo arrojo do plano do Mussá Quanto seu verdadeiro chefe militar,
organizou ele uma hoste aguerrida composta pelos homens do Sultão e seus
próprios, pêlos dependentes e escravos dos inhabacos ou dos xeques vassalos, e
dos munos macúas que conseguira
fazer aderir aos seus projectos grandiosos, e partiu, sempre acompanhado pelos
receios do Hassam-Issufo, em direcção ao Morrúa e ao Mujeba, seguindo depois
para o Derre e terras ribeirinhas do Chire, segundo tradição dos velhos
inhacuáuas do Marrai, do Derre, da Aringa e dos régulos do M'lolo, do Campata e
outros na região de Milange, que submeti em 1890.
Mas os guerreiros experimentados e valorosos caçadores do Alto Boror, do Alto Marrai e Massingire,
aliados aos homens do Mangassanja não se deixaram surpreender, e embora em
número inferior aos invasores dos seus prazos e terras entrincheiraram-se numa
forte aringa à moda tradicional da Zambézia, e resistiram vitoriosamente ao
cerco e investida dos mujôjos do Mussá.
As gentes deste, desconhecedoras da
guerra das aringas, segundo alguns descrevem, esgotadas as munições nos ataques
a distância às fortes palissadas da fortificação cafreal e desanimados,
viram-se forçados a retirar, o que fizeram em boa ordem (Eduardo Lupi). É esta a
tradição de Angoche, isto é, a dos rechaçados e vencidos muinhés.
A tradição zambeziana e dos homens do
Chiperone e do Derre outra é, e foi por mini colhida cuidadosamente antes da
campanha que em 1898 levou triunfantes as forças do meu comando às fronteiras do
Sultanato, no Tejungo então limite do distrito da Zambézia, que, por falta de
autorização superior dada a tempo (3) não pude infelizmente transpor, quando
era não só possível mas pode-se dizer, quási matematicamente segura a conquista
de toda a capitania-mór de Angoche, e de toda a do Mossuril...
Diz essa tradição (segundo ouvi a
Romão de Jesus Maria, filho de um dos sertanejos que teve cáfila de criados em
armas a dentro da aringa dos vencedores do Mussá) que os de Angoche depois de virem devastando tudo na sua trajectória,
vieram esbarrar com uma aringa (4) para oeste do Chiperone, quási sobre o
Chire.
Depois de
a atacarem e de gastarem muita pólvora faltou-Ihes a coragem e o ardor para
investirem e escalarem as
palissadas e travarem a luta corpo-a-corpo, à arma branca, como então e, ainda depois, foi costume e
tradição zambeziana e nós vimos ainda praticar pelos cipais.
Assim os
invasores desanimados, iniciaram a sua retirada, saindo da aringa na sua peugada
a alvoroçada guarnição, perseguindo-os sem piedade e inflingindo nas
proximidades da serra Ligura, pelas bandas de oeste do Liciro, uma dura e
sangrenta derrota às hostes desmoralizadas do Mussá-Quanto, matando-lhe muita
gente e obrigando-as a descer pelo Congone e pelas serranias Tonga e lero, já
então mais refeitos e reconstituídos, para o Inhamacurra, pelos prazos Boror e
Tirre, Nameduro, Macuse e Licungo, cujas fracas e desguarnecidas aringas
atacaram, e para o Bajone no Tejungo ou Quisungo, limite das suas
terras.
No seu
percurso o despeito pelo insucesso, o desejo de se vingar mesmo sobre os
inermes, a crueldade natural do chefe Mujôjo levaram-no a assolar e devastar o
país que atravessou, saqueando, matando, e arrastando consigo prisioneiros
indefesos e escravizados, mulheres e crianças...
Entre as
aringas tomadas de surpresa, contaram-se a do Erive (Maganja da Costa), a do
Nepiode e a do Bajone, todas da gente de João Bonifácio Alves da
Silva.
As
autoridades de Quelimane impotentes, nem tempo tiveram para recrutar cipais dos
prazos que pudessem opor àquela tromba invasora, assassina e rapinante, que (5)
Mussá-Quanto capitaneava, e que assim atravessava a salvo, as terras norte do
distrito.
Passavam-se estes factos
notáveis no ano de 1855.
Aí pelos começos do segundo quartel
do século passado, aparecia em Sena um negociante reinol beirão, agenciador e
arrojado, por nome António Silva, que se entregou ao comércio segundo o costume
da época, percorrendo os sertões com caravanas constituídas por carregadores e
cipais, antigos escravos.
Percorreu a Marávia, andou pelos
Mocarangas e Manicas e depois deslocou as suas deambulações mercantis mais para
leste, fazendo quartel general e moradia em Quelimane, e frequentando a Feira
do Ingode no Boror, de onde irradiava com as suas cáfilas pelo Lomué e até aos
Matipuires. Acamaradou e associou-se com o célebre mestiço sertanejo João de
Jesus Maria, pai de Romão de Jesus Maria conhecido arrendatário do prazo Marrai,
que acompanhou o ilustre oficial da Armada Real António Maria Cardoso na sua
viagem ao Lago Niassa, e a quem, como a outros, entre os quais José Militão
Nunes, ouvi o relato de muitas e interessantes ocorrências da Zambézia. Tinha
Silva, pelo menos, dois filhos e uma filha, que todos viveram com o pai em
Quelimane.
Os dois filhos eram de nome João
Bonifácio e Vitorino. A filha casou com um negociante e Senhor de prazo, de apelido Azevedo,
e foi sogra se não erro de José Militão Nunes e de José Pereira de
Carvalho.
Seguiram os rapazes as pisadas do
pai, e, sobretudo, João Bonifácio, o mais velho, que era o chefe da sua casa
comercial, assinalou-se desde novo pelo seu arrojo e tenacidade, e por ter
tomado parte em algumas empresas guerreiras empreendidas na
Zambézia.
Com o tempo João Bonifácio, com o seu
irmão Vitorino Romão, foram arrendatários dos prazos Macuse e Licungo, ainda
quási insubmissos, construindo e fortificando-se em aringas no Morruto, e depois avançando,
atravessando o rio Licungo e seguindo para o Tejungo, Quisungo, ou Muniga, ao
tempo limite fronteiriço do distrito de Quelimane, com as terras dos vassalos
ou dependentes do sultão de Angoche.
Construíram os dois irmãos próximo do
Errive a enorme e celebrada aringa do Maganja da Costa, a maior e mais forte de
quantas existiram em toda a Zambézia; muito maior do que as enormes aringas do
Mungari e de Inhachirondo dos Macombes no Barué; que a de Massangano dos Bongas
ou do Ma tacanha no Massingire.
Aringa tão grande que quando em 1898
a Maganja e o Robe foram batidas e ocupadas por forças do meu comando que
vingaram a morte do 1.° tenente da Armada Semeao de Oliveira, (6) a um canto por assim dizer, acamparam os
6.000 cipais e carregadores da coluna. E havia espaço para três ou quatro vezes
esse número de homens!
Avançando sobre o rio Tejungo ainda
os homens de João Bonifácio construíram por ordem do seu senhor ao L. N. E. da
ilha de Mazemba a aringa do Bajone como sentinela avançada para vigiar as terras
do xeque de Nhaoichiúa vassalo do príncipe dos inhabacos de Angoche.
Foram essas aringas todas colhidas
quási sem defesa, pela horda dos guerreiros do Mussá-Quanto na sua retirada,
saqueadas, e os homens que por lá havia escravizados ou mortos, as mulheres
novas raptadas, as outras mortas.
Deu assim o Quanto entrada em terras
de Angoche, carregado de despojos, deixando pelo seu percurso um rasto de ódios
e rancores, e o desejo da vingança por parte daqueles zambezianos que haviam
sofrido as suas rapinas e extorsões, ou o peso dos seus instintos de ferocidade
e cruel violência.
Entre esses ódios marcavam os de João
Bonifácio, dos seus capitais e cazembes e homens de guerra, que todos tinham a
lamentar e a vingar ultrajes ou graves prejuízos sofridos.
Jurou logo o destemido e escarmentado
sertanejo tomar estrondoso desforço exercendo represálias e vingando gentes
mortas, povoações destruídas, várzeas taladas, raptos e roubos praticados: mas
se era destemido não era menos ponderado e cauteloso.
Resolveu pois atacar e devastar o
sultanato de Angoche apenas quando dispusesse de tais recursos e homens que lhe
dessem a garantia de poder dominar e reduzir à impotência os
mujôjos.
Empresa de tal monta, de resto, nunca
seria intentada sem que o avisado sertanejo obtivesse o explícito assentimento,
se não o auxílio e colaboração das forças do governo, por reduzidas que
fossem.
Durante anos se preparou o pertinaz e
obstinado João Bonifácio fazendo a selecção cuidadosa da sua gente, sendo
recrutados negros para seus cipais entre os afamados e destemidos caçadores do
Absinta e Caia na Zambézia, ou do Alto Marrai e Massingire, que já conheciam e
haviam repelido os mujôjos, como vimos, e pedindo concurso aos outros
arrendatários ou senhores de prazos.
Militarizou a gente da aringa da
Maganja e deu-lhe a curiosa, notável e única organização militar a que me refiro
no meu relatório oficial da Campanha do Barué em 1902 e que se perpetuou
ampliada até 1898. Proveu os lugares de capitão, cazembes, cabos e de canhongos em homens absolutamente
seguros e de valentia a toda a prova.
Organizadas as suas 12 ensacas com
250 homens cada, e ao fim de 6 anos, tinha as suas forças prontas e mais de
metade delas,, isto é, 150 homens por
ensaca, armados de espingarda, as primitivas lazarinas — o que então se vendia
para pretos.
Tinha
João Bonifácio em 1861 os seus preparativos prontos para a expedição punitiva
que à sua custa, note-se, ia
realizar em terras de Angoche.
Em fins
de Junho dá ordens para que no princípio de Agosto estivessem concentrados os
homens de guerra que a deviam constituir, bem como os criados e carregadores que os
devessem acompanhar. Todas as ensacas (7) deviam fornecer gente de modo a
formarem-se quatro ensacas com o número regulamentar de 250 cipais armados
de zagaia e machadinha, e quatro outras ensacas, também cada uma de 250 homens
igualmente com machadinhas, mas levando espingarda (de pederneira).
O comando
de todos os irregulares seria especialmente confiado ao capitão da aringa
grande, Mateus. Os cipais armados de espingarda seriam comandados pelo Cazembe
Mujôjo, homem novo e muito
valente que justamente 30 anos depois já velho mas rijo, serviria comigo na
desesperada luta da Mafunda, no Muira.
Serviriam
de cazembes nas suas quatro ensacas os Dodimuno, Maidonaga, Nipara-Muno e
Niago-Namuali.
O canhongo seria o Cara de Ferro afamado guerreiro do
Marrai que depois se fixou na Maganja e já velho seria o Canhongo Grande da Aringa, isto é, o terceiro personagem
daquela célebre república militar.
Os cipais
armados exclusivamente de arma branca eram capitaneados pelo Cazembe Faustino, e
serviam de cazembes nas quatro ensacas, os cazembes Chibísa, Malagueta, Dabéa e
Mango-Numo. O porta-bandeira era o Mateus filho. O Canhongo-adjunto do Cara de Ferro era o Brandão,
(8)
Em Agosto
estavam os irregulares de Bonifácio reunidos como ele prescrevera, e para dar o carácter oficial à expedição,
juntaram-se-lhe o alferes Lourenço Lançarote com 18 praças do batalhão n.° 2 de
caçadores da África Oriental, então aquartelado em S. Domingos em Quelimane que
acompanhavam duas peças de calibre 3.
Essa
força tinha sido mandada encorporar na expedição a pedido de Bonifácio, pelo
Governador Geral, então capitão Vasco Guedes de Menezes que aprovou o projectado
castigo, por ser de opinião que a situação de Angoche e a atitude de insubmissão
da gente do Sultão era intolerável; opinião que de resto (Teixeira Botelho) era
também a do governo central na metrópole, que chegou a coligir as informações
necessárias para organizar uma expedição europeia que pusesse cobro à
prolongada rebelião.
Em fins
de Agosto finalmente põe-se a força em marcha.
Os
carregadores eram poucos, e só levavam a artilharia, as munições, as balas e
pólvora, além da ligeira bagagem e víveres dos brancos. Os cipais levavam
consigo mantimento para poucos dias, e deveriam depois viver do que desse o
país, e da pilhagem.
A força
era pois constituída, além dos
soldados, por dois mil cipais
seleccionados das ensacas da Maganja e de entre guerreiros experimentados de
outros prazos, metade com espingardas de pederneira, os outros mil só com armas
brancas.
A tropa
ia armada com a «Erifield», arma de carregar pela boca.
Em 1 de
Setembro embocam o Tejungo, a montante da ilha de Mazemba, e próximo da pequena
aringa de Bajone, que estava guarnecida por 200 homens da Maganja e onde ficou o
Vitorino Romão.
Chegam ao
M'lela em boa ordem, e aí começa a resistência que depois se repetiu sempre com
assinalado êxito para o Condo
(9) de Bonifácio.
Ao fim de
dez dias faltaram completamente os mantimentos a-pesar-de, como sempre sucede
com irregulares em guerra, o saque ser livre. Só passados três dias encontram
férteis machambas que,
providencialmente, abundam em víveres para os cipais, os quais, com o estoicismo
dos negros que sofrem jála
(fome) vão apertando gradualmente os cintos...
Finalmente, no dia 25 de
Setembro de 1861, pelas 9 horas da manhã, bivacam as forças de Bonifácio a 5
quilómetros do Vau de Quiloa, ou Kilua que dá comunicação da ilha de Angoche
para o continente.
Destaca
Bonifácio uma ensaca (250 homens), comandada pelo Mateus, para ir ocupar a testa
do vau na terra firme.
Aí se
fortifica Mateus (10) num pequeno sanzôro (11) à moda zambeziana, aguardando com
as suas 250 espingardas a chegada de toda a força, que logo de manhã no dia
seguinte se apresenta toda, junto ao sanzôro.
Tenta-se
a passagem e começa o tiroteio, pouco intenso porque as munições eram escassas e
tinham de seu poupadas; as peças para pouco serviram, dado o péssimo estado dos
seus reparos.
Ainda
assim puderam disparar duas dúzias de tiros em resposta à quási inofensiva
artelharia dos muinhés e à
fusilaria das trincheiras com que estes batiam o vau.
Pelas
três horas, (segundo ouvi contar ao então porta-bandeira Mateus, que em 1891 com
o Mujôjo e o Faustino comandavam os cipais da Maganja que me acompanharam nas
acções de Muira e estiveram no combate da Mafunda (onde o Faustino morreu).
Bonifácio tomou as seguintes disposições que creio serem pouco conhecidas e
denotam o ardor com que ele atacava o inimigo, e a firme resolução em que estava
de o vencer, custasse o que custasse.
Embocam o
vau os cipais armados de zagaia e machadinha, estendendo-se em linha com os
grandes à frente: atrás deles formavam os cipais armados com as espingardas a
quem foram distribuídos 5 (cinco) cargas e balas por cada um.
Ao rufar
dos cinzeles (12) e batuques os
cipais armados com arma branca carregaram e lançaram-se sobre as trincheiras em
que se abrigavam os defensores da ilha.
Os cipais
armados de espingarda tinham ordem de esperar a pé firme, em ordem extensa, e se
vissem os seus camaradas encarregados do assalto fazer menção de oscilar ou de
retroceder, deveriam fazer fogo sobre
eles e atirarem-se então para a frente
contra o inimigo, arrastando consigo os remanescentes da primeira
fila.
Os soldados no sanzôro com uma peça atamancada, defenderiam a pasagem do
vau fosse contra quem fosse, amigos ou inimigos.
João Bonifácio pôs-se à frente dos
seus cipais adiantados, e num impulso cheio de vigor escalou o parapeito a que
se abrigavam os de Angoche, e a-pesar-do seu elevado número (Lupi diz serem
10.000, as minhas informações nada dão de positivo, mas Romão dizia serem mais
de 6.000) desbarata-os completamente, fazendo entre eles grande
mortandade.
Escusado será dizer que a segunda
linha se juntou à primeira, e que o alferes Lançarote com os seus soldados
acompanhou com valor, logo que o entendeu conveniente, a carga dos
nossos.
Prosseguem na sua marcha, e o último
reduto dos inhabacos, Catamoio,
a própria povoação do sultão, defendida também por trincheiras, cai nas mãos
zambezianas.
Dias inteiros se seguem no saque
pelos arredores e interior, ou na perseguição dos inimigos a quem segundo o uso
nas guerras cafreais, não dão quartel...
Numa das últimas escaramuças o João
Bonifácio é morto por um tiro, mas a presença do alferes Lançarote, o prestígio
do Mateus e disciplina das ensacas, e a ânsia do saque fazem com que os cipais
zambezianos continuem a sua missão de castigo e de razia, sem debandarem, ou
pensarem em retirada.
Morto João Bonifácio é mandado logo
recado ao Vitorino Romão que impaciente esperava notícias do irmão na sua aringa
do Bajona e que imediatamente segue levando consigo munições, e acompanhado por
mais 500 cipais, (duas ensacas) comandadas pelos Gadaningombe e
Marango.
Chegado a
Catamoio com a nomeação de capitão-mór e de coronel da 2.a linha que
seu irmão já tivera, dedica-se à pacificação das terras, conseguindo a
apresentação de muita gente e de alguns inhabacos.
Mussá-Quanto que se bateu
valentemente, ferido, foge para a povoação do Xeque de Sancul, na baía do
Mocambo, aí é preso e levado para a fortaleza de S. Sebastião.
O velho
sultão Hassane Issufe, dando ao demo as aventuras guerreiras do ambicioso irmão,
logo que teve notícia da marcha de Bonifácio apressou-se a fretar cinco
pangaios, em que meteu serralho e riquezas, e velejou para Madagáscar onde veio
a morrer, segundo correu, envenenado.
Assim se
fez a primeira conquista de Angoche que com a prisão do Mussá-Quanto e a fuga do
Sultão, pareceu estar definitivamente assegurada.
Ë depois
nomeado comandante militar e capitão-mór de Angoche o capitão Gourgelt para
substituir Vitorino Romão quando este recolheu à Aringa (13) com os cipais do
irmão que, sob o comando do Mateus, haviam feito raids pelas terras dos Munos macúas e
pelas dos Xeques, vassalos do sultão, chegando mesmo ao Mocambo.
O serviço
prestado por João Bonifácio Alves da Silva ao seu país foi relevantíssimo, e
veio pôr termo, por então, a uma situação deprimente como fora a que havia
permitido que os navios e tripulações inglesas interviessem por vezes nas lutas
em terras e portos que, embora do Sultão, eram portugueses, com o objectivo de
fiscalizarem ou de evitarem e porem termo a actos de reconhecida e descarada
escravatura, que nós procurávamos extinguir sem resultado, a-pesar-de nesse
intuito empregarmos esforços reiterados e possíveis.
O nome de
João Bonifácio, como aliás sucede com os de muitos outros heróis da nossa
epopeia ultramarina, de poucos é conhecido, e nunca teve a consagração da
popularidade nem tão pouco a aura que lhe era devida pelo seu sacrifício e pêlos
seus altos serviços.
A sua
acção, infelizmente por não ter sido seguida depois, resultou quási perdida, e
tirado esforços isolados, alguns de valor, só de 1906 a 1910, como dizemos, a
ocupação eficaz de todo o distrito de Moçambique assegurou definitivamente o
nosso domínio no país e designadamente em toda a capitania--mór de
Angoche.
O
Namuali, contudo, não se conformava com a prisão. Mercê de cumplicidade suposta
e criminosa de amigos, e provavelmente de associados nos negócios da
escravatura, conseguiu evadir-se da fortaleza de São Sebastião (1862), onde
estava cativo havia alguns meses (14). Divergem as opiniões sobre qual fosse o
seu destino.
Uns
dão-no como fugindo para Madagáscar, aonde iria buscar armamento e munições para
volver à sua terra e recomeçar uma luta homérica, em que consumiu o resto da
existência.
Outros dão-no como internado no
sertão de Moçambique, mal conseguiu libertar-se do cativeiro em que
jazia.
Seja como for, em Julho de 1862 já um
de seus sobrinhos e um filho trucidam um destacamento de meia dúzia de soldados
que estava a pequena distância do Parapato, e que se defendeu bravamente
enquanto teve munições.
O Governo Geral mandou castigar a
gente de Mussá, por uma força de 640 irregulares saída de Muchelele com duas
peças, nada conseguindo essa força ocupar, mas causando três baixas.
Investe depois o Mussá com o Xeque de
Sangage, que era vassalo do Sultão e que fora submetido pelos cipais da
Zambézia.
Pede o Xeque o nosso auxílio, que é
mandado pelo Governador Geral de Moçambique.
Primeiro vão uns cem cipais por mar,
depois, em princípios de Agosto, segue uma expedição sobre Etagi (entre Kinga e
Sangage), composta de 9 artilheiros com 2 peças e 920 cipais da Zambézia com o
Mateus e 100 macúas de Marrevone, tudo sob o comando do alferes Agostinho
Salvador de Sousa, natural do Ibo, e falava o suahili e dialectos
macúas.
Apresaram dois pangaios e arrazaram o
país, mas a sua principal presa foi a da irmã do Mussá e do sultão
Hassam-Issufo, a bela Mahera
(15), a quem cabia o dever,
de acordo com a lei mussulmana, de assegurar a sucessão no sultanato, e
que estava a bordo de um dos pangaios apresados.
Como resultado do desastre a gente do
Mussá e ele próprio se internaram para as terras do Mugovola, reconhecendo não
poder levar a melhor contra os cipais da Zambézia.
Contudo o atrevimento dos mujojos não
se abate; quando o cutter
«Andorinha;) pretendeu aprisionar um pangaio esclavagista, a gente deste
mata dois marujos.
O Governador Geral, aproveitando a
inimizade do régulo de Sancul contra o Mussá, determina-lhe que vá em socorro do
Xeque de Sangage novamente ameaçado; segue o de Sancul com 1.000 dos seus
homens, muitos armados de espingarda, os quais, com 20 soldados com duas peças,
seguem às ordens do tenente Desidério Guilhermino. Desembarcados dos navios da
estação naval iam 10 marinheiros sob o comando do oficial da armada real
Metzner.
Em 15 e 26 de Janeiro há recontros
próximo do Infusse em Namarrotaminde, com vantagens para os nossos, a-pesar-de
parte da gente ter fugido. Em 29 novo combate na passagem do rio Monapo, quando
a nossa gente fez grande mortandade no inimigo, que é abandonado pelo seu aliado
Mórla-Muno, régulo Imbaméla, que desde então é considerado submetido (em nome).
O Namuali então, como sucede nestes casos com os pretos, declara-se cançado da guerra, manda entregar,
num gesto teatral, a sua espingarda ao capitão-mór do Mossuril, foge para a
Conducia e de Kissimajulo abala num pangaio para Madagáscar, donde em Agosto de
1864 volta com três pangaios com armamento e com gente aportar a Sangage. Vai
submetendo os negros e a sua ousadia chega ao ponto de atacar e fazer abandonar
o seu posto no Parapato a um destacamento de 20 homens que com o seu comandante,
alferes Montenegro, tem que recolher com as suas duas peças para
Muchelele.
Pouco depois, conta Eduardo Lupi, «um
acaso feliz guinda-o a uma notoriedade
europeia que põe em bem crua luz o nosso periclitante domínio. Ë o caso de um
escaler de uma corveta inglesa, onde o tenente Reed anda a reconhecer a barra
de Sangage, vir a cair-lhe nas mãos.
Mussá...
informa por cartão o almirante britânico que conservará em reféns o oficial e
marinheiros até que lhe sejam restituídos os seus parentes (16), aprisionados
pelo alferes Agostinho e pelo Mateus na marcha deste até Etagi, em 1862. Impõe
e obtém. O almirante inglês não desiste de ver solto o seu tenente, exerce
pressão em Moçambique: o governador português cede: a bella Mahera e os
restantes membros da família do novo sultão (17) são levados até Sangage, a
bordo da fragata inglesa.»
Em 1865 é
a região elevada à categoria de distrito, a-pesar-de então a nossa precária
ocupação se limitar à ilha de
Angoche,
pois que só em 1883 tivemos de novo influência no continente e em Sangage.
Embora o decreto mandasse estabelecer a sede do distrito no Parapato esta não
saiu de Naija, realizando-se a mudança apenas em 1881, mas abandonando-se em
compensação o posto militar em Muchelele.
Em 1867
Mussá, tendo trabalhado com inegável pertinácia e inteligência as tríbus dos
Imbamelas e outras, consegue alienar-nos a amizade daquela, que depois da
retirada dos zambezianos era o nosso mais forte apoio.
Dá-se
então um caso singular e lastimoso: um degredado fugido, europeu, de nome Manuel
Luiz Duarte, evade-se para Tinha realizado uma grande e notável obra, e dilatado
para o norte até ao Mojinquale e mesmo Infusse, para o sul até ao Tejungo no
«Pebane, e para o interior até à áspera cordilheira da «Chica», o domínio dos
inhabacos de «Catamoio», de que
foi a mais valorosa e a mais forte encarnação.
Os
pretendentes ao sultanato foram então muitos (sete pelo menos), mas entre todos
se destacava o «Ussene Ibrahimo», sobrinho do Mussá e seu companheiro de lutas,
e o «Sulimane-Bin-Rajá».
Com
aquele estavam os rebeldes e
irrequietos, com este último os que pendiam para a autoridade portuguesa: pode
dizer-se que foi o «Ussene» quem venceu, embora o segundo tivesse alguns
fiéis.
Em 1885
começou a falar-se em «Ussene» por questões de escravatura clandestina no
Infusse e em Sangage, que ele resolve hostilizar; e em 1887 soube-se que
pensava atacar o Parapato com as suas hostes, mas é só em 1888 que se dá o
embate, estando de um lado «Ussene-Ibrahimo» e seu aliados, do outro o xeque de
Sangage e o «Morla-Muno» (18).
O combate
capital e decisivo dá-se em Março em terras de Imbamela (19) quando o sultão
«Ussene-Ibrahimo» perde 600 guerreiros e ele próprio é morto. «Morla» mandou ao
governador a espada, o feitiço e a mão direita do vencido!
Entretanto as dissenções e as
lutas, entre os grandes régulos Imbamelas, agitam e ensanguentam o sertão, e
tendo morrido o «Morla», o seu sucessor, fraco e bêbado, vem exigir-nos
compensações por se haver a sua gente batido contra o
«Ussene-Ibrahimo»!
Os
atentados contra a nossa soberania não cessam. Desde 1890 repetem-se, e então é
um bandoleiro, parente do «Ussene» e seu sucessor, de nome «Mahamuieva»,
conhecido por «Farelay», quem pensa atacar o Parapato, e é ele quem recebe os
nossos soldados a tiro; ataca, incendeia povoações, a dois passos da sede do
distrito, e são aliados seus quem trucida um oficial e brancos nas suas
terras!
Em 1902
morre o «Morla» e, então, começam os conflitos dos nossos com aqueles aliados
tão antigos.
Falemos
agora do Xeque de Sangage que, como vimos, era ameaçado pelo «Ussene-Ibrahimo»,
que não esquecia que o tio, «Mussá-Quanto», fora por ele hostilizado em nosso
proveito. Procurando impedir qualquer ataque e ainda por outros motivos,
resolve o Governador Geral montar aí um posto em 1885, sendo eu, então
guarda-marinha, encarregado de, com uma força de desembarque do «Vouga» e uma
força do batalhão de caçadores 1, de Moçambique, realizar o intento, o que
consegui com felicidade (20).
O
«Farelay» deu-nos que fazer, embora sem ter a envergadura do «Mussá-Quanto» e
longe de ter a sua proverbial valentia. Era inteligente, manhoso e atrevido, e
conhecia bem a inanidade da nossa ocupação em
Angoche, visto que frequentemente ia ao Parapato. Usava dos processos do
«Ussene» bloqueando o Parapato e cobrando pesados impostos de quem, viajantes
ou caravanas, pretendesse atingi-lo vindo do interior, e instalava a sua
residência a 5 quilómetros da vila, e em 1889 veio atacar nas terras do Morrúa,
mesmo às portas do Parapato, a força que o Governador mandara para prender o
«Muapala-Muno».
A situação da vila e dos seus
habitantes é assim tornada extremamente precária, ficando por terra cercados
pela gente do «Farelay» e por mar pela gente da ilha de Angoche, feita com ele.
Depois de um cerco em regra, os habitantes e a força em pânico, sofrem um ataque
às suas posições em 10 de Fevereiro de 1890, e no meio de uma balbúrdia
indescritível, um tiro providencial, matando o chefe de guerra do «Farelay», faz
debandar os assaltantes, que já haviam tomado os nossos postos
exteriores.
Em 24 do mesmo mês repete-se a
tentativa, mas a artilharia do “Tâmega” afugenta a gente do “Farelay”. Este
retira mas, embora em 1 de Novembro de 1890, ele e o seu aliado Mapala, venham
ao Parapato submeter-se, do que se lavrou auto, não deixou de continuar na sua
rapinagem e em breve se torna senhor de grande parte dos antigos domínios do
sultão de Angoche, minando por toda a parte o nosso senhorio e aliando--se com o
«Ibrahimo» que vivia em Angoche, e é filho do «Suliman-Bin-Raja» e pretendente
no sultanato, firmando uma aliança com o célebre «Maravi», o nosso pior inimigo
na região ao norte do Mocambo.
Valem então ao Parapato as frequentes
visitas das canhoneiras, que evitam a repetição dos ataques de 1890. O nosso
reduzido domínio, no entanto, mantinha-se periclitante; assim o sargento-mór,
Manuel Henriques Pereira, é atacado nas terras do Morrúa, aonde fora em serviço,
e em Outubro de 1896 o «Farelay» ataca o Parapato, já então denominado António
Enes (desde 1891), o que só a presença da «Zaire» realmente salva.
O comandante do posto de Morrúa é
forçado a fugir para a vila com o seu pequeno destacamento, abandonando uma
peça.
Em 13 de Dezembro, o «Neves Ferreira», que encalhara no «Calealo», é
rijamente atacado pelos inhabacos
da ilha. Para melhor apreciar o estado de coisas, basta transcrever o
trecho seguinte do relatório de Massano de Amorim, que o transcreve por sua vez
de um relatório de um capitão-mór: — «Quando em 1895 vim para... Angoche não se
podia pôr pé nas ruas da vila, não se saía senão para dentro da tal aringa onde
todos se juntavam à primeira atoarda... O «Farelay»... sentava-se debaixo de
uma mangueira, a 2 quilómetros da vila, mandava chamar ali o governador ou
comandante militar e os principais negociantes a quem recebia no meio do seu
acampamento cheio de gente armada, e dizia com a maior insolência o preço por
que permitia a passagem das caravanas... Subscreviam a Câmara Municipal e os
comerciantes com várias centenas de mil réis e ficavam de saguate sacos de açúcar, latas de
chá, fardos de fazenda, pólvora e armas, até que o salteador se declarasse
satisfeito!» É então (1896) nomeado capitão-mór de Angoche o destemido veterano
tenente Júlio Gonçalves, que faz uma administração enérgica e toma medidas de
ordem militar eficazes, na previsão de operações contra o «Farelay» e o «Morla»,
então nosso inimigo. Em 1893 fora extinto o distrito de Angoche e encorporado
como capitania-mór no distrito de Moçambique, cujo governo foi entregue, em
1897, ao ilustre Eduardo Ferreira da Costa, que fora o chefe do Estado Maior das
tropas operando contra o Gungunhana, o qual mandou tomar providências eficazes
para o robustecimento da nossa autoridade, seguindo para os rios de Angoche a
lancha-canhoneira «Marracuene», comandada pelo jovem guarda-marinha Eduardo
Lupi, que logo, e ao depois quando capitão-mór, de Julho de 1903 a Dezembro de
1905, ali prestou relevantes serviços. A guarnição fraca e diminuta foi
substituída por uma companhia de guerra e uma secção de polícia, ao todo uns 200
homens.
Então, em terras do Imbamela, o
tenente Almeida, secretário da Capitania-mór, era morto por gente do «Guernéa»
ou «Cornêa-Muno».
Eduardo Costa propunha a seguir, e
Mousinho adoptava, um projecto, para em momento oportuno se realizar a conquista
e ocupação de Angoche, e castigo dos eternos rebeldes, mas circunstâncias
supervenientes e do domínio público obstaram à sua realização.
Mousinho de Albuquerque, o ilustre
Comissário Régio de Moçambique, depois da sua célebre campanha dos namarrais, a
que sucederia a acção valorosa dos governadores do distrito de Moçambique,
Eduardo Costa e Alfredo Baptista Coelho, e depois de ter sufocado o último
espasmo de revolta dos vátuas em Macontene, derrotando e matando o seu chefe de
guerra «Maguiguana», chegou a mandar que se iniciassem os preparativos para
levar a cabo a ocupação de Angoche.
Deveria realizá-la em 1898 quando a
sua demissão fez suspender e completamente inutilizar a execução do seu
plano.
Davam-se, porém, então ocorrências na
vasta região do distrito de Quelimane
(21) limítrofe, pelo sul, da capitania-mór de Angoche, que determinaram a
constituição de uma forte coluna de tropa e de cipais dos prazos com que eu,
então governador da Zambézia, bati e ocupei toda a Maganja da Costa e terras dos
régulos seus vassalos, atingindo o Tejungo onde debalde estive esperando a ordem
que havia solicitado para invadir o sul do distrito de Moçambique, e repetir,
ampliando-a, a façanha de Bonifácio, com muito maiores probabilidades de êxito,
visto os magníficos elementos de que dispunha e o prestígio de que as forças do
meu comando estavam aureoladas (22).
A sua
reputação tinha tal retumbância, visto haverem vencido os célebres cipais da
Maganja, os famosos vencedores do «Mussá-Quanto» e dos inhabacos de Angoche em
1861 que, sertão fora, através Sangage, Kinga, Moginquale, Infusse e Quivolane,
Sancul até ao Mossuril e Cabaceira e Namarrais, se espalhou, com pavor dos
eternos rebeldes dessas regiões e da Macuana, que os meus marinheiros e
soldados, com os cipais de Sena, do Marrai, do Guengue e da Maganja, tinham
invadido o distrito de Moçambique e, a ferro e fogo, iam, em marchas de
triunfantes vencedores, seguindo em caminho à Matibane...
E tão insistentes foram os boatos e
tantas e tão seguras
informações atingiram o palácio de S. Paulo, que o Comissário Régio, meu
amigo, como era, e a quem só devi atenções, provas de estima e concessão de
galardões que nunca pensei merecer, e que remuneraram mais do que generosamente
os modestos serviços que dentro da minha esfera de acção procurei prestar,
chegou a convencer-se de que realmente, eu no entusiasmo e no calor do sucesso
alcançado na Maganja, excedera os poderes do meu cargo, ultrapassara os limites
do meu distrito, e invadindo o distrito de Moçambique, levara adiante de mim a
gente do Catamoio e as hostes do sultão e dos seus xeques e munos
(23).
Mandou-me
então uma nota confidencial, como ele sabia mandar, quando os seus subalternos
se excediam ou não cumpriam...
Aires de
Orneias, seu chefe de Estado Maior, a custo fez expedir essa nota, que atenuava
com uma carta de amigo, como ele era...
Entretanto, a minha solicitação
para passar o Tejungo e varrer
os mujôjos de Angoche, demorada por falta de transportes ou outras
razões, chegava às mãos do Comissário Régio, que imediatamente me escreveu
lamentando o sucedido, e dizendo-me umas boas palavras, entre as quais um “agora assobia-lhe às bóias” que
diziam tudo. Eu esperara uns quinze dias a almejada ordem no limite do distrito
em Bajone, mas, não podendo alimentar os meus 6.000 homens, retirei — e «assobiei às botas» como Mousinho
dizia (carta de Mousinho emprestada à Agência Geral das Colónias por mim) — mas
infelizmente estava perdida a ocasião única, que então se apresentava, de bater
Angoche e dominar e ocupar o distrito de Moçambique com pequeno dispêndio
relativamente, e por uma forma eficaz, evitando-se novas campanhas.
Com a saída de Mousinho e dos seus
auxiliares, tudo quanto dizia respeito à ocupação de Moçambique e de Angoche,
pouco menos que paralisou: não porque não fossem empregados alguns louváveis
esforços para conservar e mesmo ampliar o que se havia feito, mas os recursos
militares eram reduzidos e o que se não dera a Mousinho menos seria dado a outro
governador geral, por distinto que fosse, mas que não gozava do seu enorme
prestígio no país, e que se não abalançaria a encetar dadas operações de guerra,
então menos bem vistas pelas autoridades no ministério da Marinha e
Ultramar.
No entanto, em 1899, sendo governador
do distrito o capitão de fragata Marques da Costa, restabeleceram-se, sem que a
sua influência irradiasse, contudo, para além deles, os postos de M'chelele,
Quiloa e o de Morna.
Em 1902 renovam-se boatos de que o
tráfico da escravatura recrudescera nas barras e rios da capitania.
Há logo uma pertinaz e brilhante
acção da marinha de guerra e dos seus
navios na costa do distrito, mas, tudo confirma e demonstra, o precário ou
inexistente domínio português nas terras do interior e litoral.
Planeou-se então montar treze postos,
mas ficariam todos na costa e, como diz Eduardo Lupi, «a ocupação da costa foi
levada a um grau exageradíssimo», não se curou da do interior. Tudo era fraco e
mal planeado... e não se executou. E é o ano em que o «Farelay», em boas
relações com todos os Imbanelas», depois da morte do velho «Morla-Muno», vem a
M'luli fazer-se aclamar sultão...
Em princípios de Dezembro desse ano vai o capitão-mór com uma força do
comando de um alferes, disposto a instalar um posto em «Boila», que o engenheiro
Pais de Almeida e depois quatro oficiais haviam reconhecido como de alta
vaníagem ocupar-se. Atacado e desfeiteado pelas forças de alguns régulos macúas
tem que retirar sempre debaixo de fogo, custando a fazer o embarque para o
Parapato, e perdendo uma peça e... até uma espada de oficial...
(Lupi).
A este desastre, de larga repercussão
e de efeitos danosos, pelas correrias de inimigos a que deu azo, segue-se o
assassinato do infeliz engenheiro Pais de Almeida e do seu sócio, antigo
sargento Pita Simões, em terras de «Mugovola», sendo mortos à zagaiada por gente
do «Cobula-Muno». Dada a gravidade da situação, é nomeado interinamente
capitão-mór o destemido tenente José Augusto da Cunha.
Era preciso vingar afrontas e
desaires, embora os recursos não fossem muitos: começa então, em Maio de 1903,
uma acção brilhante e eficaz daquele valoroso oficial (que tive a honra de
iniciar nos serviços do mato e de campanha) na Zambézia.
Com uma coluna de cento e cinquenta
soldados, duas peças e bastantes auxiliares, arraza a povoação do régulo de
«Boila» ou «Buela», atacando e queimando, debaixo de fusilaria, a povoação do
«Farelay». Sustenta fogo várias vezes, o que nos causa alguns feridos, e muitas
baixas ao inimigo, construindo a fortificação em «Boila», que ficou guarnecida
por oitenta homens. Desembarcou então dos navios de guerra que estavam em
António Enes uma força de marinhagem.
Poder-se-ia ter tirado partido desse
importante reforço e do efeito moral produzido pêlos combates travados para
ocupar o Larde e a região próxima, mas ordens superiores, fazendo retirar os
navios, impediram que isso se fizesse. Seguem-se vários actos de represálias,
alguns talvez exagerados, que obrigaram o sultão «Ibrahimo» a fugir da ilha de
Angoche e a refugiar-se no Continente, onde engrossou o número dos rebeldes
activos. O «Farelay», porém, nem se temeu nem acreditou na eficácia da nossa
acção.
Tomando Eduardo Lupi posse da
capitania-mór, soube que ele voltara à sua povoação que reconstruirá.
Recomeçam as depredações, os
assaltos, os atentados, insultos e desrespeitos. Procurando pôr cobro aos
enxovalhes e rebeldias, Lupi organizou uma pequena coluna de tropas com
artilharia que concentrou em Morna, e castigou Margepe, efectuando prisões e
atacando e batendo Namapui, e vários outros «Munos» insubmissos e rebeldes e
impondo-lhes multas, depois de vários combates e escaramuças, em que sempre
alcançou êxito.
Entre os régulos castigados,
figuraram o Corropa e seus subordinados, depois do que a coluna regressou a
Morna. A «Chaimite» cooperou eficazmente na parte das operações realizadas no
litoral. Entretanto o “Farelay» e outros régulos, na ausência do capitão-mór e
da sua força, pretendem atacar o Parapato, seguindo contra ele uma coluna do
comando do tenente Cunha, que os repele, prosseguindo depois o capitão--mór, com
autorização do governador, na perseguição das gentes aliadas do «Farelay»,
estabelecendo combate várias vezes e sempre castigando o inimigo.
Até princípios de 1906 (M. de Amorim) não houve propósitos de realizar
ocupação: foi em princípio desse ano que o Governador Geral (João de Azevedo
Coutinho) que havia saído de Lisboa em 1905, com a firme intenção de liquidar o
vergonhoso e deprimente estado de rebeldia e insubmissão dos povos do distrito
de Moçambique principalmente da Capitania-mór de Angoche, onde o assassínio de
um oficial e mais dois brancos (tenente Almeida, engenheiro Pais de Almeida e
sargento Pita Simões) estava ainda por castigar, tendo escolhido para governador
do distrito o arrojado Massano de Amorim prático nas campanhas africanas isto é,
tendo encontrado o homem preciso,
resolveu em uma conferência havida em Lourenço Marques que se dominasse a
parte (grandíssima parte) insubmissa do distrito, e se realizasse a sua
ocupação efectiva e eficaz.
Rendido no seu posto, mais tarde,
quando ministro da Marinha e Ultramar, fez acabar de cumprir o programa e plano
estabelecido para Angoche, por uma força comandada pelo mesmo governador do
distrito, Massano de Amorim.
Nunca até então descançara o Farelay,
repetindo desacatos e insultos, rapinas e ataques.
Muito se falava em 1905 na Província de
Moçambique nos processos de penetração e ocupação preconizados inicialmente por
Mousinho, como a melhor forma de impor a submissão aos rebeldes do distrito do
norte. Dado, porém, um conhecimento mais aprofundado do carácter e hábitos dos
indígenas daquelas regiões, dos seus usos e sistemas de combate, pareceu
conveniente aos presentes à referida conferência, modificar esse projecto,
tanto mais que" era conhecida a opinião concordante dos dois ilustres oficiais
de Estado-Maior e insignes coloniais Tomaz António Garcia Rosado, que fora
governador geral interino da Província, e Eduardo Ferreira da Costa, que fora
governador do distrito de Moçambique, e ferido no combate de Calaputí, quando
andava empenhado na sua ocupação.
Depois da saída de Mousinho algumas vezes se pensara nessa ocupação,
porém nunca se realizou, possivelmente por falta de recursos, e também porque
para dirigir operações dessa natureza tornava-se indispensável um homem muito
especial, dotado de qualidades de inteligência, decisão e valor, com grande
prática dos tão diferenciados processos de guerra africana.
É necessário lembrar de facto que os
combates no norte da província se não revestiam aquele carácter impressionante e
imponente dos ataques em meia lua,
em que a disciplina do fogo e uma firme coragem resolviam a crise em
minutos, ou em poucos quartos de hora, decidindo-se e derimindo-se a questão entre os nossos disciplinados
e corajosos soldados, e os não menos valorosos mas ingénuos vátuas e landins que
nos carregavam a peito descoberto e em massa profunda, de relativamente fácil
destruição pelas armas modernas — assumiam, contudo, carácter de grande
dificuldade e perigo, porquanto a guerra de ciladas e de emboscadas, ou os ardis
de guerra, eram de temer. De resto haviam eles já sido bem experimentados em
todas as acções e mesmo nos desastres em antigos combates contra os namarrais e
matibanes, nos combates da Mugenga e do Calaputi em tempos recentes, como na
guerra de embuscadas e das aringas na Zambézia, nos tempos ominosos dos Bongas e
de Massangano, dos Macololos no Chire; da revolta do Massingire, da Maganja da
Costa, Barué e outras.
Quando o Governador Geral João de A. Coutinho assentou definitivamente no
projecto de ocupar o distrito de Moçambique, era governador local uma excelente
pessoa, mas que pela sua idade e temperamento era incapaz de realizar o esforço
preciso e dispender as energias necessárias para dar execução ao plano.
Recorreu, então, como ficou dito, ao capitão de artilharia Pedro Massano de
Amorim, de cujas qualidades de coragem e inteligência estava bem seguro, e que
havia servido às suas ordens na Zambézia como comandante militar superior de
Tete, e como comandante da artilharia na campanha de 1897 na Zambézia, e de 1898
na Maganja da Costa, e fê-lo nomear governador do distrito de
Moçambique.
Chegado este a Lourenço Marques
chamou-o o Governador Geral a conferência conjunta com o chefe de Estado-Maior o
ilustre e experimentado colonial capitão de artilharia Alfredo Baptista
Coelho, que tinha governado Moçambique no tempo de Mousinho e conhecia
admiravelmente o que era necessário fazer; o Governador da Zambézia, o distinto
primeiro tenente da Armada Ernesto Vilhena, para se assentar na forma de
realizar a ocupação dos dois distritos, ficando resolvido que a penetração em
territórios insubmissos ou rebeldes se fizesse por linhas perpendiculares à costa com colunas
suficientemente fortes, mas dotadas da precisa mobilidade. O sul do distrito de
Moçambique deveria, se preciso fosse, ser invadido por colunas com núcleos de
força regular, de cipais zambezianos, operando em conjunção com as colunas que o
governador de Moçambique haveria de mobilizar, visto que o Governador Geral
a-pesar dos seus desejos não podia por exigência de serviço ir pessoalmente
tomar o comando das forças que entravam em operações.
A campanha seria levada a cabo como
se acordou, com as forças existentes na província, reputadas suficientes, e que
seriam comandadas por alguns oficiais dotados de real valor, veteranos das
últimas campanhas e por outros embora novos, mas cheios de aquele desejo de
servir que assegura sempre o êxito honroso.
Tratou-se no entanto de completar os
efectivos das companhias indígenas com elementos recrutados entre os negros de
raças guereiras, e preencheram-se os quadros de oficiais e sargentos com
elementos idos da Metrópole, fazendo-se concentrar em Moçambique armamento e
munições, gado, artilharia, etc.
Para facilitar os serviços da
campanha e a execução desta organização das forças, etc., foi o limite norte do
distrito da Zambézia, que era o Tejungo ou Muniga, levado provisoriamente para
o norte, para o curso do
Ligonha.
Rendido o Governador Geral Coutinho,
em princípios de 1907, o ilustre colonial Freire de Andrade adoptou o seu modo
de ver, e o plano de ocupação escolhido.
No seu relatório sobre a ocupação de
Angoche diz Massano de Amorim: “Para castigar os crimes e torpezas, rebeldias e
dislates do gentio do Larde e M'luli, Mugovola e Imbamella era necessário, era
indispensável e urgente, proceder à ocupação de Angoche”... e mais: «A breve notícia histórica da região de
Angoche mostra de sobejo a necessidade instante que havia de inflingir um severo castigo aos rebeldes do Larde e
M'luli, da Imbamella e Mogovola e aos partidários do Farelay, que demoravam na
Selege, M'lay e Muicanha (Capitania-mór de Angoche).
“Os roubos e depredações frequentes
de toda esta gente, os crimes que se traduziam por assassinatos de europeus que
se aventuravam pelas terás do Imbamella e do Mugovola, e dos nossos cipais que
passavam próximo às povoações do Ibrahimo, as guerras Constantes... o arrojo de
trazerem aquelas guerras dentro mesmo da vila do Parapato, o desaforo do Farelay
a dois quilómetros de António Ennes, lançando um imposto aos comerciantes... as
ameaças deprimentes feitas aos capitãis-móres e as resposta atrevidas dadas por
alguns dos chefes às intimações e ordens dimanadas das autoridades militares,
tudo isso exigia uma severa repressão, e um exemplar castigo... A dúvida e
desconfiança dos naturais a respeito da nossa autoridade mais se
acentuava...
«Não bastava, porém, uma manifestação
de força, momentânea como já se fizera uma ou outra vez... Era necessário que
a acção das nossas tropas no interior,
sobretudo nos pontos que se haviam tornado os principais focos de rebelião se
manifestasse, não só castigando as faltas e crimes praticados de há muitos anos
para cá, mas que se exercesse demorada e persistente, tornando efectiva a
ocupação militar como ponto de partida para a instalação de um determinado
regime administrativo.»
Outra
razão de peso existia para que a ocupação de Angoche se completasse e fosse
levada a cabo logo que a sua conquista se assegurasse.
A
realização do plano estabelecido em 2 de Maio de 1906 em Lourenço Marques, sobre
o qual haviam sido dadas ordens verbais, na ocasião, ao respectivo governador do
distrito, confirmadas por escrito em 16 de Julho, foi logo iniciada, e em
grande parte levada a cabo, nesse ano, e no seguinte. A parte do distrito da
Zambézia que faltava ocupar, foi-o sem dificuldade, pelo ilustre oficial de
marinha Vieira da Fonseca e os territórios das capitanias-mores do norte de
Moçambique também.
Entre
essas zonas, dominadas e ocupadas efectivamente ficavam encravadas, rebeldes e
insubmissas na sua quási totalidade, como temos visto, as populações da
capitania-mór de Angoche.
O plano
primitivo sofreu contudo algumas alterações. Levado a cabo na sua primeira
parte (24) a segunda e a mais difícil decerto, só se realizou em 1909 e 1910.
Era a que respeitava a Angoche.
Os
trabalhos preparatórios para a ocupação de Angoche haviam sido iniciados por
Massano de Amorim e seus auxiliares, logo à chegada a Moçambique em Maio de
1906, montando-se os serviços de informações, etc., e o estudo da documentação
encontrada nos arquivos respeitantes ao país desde «Sangage» ao
«Ligonha».
As
capitanias-mores da «Macuane» e do “Mossuril», porém, houveram de ser submetidas
e ocupadas primeiro, e as coisas entraram em estagnamento quando Massano de
Amorim foi chamado a Lisboa para prestar provas para o posto imediato, embora
ele tomasse disposições para que na sua ausência se fossem adoptando medidas que
facilitassem uma acção futura na Capitania-mór de Angoche se ela fosse
resolvida.
Freire de
Andrade adoptava como seu o plano que eu e os meus colaboradores em 1906
havíamos delineado, e, como já disse, quando fui ministro da Marinha e Ultramar
dei novo impulso à sua execução, resolvendo que as operações do distrito
continuassem então em Angoche.
Massano,
ao partir para Lisboa, deixara recomendado o reconhecimento do Ligonha, mas no
seu regresso à África (diz ele no seu relatório) foi encontrar grande parte dos
trabalhos de Cunha e Casqueiro (25) com respeito ao «Morla-Muno», grande do
Imbamela, perdidos, e o «Morla» retraído e metido com o «Guernéa» que fora seu e
nosso figadal inimigo.
Depois de eficazes trabalhos do tenente
Falcão foi pessoalmente Massano a Angoche e conseguiu chamar à ordem aquele
poderoso chefe. Por essa ocasião (Novembro de 1908) já muito se falava na guerra, e o governador requisitava para
desempenhar o cargo de capitão-mór o tenente Dâmaso Marques, veterano que
contava larga permanência na província e que servira com distinção nas campanhas
de 98 e no Barne em 1902, e a quem dava instruções para construir uma linha
telegráfica e estrada entre António Ennes e vários postos.
Essas instruções eram dadas prevendo
a acção combinada de seis colunas, sendo duas de cipais da Zambézia e quatro
partindo do mar ou convergindo das regiões ocupadas de Moçambique.
O projecto foi alterado, como se
verá. Devido sobretudo à actividade incansável de Dâmaso Marques coadjuvado por
Falcão, montaram-se dois postos, o de Mocugone, depois o de Mernezeze,
construído pelo capitão Silva Leal, comandante da 6.ª companhia indígena,
enquanto o alferes S. Bicho Ruivo reconhecia o Ligonha até
Moguiquisa.
Como acima dissemos, o governador do
distrito pensava empregar seis colunas de tropas na pacificação de
Angoche.
O governador geral comunicou esse projecto ao ministro (26), que, dadas
várias dificuldades de ordem política, lhe recomendou, em telegrama, que
executasse o plano de ocupação sem grandes aparatos guerreiros, que se não
coadunavam com os recursos existentes e pareciam exagerados, (Massano de Amorim,
Relatório da ocupação de Angoche)
o que, dada a amizade, estima e consideração que havia do ministro para
com Massano, este interpretou e executou como devia. De resto, os recursos
militares do distrito não poderiam ser aumentados de modo a constituir 6 colunas bastante fortes e
independentes. No entanto, as forças disponíveis da província deviam ser todas
mandadas para Moçambique, e não poderia contar com o envio de forças da
metrópole. Isso mesmo se dera já a quando da expedição ao Barué (1902),
realizada com as forças que havia na província e mais uns 8o marinheiros da
Armada, desembarcados dos navios de guerra, e o próprio Massano reconhecia,
pois disse no seu relatório, «a impossibilidade que reconheci em fazer seguir a
ocupação pelo Ligonha e pelo M'luli, como acordara em Lourenço Marques,
simultaneamente com a penetração a norte da Chinga, manifestei-a logo em ofício
de 6 de Agosto de 1906 ao Governador Geral. (27)
“A falta
de tropas com que sempre lutei, não permitia distrair para o sul os necessários
efectivos... e a natureza guerreira dos povos rebeldes exigia que esses
efectivos fossem de molde a mantê-los em respeito», (28) E no seu ofício de 8 de
Agosto de 1908, ao Governador Geral: «Já agora me parece conveniente levar o
resto da ocupação até à fronteira oeste do distrito sem forças em som de
guerra... — outro tanto não digo dos Inhamelas, e estou certo que será preciso
ir ali com forças organizadas para bater os chefes rebeldes».
Passou então, em vista de recomendação do
ministro, a preparar duas colunas apenas (visto não contar com as duas
zambezianas), em vez de seis, que realmente representariam um enfraquecimento de efectivos de todas, e alcançou o
objectivo desejado, evidenciando-se assim que o ministro se não enganara nem na
plena confiança que depositava no comandante das forças, nem tão pouco em
preferir o plano em que se realizava uma maior concentração da força nas duas
colunas, que assim operaram com um sucesso completo. Essas colunas, que passaram
a ser organizadas, tinham em vista efectivar o nosso domínio, criando os
necessários postos militares depois de dominar os insubmissos e rebeldes,
castigando os chefes com todo o rigor, procurar abrir os caminhos do sertão para
os portos do sul do distrito.
Uma dessas colunas seriam comandada
pelo próprio governador do distrito, e partindo do posto militar do Liúpo
operaria na região entre a linha Moginquale-Corrane e Boila ou Buela, e
procuraria castigar a gente do Farelay nas terras de Selego e M'lay, depois o
régulo Cobula-Muno em Mugovola, e trataria de estabelecer postos militares na
linha de Boila-Murrupula.
A 2.ª coluna, que seria
comandada pelo veterano e capitão-mór de Angoche, tenente Dâmaso Augusto
Marques, teria como objectivo o castigo dos rebeldes até ao Guarnea e Larde, a
ocupação do Imbamela e do Matadane, inflectindo depois para o vale do Ligonia ou
Ligonha, onde montaria postos a partir do existente em Morna. Devia esta coluna
operar em completo entendimento com a do governador do distrito.
Determinou este que em Boila e Liúpo,
no Parapato e Mo-ginquale, fossem construídos barracões para formarem centros de
abastecimento, tendo sido o ferro, madeira e outros materiais transportados por
mar, de Moçambique.
O efectivo das forças das colunas
eram respectivamente: 1ª coluna, uma bateria de 7 c. de 4 peças, 20 cavaleiros,
duas companhias de infantaria indígena,
os correspondentes serviços administrativos e de saúde, o que perfazia uns 450
homens de força regular: acompanhariam a coluna cerca de 1.000 cipais de vários
xeques e régulos fiéis, e faziam-lhe serviço uns 1.500
carregadores.
Os
efectivos da 2." coluna seriam: uma secção de artilharia, infantaria, serviços
administrativos e de saúde, em força de 220 homens, e mais 1.000 cipais e uns
600 carregadores.
Tinha-se
pensado, como se assentara em 1906, em utilizar os cipais da Zambézia, e diz
Massano no seu já citado relatório: “...Mas o emprego dos cipais queria-o eu
como o tinha visto (29) sempre fazer, e como o fizera já; com um núcleo de
tropas regulares, para não exorbitarem na vitória, ou não comprometerem
gravemente situações em probabilidade de derrota».
Desejava-os no número de 3.000
com um núcleo de força regular operando nas proximidades de Môma, Niango até
Macogone.
Não foi
possível, porém, utilizar os cipais, por dificuldades surgidas no distrito da
Zambézia. (citado relatório,
página 210).
As
tropas, destinadas
à campanha de Angoche, iam armadas de «Kropatcheks», os cipais com as
«Sneyder»: para aquelas havia 400 tiros por arma, e para estas 100. As bocas de
fogo iam municiadas com 50 cartuchos cada; mas havia mais no depósito de
material de guerra na cidade de Moçambique.
Massano
de Amorim, que era, incontestavelmente, um destemido chefe, embora exigente
porque também tudo de si exigia, arrancava do Liúpo para Napaniondo em 13 de
Junho de 1910, fazendo percorrer às suas tropas esses 32 quilómetros sem
novidade.
Bivacando, começou a apresentação de
régulos, e alguns como o Napaniondo, Malisira Múcüra, apresentaram-se com os
seus homens armados, uns 150, para prestarem serviço na coluna. O comandante
procura tomar informações sobre o Farelay e seu paradeiro, conseguindo
obtê-las.
Em 15 de Junho continuou a coluna a
sua marcha, atingindo Mutuguti, nas terras de Mahiva, sendo o final do
percurso feito debaixo de pesada chuva.
Continuou a apresentação de régulos e
soube-se que os aliados, ou amigos do Farelay, se conservavam na
espectativa.
Encarregado em 16 o bravo e
incansável capitão-mór da Macuana, tenente Neutel de Abreu, de seguir com 5
europeus mais, três sargentos, um cabo e o chefe de Ampoense, com os cipais e
irregulares, em número de 1.570, a talar e bater os régulos rebeldes Naurame e
Uarica, conseguiu o destemido capitão-mór fazê-lo com
o maior êxito, travando, junto das povoações dos rebeldes, um combate de que
Neutel dizia: «Descrever um combate desta natureza torna-se difícil... porque se
a defrontar-se connosco temos um inimigo selvagem, a acompanhar-nos há um
pessoal bem pouco conhecedor da disciplina». O inimigo sofreu muitas baixas e
alguns prisioneiros se fizeram, custando a poupá-los, por terem morrido dois
cipais que haviam bebido água propositadamente envenenada pêlos
rebeldes.
Em 18 partiu a coluna para o posto de
Boila, continuando a apresentação dos régulos em grande número.
Nesse dia adoeceu gravemente, com pneumonia, o capitão--mór do Mossuril e
comandante da infantaria, capitão José Augusto da Cunha, vendo-se o comandante
assim privado de um colaborador precioso pelo seu valor e pelo seu conhecimento
da capitania-mór, onde já prestara serviços relevantes, como os prestara na Zambézia, em campanha que tive a
honra de dirigir.
A acção
do comandante do posto de Môma pelo vale do Ligonha, no entretanto, fazia-se
sentir eficazmente, pois avassalara régulos no interior até em frente do posto
do Alto Ligonha, no distrito da Zambézia, e até
Murrupula, envolvendo assim os
rebeldes pela rectaguarda.
De Boila,
a coluna seguiu a 20 com destino a Nampata, bivacando nesse dia em Chilabasse, e
em 21 no rio Luazi, e em 22 em Namezeze, marcha difícil pela má qualidade do
caminho, de mato e de ravinas, terrenos lodosos e ribeiros que se atravessavam
com custo.
Havia
notícia de que os régulos rebeldes tinham a sua gente reunida perto, e de facto,
depois das tropas bivacarem próximo de Nampoto, no rio Nateze, onde o mato era
menos denso, foi o quadrado formado pela tropa atacado pela gente do Cobula e
outros régulos mugovolas seus
aliados, e que já haviam atacado um reconhecimento em força dirigido por Neutel.
Atingiu o fogo grande violência, portando-se a nossa gente sempre com firmeza
(30), o que não impediu que a gente do Mugovola repetisse os seus ataques aos
irregulares que desafrontavam o quadrado.
No dia 24
pretendeu o comandante atingir as pedras do Nampoto, repetindo-se os ataques à
força por seis vezes, com grandes baixas para o inimigo, e tendo nós 12
feridos, dos quais um sargento branco e os outros praças indígenas, cipais e
auxiliares. Em 25, um destacamento mandado reconhecer as pedras, foi atacado
frouxamente, mas pronunciou-se novo ataque contra as forças do quadrado no dia
26, havendo um branco ferido e mais nove negros, soldados e auxiliares, e tendo
o inimigo muitas baixas, entre as quais as de alguns grandes, sendo um deles o sobrinho e
herdeiro do Cobula.
A apresentação dos régulos
acentuou-se desde esse dia mais numerosa, e a coluna, pode dizer-se, que daí por
diante não encontrou mais resistência. Em 28 estiveram os auxiliares e a gente
dos régulos apresentados abrindo caminhos para ligar pontos importantes com o
posto fortificado que ali ficou montado, e em que se instalou o comando militar
da Mugovola, em que foi investido o capitão Leal, que muito se distinguira
durante as operações.
Em 29 seguia a coluna para Maca, e em
30 chegava ao rio ATluli, onde perto daquela povoação foi construído um posto, e
mandado construir depois outro em Mamitil, seguindo depois para as terras de
Murreheria e de Calipo, onde foi montado mais outro posto e estabelecida
comunicação com Murrupula pelos auxiliares de Neutel.
Em 19 de Julho estava a coluna de
regresso a Boila, sendo desarticulada para uma parte dos seus efectivos ir
reforçar a 2.ª coluna, do comando de Dâmaso Marques.
Já dissemos que este oficial,
inteligente e decidido, com larga permanência em África, era um elemento de
grande valor, o que Massano de Amorim reconhecia, dando-lhe o comando da coluna
que, com a do seu próprio comando, devia cooperar no avassalamento e submissão
dos rebeldes de Angoche.
Iniciou a 2.ª coluna as operações no
mesmo dia em que o fazia a
primeira, mas a morosidade na apresentação dos irregulares fez demorar a sua
acção. Só no dia 30 de Junho conseguia, depois de nos dias anteriores se terem
apresentado
Em 28, apresenta-se um dos mais
fortes e importantes rebeldes — o Guernéa, que seria desterrado com o Ibrahimo.
No dia 1 de Agosto mandou o capitão-mór gente do Parapato e Etite capturar o
Ibrahimo, por lhe constar onde ele estava refugiado, e assim, foi preso um dos
mais temíveis auxiliares do Farelay, o sultão Ibrahimo do M'luli, inhabaco de Angoche, mas o mais
célebre, temido e atrevido rebelde, o Farelay, que se considerava sultão de
Angoche, refugiara-se para o sul, nos limites quási do distrito e da
capitania-mór.
Repelido de povoação em povoação e de
terras em terras, o activo comandante do posto de Môma, o alferes Bicho Ruivo,
mandou-o prender por uma pequena força, que lhe deitou a mão e o levou ao posto.
Foi depois deportado para a Guiné. Em Setembro foi preso o Muhogo, que mandara
assassinar o tenente Fonseca e Almeida em 1897 e era apreendida a peça de 7 cm.
que fora abandonada em Boila, quando se tentava a primeira instalação do posto.
O Muhogo era mais temido na Imbamela do que o próprio Guernéa. Foram as terras
pertencentes ao Ibrahimo e ao Guernéa divididas pêlos régulos e xeques fiéis,
ficando sob o mando do Morla-Muno e do Etite--Muno a maior parte
delas.
Em resumo: em cinco meses, Massano de
Amorim e os oficiais seus auxiliares fizeram construir quási 500 quilómetros de
estrada, muitos dos quais em terras até então insubmissas, ficando em construção
mais cerca de 200 quilómetros, devendo notar-se que essa construção foi
realizada por pretos até então insubmissos.
As terras do Farelay, Selege e Narrica ficaram imediatamente
pagando imposto de palhota, iniciando-se logo o recenseamento das palhotas na
região da capitania-mór,
As nossas tropas percorreram 450
quilómetros por caminhos (relatório de Massano de Amorim) nunca dantes
percorridos por tropas do governo, sustentaram oito combates, mais ou menos
renhidos, com os rebeldes, instalaram-se 10 postos fortificados; recebeu-se a
apresentação de inúmeros chefes, fizeram-se prisioneiros os chefes principais e
os mais temidos: Farelay, Ibrahimo, Guernéa, Muhogo e o Muhova. Abriram-se
francamente as portas ao comércio do Parapato, vingaram-se as mortes do
engenheiro Pais de Almeida, dos oficiais e praças que serviram às suas ordens.
Diz o governador, e nós com ele: «Valentes e destemidos nos combates,
resistentes e sofredores nas marchas e desconforto dos bivaques, bem mereceram
da Pátria”. Nós acrescentaremos que o elogio deve ser muito singularmente
tornado extensivo ao chefe, que pelo seu provado valor, inteligência e
resistência física, obteve com os nossos valorosos soldados de Portugal os
magníficos e brilhantes resultados que para a província de Moçambique e para a
Nação trouxe esta segunda e última conquista de Angoche.
(1) Das obras
destes distintos escritores são tirados muitos e importantes elementos desta
narrativa.
(2) Não entraremos
aqui em detalhes sobre as famílias nobres em que se filiam os mujôjos de
Angoche, descendentes de árabes puros, o que se encontra proficientemente
descrito no livro «Angoche» de Eduardo Lupi. As três casas de «inhabacos»
(nobres) são: a de inhaitide, a
de m'bilimi e de inhamilala. A do inhamandare era a do herdeiro do
sultão Xósa, que estava cm Angoche (?)
quando Vasco da Gama aportou a Moçambique.
(3) Massano de Amorim — Relatório da ocupação
de Angoche.
(4) Escritores de
probidade e envergadura dos Generais Massano de Amorim e Teixeira Botelho
falaram em terras do país dos macololos, como tendo sido o teatro
do desastre de Mussá. Há equívoco: a derrota deu-se em 1855 época em que os
macololos não existiam no Chlre para onde foram mandados pelo governador de Tete
só em princípios de 1865.
(5) Mussá-Quanto tinha então o nome de guerra
de «Namuali».
(6) Dos soldados que com ele foram mortos e ainda
outros ultrajes.
(7) Batalhão ou companhia de cipais comandados
pelo cazembe.
(8) Brandão
foi depois cazembe.
(9) Condo, em linguagem de Sena, tropa de
guerra.
(10) O Mateus
ao contrário do
que muitos afirmam era filho
de uni mulato e de uma canarlna, e não
filho de canarim e preta.
(11) Sanzôro, pequena aringa para proteger gente em ocupação provisória do
lugar em que é
construída.
(12) Batuque pequeno especial, usado em
guerra.
(13) A aringa da Mnganja da Costa (Errive)
a última que subsistiu na Baixa
Zambézia era em toda ela conhecida entre os pretos, pela «aringa».
(14)
As autoridades que em meados
do século passado guerrearam a escravatura (Carlos Roma Machado) eram muitas
vezes chamadas a Portugal, quando não falsamente acusados de delitos,
assassinados ou envenenados, tal era a maçonaria dos negreiros... (Ofício de 4
de Janeiro de 1842 assinado por A. Pinto de Magalhãis, secretário do
governo).
(15) A prisão de
Mahera deu-se então, segundo Eduardo Lupi. Segundo outras informações dignas de
crédito a prisão dera-se anteriormente. A Mahera já então não era nova e tinha
filhos homens.
(16) Entre os quais a irmã, a Mahera que se
dizia ter sido linda.
(17) Mussá
fizera-se proclamar sultão
por o herdeiro
legítimo do Hassam-Issufo, se
ter feito com os portugueses.
(18) Morla,
designação porque são conhecidos todos os chefes de uma grande tribu, Macúas
Imbamélas.
(19) Em 1886 estive
cercado no Infusse numa aringa que fizera construir, com o alferes Lopes
Pereira e quatro marinheiros da guarnição do hiate «Tungue» que eu comandava,
vinte soldados e alguma gente do xeque Âbdúla; repelimos depois de três dias de
cerco, a gente do Ussene e do xeque deposto «Chêa Sualé», seu
aliado.
(20) David Rodrigues
— Ocupação de Moçambique; Massano
(21) O distrito de
Quelimane limitava até 1906 com o de Moçambique no Tejungo: nesse ano motivos de
ordem política fizeram que o então Governador Geral de Moçambique fixasse o
limite comum no rio Ligonha.
(22) Ver o relatório de Massano de Amorim sobre a
ocupação de Angoche.
(23)
Possuo curiosa correspondência a
este respeito.
(24) A ocupação do
norte do distrito de Moçambique foi uma acção brilhante do inteligente e
valoroso Massano de Amorim e dos seus cooperadores entre os quais havia homens
do valor de Gomes da Costa, José Augusto da Cunha, Neutel, Dâmaso Marques e
outros.
(25) Actual governador do Niassa, oficial
enérgico e valoroso que serviu comigo no Barué e depois.
(26) Era eu então
ministro da Marinha e Ultramar; conhecedor da província, e tendo sido eu próprio
quem chamara Massano para fazer a ocupação de Moçambique, não oscilei em
indicar-lhe o que devia fazer, e que obteve o resultado desejado.
(27) Pouco tempo
antes de eu deixar o Governo Geral de Moçambique e embarcar para a
Europa.
(28) As forças totais
de que o governador dispunha eram, além do pessoal dos comandos e serviços
auxiliares, duas baterias de 4 peças cada, de 7 centímetros, duas peças
«Hotchkiss», um pelotão de cavalaria, cinco companhias no seu máximo efectivo,
além de um corpo de cipais (200) e de 5.000 irregulares (chegaram a ser
10.000).
(29) Campanhas da Zambézia 1897 e
1898
(30) Os
pretos de Moçambique bem
comandados como eram então, e têm sido
noutras ocasiões, dão óptimos soldados, como se sabe.
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