06.11.2012 - 20:01 Por Kathleen Gomes, em Washington
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(Foto: Emmanuel Dunand/AFP)
Tem tudo para dar certo e é por isso que imprensa americana e a classe política insistem que ele é o rival inevitável de Barack Obama nas eleições de Novembro. Há quem diga que se tem todas as qualidades que os republicanos gostariam de ver num Presidente, faltam-lhe os atributos que procuram num candidato. Até os críticos concedem que "parece presidencial". Mas ninguém sabe quais são as suas convicções. Pura ambição pessoal? Um chamamento edipiano? Até para os seus biógrafos, Romney é "um muro, uma couraça, uma máscara". Texto publicado na 2 a 8 de Abril de 2012
Se um dia a ciência desenvolvesse um robô para executar as tarefas do Presidente dos Estados Unidos, o resultado seria Mitt Romney. Mitt Romney não é um Frankenstein: ele parece um actor a quem Hollywood telefonaria sempre que precisasse de alguém para fazer de Presidente.
É um homem atraente, atlético, com um cabelo impecavelmente preto (excepto nas têmporas) para os seus 65 anos; o cabelo, aliás, já ganhou vida própria: foi tema de primeira página no New York Times em Novembro, onde o barbeiro de Romney garantiu que o seu cliente não pinta o cabelo.
Até os críticos de Romney concedem que ele "parece presidencial".
A sua família não podia ser mais fotogénica - um casamento de 42 anos, cinco filhos varões que parecem versões mais jovens do pai, 16 netos -, como se tivesse sido programada por uma agência de casting.
Não, a sério: se Mitt Romney não existisse, só podia ser invenção. É filho de um anterior candidato presidencial, George Romney, e o peso das dinastias já foi demonstrado na política americana com dois presidentes Bush. Além disso, os eleitores gostam de candidatos que esperam a sua vez: como Ronald Reagan, George Bush I e Richard Nixon antes dele, Mitt Romney já tinha concorrido à Casa Branca, há quatro anos, mas não sobreviveu ao processo das primárias e John McCain ganhou a nomeação do Partido Republicano.
Romney, 65 anos, é um homem bem-sucedido e rico, com uma vida pessoal aparentemente imaculada. A probabilidade de um escândalo moral parece galacticamente remota. Não porque tenha reclamado para si o papel de moralizador da América nesta campanha republicana ele não é Rick Santorum mas porque parece a emanação de uma era pré-Mad Men. Um escândalo associado a Romney? Teria provavelmente a ver com o seu magnífico cabelo.
Resumindo: Mitt Romney tem tudo para dar certo e é por isso que desde o Verão passado imprensa americana e classe política insistem que ele é o candidato republicano inevitável, a Némesis de Barack Obama nas eleições de Novembro.
Muitos jornalistas, incluindo estrangeiros, tiveram um primeiro vislumbre de Mitt Romney em campanha na noite de 2 de Janeiro, véspera do caucus no Iowa. O local não era um salão como aquele onde Romney haveria de falar para um público-alvo diferente, mais urbano e endinheirado na manhã seguinte, nem um dos muitos parques de estacionamento onde o seu autocarro de campanha viria a fazer aparições-relâmpago, como uma flash mob mas sem a mob (multidão).
Não, o pano de fundo naquela noite foi um armazém com maquinaria pesada na periferia de Des Moines, o tipo de small business que é tão popular na retórica política americana, a começar por Barack Obama. Numa economia industrializada em crise de identidade, aqui estava um postal com uma mensagem implícita: "Isto é a América. Nós fazemos coisas." O lugar perfeito.
Havia uma massa de gente expectante olhando na direcção de onde Romney iria emergir depois de meia hora de espera, e uma excitação no ar como se todos, habitantes do Iowa e jornalistas, estivessem a pensar "This is it". O tiro de partida das primárias republicanas. 3, 2, 1.
Mitt Romney percorreu a passerelle, apresentou a família e começou a discursar. Os aplausos foram tímidos, com muito silêncio no meio.
Num evento político as multidões costumam ser ruidosas, mas não aqui. O orador falava do Irão e da China numa América rural e isolacionista.
As críticas a Obama suscitaram as maiores reacções, quase pavlovianas, do público. Muitas das pessoas ali queriam ser convencidas, mas o candidato discursava sem paixão. Romney parecia estar obedientemente a executar funções para as quais tinha sido programado. Esqueçam a ideia de robô feito à imagem e semelhança de Romney.
Aqui estava um humano a fazer de robô.
"Amo a nossa música patriótica. Existe um hino, America the Beautiful. Um dos versos diz..." Ou: "Amo a beleza deste país, amo as pessoas deste país, amo os heróis deste país." Toda a gente espera bajulação de um candidato faz parte das regras do jogo mas Romney parecia dirigir-se ao seu eleitorado como se ele tivesse cinco anos de idade. De evento em evento repetiu o mesmo discurso, cumprindo o guião. O seu humor é bizarro, como num filme dos irmãos Coen. Magnetismo? Zero. Nas breves interacções com "o povo", o que sobressai é a sua falta de naturalidade, o seu desconforto, como se Romney fosse de Marte e os eleitores de Vénus.Romney pode ter todas as qualidades que os republicanos gostariam de ver num Presidente, mas nenhum dos atributos que buscam num candidato, notou Frank Luntz, um consultor republicano. Numa campanha que tem sido marcada por personagens bombásticas, Mitt Romney é o seu item menos interessante. Na era do Tea Party, um candidato disciplinado e qualificado não faz elevar a pulsação da base eleitoral republicana.
Uma biografia escrita por dois jornalistas do Boston Globe, The Real Romney, e publicada em Janeiro, nem sequer atingiu o top 500 de bestsellers na Amazon: os americanos não demonstraram muito interesse no livro apesar de o seu protagonista poder vir a ser o próximo Presidente dos Estados Unidos.
A sua equipa espera que o sentimento anti-Obama seja suficiente para mobilizar o eleitorado a seu favor, independentemente das limitações de Romney. Do Ohio à Florida, americanos conservadores garantem que votariam em qualquer um em qualquer coisa antes de votar em Barack Obama. E o resto da América? Depois do seu desapontamento com um presidente cool, talvez estivesse pronta para algo completamente diferente.
"Oiço constantemente dizer que as pessoas acham-no rígido ou inacessível. Isso surpreende-me.
Não há um tipo mais interessante do que ele para passar uma noite. Se jantasse com ele, ia achá-lo bastante envolvente e interessante", diz-nos Howard Brownstein, colega de Romney em Harvard, onde os dois estudaram Gestão e Direito na primeira metade da década de 1970.
Existem duas escolas de pensamento sobre Romney. Uma diz que o Mitt Romney que é visível é uma construção, e que o verdadeiro Mitt Romney está submerso, longe do escrutínio público. Ninguém sabe quais são as suas convicções ou o que faz mover a sua candidatura presidencial. Pura ambição pessoal? Um chamamento edipiano (carregar a tocha dos Romney para a Casa Branca, completando o périplo que o pai George não conseguiu)? Até os autores da biografia The Real Romney descrevem Mitt da seguinte forma: "Um muro. Uma couraça. Uma máscara." Mas a outra escola de pensamento defende que Mitt Romney é exactamente aquilo que se vê.
Se Romney vier a ser o candidato oficial do Partido Republicano às presidenciais, como parece inevitável, ele será o primeiro mórmon a fazê-lo (o seu pai, George, não conseguiu a nomeação). Estará a América pronta para um presidente mórmon? Isso ainda não foi provado num país onde apenas 2% da população partilha a religião de Romney e 22% dos americanos dizem que não votariam num mórmon (só um Presidente muçulmano ou ateísta suscita mais resistência). A campanha de Romney tem apostado em manter qualquer referência à sua religião bem longe. É uma estratégia de contenção que tem funcionado até agora: nenhum rival republicano e nenhum jornalista questionaram Mitt Romney sobre o seu mormonismo, antecipando que isso poderia ser interpretado como um sinal de intolerância religiosa.
"Mitt Romney não quer enfatizar o facto de que é mórmon porque, como vimos nalgumas sondagens à saída das urnas, existe um segmento da base republicana que não gosta de mórmones", diz Matthew Bowman, professor de religião no Hampden-Sydney College, na Virgínia, referindo-se aos protestantes evangélicos que compõem a direita ultra-religiosa. Dito isso, os mórmones não têm o hábito de falar de doutrina, diz Bowman, ele próprio um mórmon e autor de um livro recente sobre a história desta religião, The Mormon People: The Making of an American Faith. "Quando se é mórmon, o mais importante não é tanto um conjunto de crenças ortodoxas mas a prática participar na vida da igreja, não beber álcool, abster-se do sexo pré-matrimonial, coisas desse género." Howard Brownstein lembra-se de jogar basquetebol nos seus tempos de estudante em Harvard na igreja mórmon local porque tinha um ginásio.A maioria dos jogadores eram mórmones.
"Alguns deles eram muito bons. Muito melhores do que eu", ri Brownstein. "Eles tinham um jogo duro, não hesitavam em derrubar um tipo, mas a seguir ajudavam-nos sempre a levantar. Muita da doutrina mórmon era visível na forma como agiam. O Mitt nunca foi um moralizador.
Ele podia estar na presença de pessoas que faziam coisas que ele não fazia dizer asneiras, beber, fumar, nunca o vi indignar-se ou algo do género. Lembro-me de que uma vez ele contou uma anedota mórmon!" Mitt Romney pertence a uma família com pergaminhos na história do mormonismo (um dos seus tetravôs, Parley Pratt, está ligado à sua fundação); foi missionário em França durante dois anos (onde foi um observador distante do Maio de 68, como mais tarde viria a ser dos protestos anti-Vietname que iriam incendiar os campus universitários); foi o líder religioso de uma congregação local de Massachusetts, o equivalente a um bispo; e é um generoso contribuinte para os cofres da Igreja.
Ao recusar falar da sua religião, Romney está a esconder uma parte importante e estruturante do que ele é dos eleitores, dizem os analistas políticos que exigem ver "o verdadeiro Romney".
Mas e se Romney não fala da sua religião precisamente porque isso não faz parte da natureza dos mórmons, uma comunidade que há um século era alvo de perseguição? Matthew Bowman admite que os mórmons têm tendência para serem "insulares". "Numa sondagem do Pew Institute divulgada há um par de meses cerca de dois terços dos mórmones dizem que a maioria ou todos os seus amigos também são mórmones. E quando se é, como Romney foi, o líder de uma congregação, isso significa que, pelo menos durante cinco anos, essa pessoa chega a casa do trabalho e dedica três horas por dia em assuntos ligados à Igreja.
Isso torna-se a sua vida." Se Romney vier a ser o próximo Presidente americano, isso será um triunfo para a comunidade mórmon. Mas, se perder, será difícil calcular até que ponto a sua identifi cação religiosa contribuiu para isso (a menos que se torne num tema durante a eleição geral). Romney tem outras vulnerabilidades como candidato.
Entre 2003 e 2007, foi governador de Massachusetts, um bastião democrata visceralmente detestado pelos conservadores (um sulista americano, membro activo do Tea Party, confessounos recentemente que o Massachusetts daria "um bom alvo nuclear"). Num ano em que os eleitores republicanos exigem pureza ideológica, o facto de ter governado um estado democrata suscita desconfiança. Os seus adversários de partido usam o termo "moderado" para descrever Romney como se isso fosse um insulto.
Sem grande êxito, Romney tem procurado contornar o problema assumindo posições conservadoras, por vezes ainda mais à direita dos seus rivais, como no tema da imigração. Em Fevereiro, no seu discurso diante do CPAC, a convenção anual de conservadores em Washington, repetiu a palavra "conservador" ou uma sua variação 24 vezes. Num daqueles momentos de improvisação que costumam intrigar a assistência, disse ser "severamente conservador".Enquanto governador do Massachusetts, Mitt Romney promoveu e conseguiu aprovar uma reforma do sistema de saúde que obriga todos os cidadãos a terem seguro de saúde. A medida serviu de modelo à reforma do sistema de saúde nacional levada a cabo por Obama em 2010, tornada anátema do eleitorado republicano.
Romney diz que as duas reformas são diferentes sem explicar muito bem porquê ou em quê e promete anular a lei de Obama no seu primeiro dia como Presidente.
Ao longo da sua carreira política, Romney já defendeu uma coisa e o seu contrário em relação a tantos assuntos - homossexualidade, aborto, imigração, alterações climáticas, etc. - que a imagem de candidato flip-flopper (vira-casaca) colou-se irremediavelmente a ele.
Nas suas campanhas no Massachusetts, primeiro como candidato ao Senado em 1994 contra Ted Kennedy (que ganhou), depois como governador, apresentou-se como um moderado, com ideias progressistas [de esquerda]. Os eleitores naquele estado receavam que fosse um ideólogo republicano vestido de moderado, da mesma maneira que os eleitores das primárias republicanas hoje temem o oposto. Como David Brooks, um republicano, escreveu na sua coluna no New York Times em Fevereiro: "Mesmo que não fosse candidato a Presidente, Rick Santorum estaria a dizer as mesmas coisas que diz hoje. Poucas pessoas pensam o mesmo de Mitt Romney." "Ele é um relativista e não um ideólogo", resume Howard Brownstein. "Ele tem-se esforçado tanto para ser aceite pelos conservadores ideológicos mas ele simplesmente não é um deles. É um tecnocrata", diz Matthew Bowman. Romney foi um homem de negócios no sector privado muito antes de tentar uma carreira política. E, mesmo quando decidiu envolver-se na política, trouxe o seu pragmatismo de businessman e aplicou a mesma abordagem analítica na resolução dos problemas. Ele não toma decisões com base em preconceitos ou dogmas ideológicos, mas com base em dados, informação. A solução ideal é aquela que demonstrar maior eficiência.
Ninguém se cansa de dizer que a economia vai ser o factor decisivo nestas eleições, um timing perfeito para vender o businessman Romney como o homem-providência. "Eu vou pôr a América a funcionar de novo", promete o candidato.
Romney gosta de dizer que os seus 25 anos de experiência "no sector privado" ajudaram a criar "milhares de empregos". O que é uma mensagem atraente numa América em crise de confiança e desemprego acima da normalidade.
Mas o seu passado como administrador de uma lucrativa sociedade de capitais de risco, Bain Capital, suscitou dúvidas, não louvores, quando esteve no centro da campanha republicana, em Janeiro. A imprensa demonstrou que o tipo de negócios levados a cabo pela Bain Capital levou ao despedimento colectivo de trabalhadores das empresas em que investiu e conduziu outras à falência depois de extrair lucros generosos.
Até os seus rivais republicanos, como Rick Perry e Newt Gingrich, acusaram Romney de praticar um "capitalismo predador".
Mitt Romney é um dos homens mais ricos de sempre a candidatar-se à Casa Branca, com uma fortuna pessoal de 250 milhões de dólares e contas na Suíça. Ele gastou 42 milhões dessa mesma fortuna na sua anterior campanha - uma prova considerável da sua ambição presidencial.
Ser rico sempre foi encarado como uma versão ainda mais doce do "sonho americano", mas, em tempos de asfixia económica, a classe média americana iria certamente querer ver sinais de que o Presidente Romney sabe o que é ser como eles. O candidato dispensou o fato de executivo e a gravata e o seu uniforme na campanha passou a ser bem classe média: jeans GAP. Fez questão que o mundo soubesse que é um homem habituado a poupar: nunca viaja em primeira classe; joga golfe, mas com tacos comprados no supermercado Kmart; recentemente, quando se hospedaram num hotel de cinco estrelas em Washington, ele e a mulher Ann compraram pequeno-almoço no McDonald's porque o menu no hotel era muito caro.Provavelmente, era uma inevitabilidade que os milhões de Romney acabassem por se tornar num tema quente da campanha quando uma maioria de republicanos e independentes concorda com os democratas sobre a existência de "fortes conflitos" entre os ricos e os pobres na América. Mas Romney, ele próprio, tem sido desastrado, pondo em evidência o grande golfo que separa as suas circunstâncias das dos eleitores.
Por onde começar? A aposta de 10 mil dólares que propôs a Rick Perry durante um debate, sem pestanejar? O comentário de que os 374 mil dólares que recebeu de honorários como orador em 2011 - bem mais do que os rendimentos médios anuais de uma família americana - não "é muito"? A afirmação, numa entrevista à CNN, de que não está "preocupado com os muito pobres"? A referência ao facto de a mulher Ann guiar "um par de Cadillacs"? A declaração de que ele, produto de uma família privilegiada e de escolas exclusivas, "viveu nas ruas da América real"? Estes episódios foram mais do que gaffes. Eles deixaram a impressão de que Romney é a última encarnação de Maria Antonieta.
Recentemente, uma sondagem da NBC e do Wall Street Journal pediu a eleitores das primárias republicanas que indicassem o que menos gostavam no candidato Romney. Entre seis respostas possíveis, a frase "ele é demasiado rico e não consegue ter empatia pelo cidadão médio" ficou em segundo lugar, logo a seguir a "ele é evasivo em relação aos assuntos". No fundo da lista? "As suas crenças mórmones não são convencionais."
É um homem atraente, atlético, com um cabelo impecavelmente preto (excepto nas têmporas) para os seus 65 anos; o cabelo, aliás, já ganhou vida própria: foi tema de primeira página no New York Times em Novembro, onde o barbeiro de Romney garantiu que o seu cliente não pinta o cabelo.
Até os críticos de Romney concedem que ele "parece presidencial".
A sua família não podia ser mais fotogénica - um casamento de 42 anos, cinco filhos varões que parecem versões mais jovens do pai, 16 netos -, como se tivesse sido programada por uma agência de casting.
Não, a sério: se Mitt Romney não existisse, só podia ser invenção. É filho de um anterior candidato presidencial, George Romney, e o peso das dinastias já foi demonstrado na política americana com dois presidentes Bush. Além disso, os eleitores gostam de candidatos que esperam a sua vez: como Ronald Reagan, George Bush I e Richard Nixon antes dele, Mitt Romney já tinha concorrido à Casa Branca, há quatro anos, mas não sobreviveu ao processo das primárias e John McCain ganhou a nomeação do Partido Republicano.
Romney, 65 anos, é um homem bem-sucedido e rico, com uma vida pessoal aparentemente imaculada. A probabilidade de um escândalo moral parece galacticamente remota. Não porque tenha reclamado para si o papel de moralizador da América nesta campanha republicana ele não é Rick Santorum mas porque parece a emanação de uma era pré-Mad Men. Um escândalo associado a Romney? Teria provavelmente a ver com o seu magnífico cabelo.
Resumindo: Mitt Romney tem tudo para dar certo e é por isso que desde o Verão passado imprensa americana e classe política insistem que ele é o candidato republicano inevitável, a Némesis de Barack Obama nas eleições de Novembro.
Muitos jornalistas, incluindo estrangeiros, tiveram um primeiro vislumbre de Mitt Romney em campanha na noite de 2 de Janeiro, véspera do caucus no Iowa. O local não era um salão como aquele onde Romney haveria de falar para um público-alvo diferente, mais urbano e endinheirado na manhã seguinte, nem um dos muitos parques de estacionamento onde o seu autocarro de campanha viria a fazer aparições-relâmpago, como uma flash mob mas sem a mob (multidão).
Não, o pano de fundo naquela noite foi um armazém com maquinaria pesada na periferia de Des Moines, o tipo de small business que é tão popular na retórica política americana, a começar por Barack Obama. Numa economia industrializada em crise de identidade, aqui estava um postal com uma mensagem implícita: "Isto é a América. Nós fazemos coisas." O lugar perfeito.
Havia uma massa de gente expectante olhando na direcção de onde Romney iria emergir depois de meia hora de espera, e uma excitação no ar como se todos, habitantes do Iowa e jornalistas, estivessem a pensar "This is it". O tiro de partida das primárias republicanas. 3, 2, 1.
Mitt Romney percorreu a passerelle, apresentou a família e começou a discursar. Os aplausos foram tímidos, com muito silêncio no meio.
Num evento político as multidões costumam ser ruidosas, mas não aqui. O orador falava do Irão e da China numa América rural e isolacionista.
As críticas a Obama suscitaram as maiores reacções, quase pavlovianas, do público. Muitas das pessoas ali queriam ser convencidas, mas o candidato discursava sem paixão. Romney parecia estar obedientemente a executar funções para as quais tinha sido programado. Esqueçam a ideia de robô feito à imagem e semelhança de Romney.
Aqui estava um humano a fazer de robô.
"Amo a nossa música patriótica. Existe um hino, America the Beautiful. Um dos versos diz..." Ou: "Amo a beleza deste país, amo as pessoas deste país, amo os heróis deste país." Toda a gente espera bajulação de um candidato faz parte das regras do jogo mas Romney parecia dirigir-se ao seu eleitorado como se ele tivesse cinco anos de idade. De evento em evento repetiu o mesmo discurso, cumprindo o guião. O seu humor é bizarro, como num filme dos irmãos Coen. Magnetismo? Zero. Nas breves interacções com "o povo", o que sobressai é a sua falta de naturalidade, o seu desconforto, como se Romney fosse de Marte e os eleitores de Vénus.Romney pode ter todas as qualidades que os republicanos gostariam de ver num Presidente, mas nenhum dos atributos que buscam num candidato, notou Frank Luntz, um consultor republicano. Numa campanha que tem sido marcada por personagens bombásticas, Mitt Romney é o seu item menos interessante. Na era do Tea Party, um candidato disciplinado e qualificado não faz elevar a pulsação da base eleitoral republicana.
Uma biografia escrita por dois jornalistas do Boston Globe, The Real Romney, e publicada em Janeiro, nem sequer atingiu o top 500 de bestsellers na Amazon: os americanos não demonstraram muito interesse no livro apesar de o seu protagonista poder vir a ser o próximo Presidente dos Estados Unidos.
A sua equipa espera que o sentimento anti-Obama seja suficiente para mobilizar o eleitorado a seu favor, independentemente das limitações de Romney. Do Ohio à Florida, americanos conservadores garantem que votariam em qualquer um em qualquer coisa antes de votar em Barack Obama. E o resto da América? Depois do seu desapontamento com um presidente cool, talvez estivesse pronta para algo completamente diferente.
"Oiço constantemente dizer que as pessoas acham-no rígido ou inacessível. Isso surpreende-me.
Não há um tipo mais interessante do que ele para passar uma noite. Se jantasse com ele, ia achá-lo bastante envolvente e interessante", diz-nos Howard Brownstein, colega de Romney em Harvard, onde os dois estudaram Gestão e Direito na primeira metade da década de 1970.
Existem duas escolas de pensamento sobre Romney. Uma diz que o Mitt Romney que é visível é uma construção, e que o verdadeiro Mitt Romney está submerso, longe do escrutínio público. Ninguém sabe quais são as suas convicções ou o que faz mover a sua candidatura presidencial. Pura ambição pessoal? Um chamamento edipiano (carregar a tocha dos Romney para a Casa Branca, completando o périplo que o pai George não conseguiu)? Até os autores da biografia The Real Romney descrevem Mitt da seguinte forma: "Um muro. Uma couraça. Uma máscara." Mas a outra escola de pensamento defende que Mitt Romney é exactamente aquilo que se vê.
Se Romney vier a ser o candidato oficial do Partido Republicano às presidenciais, como parece inevitável, ele será o primeiro mórmon a fazê-lo (o seu pai, George, não conseguiu a nomeação). Estará a América pronta para um presidente mórmon? Isso ainda não foi provado num país onde apenas 2% da população partilha a religião de Romney e 22% dos americanos dizem que não votariam num mórmon (só um Presidente muçulmano ou ateísta suscita mais resistência). A campanha de Romney tem apostado em manter qualquer referência à sua religião bem longe. É uma estratégia de contenção que tem funcionado até agora: nenhum rival republicano e nenhum jornalista questionaram Mitt Romney sobre o seu mormonismo, antecipando que isso poderia ser interpretado como um sinal de intolerância religiosa.
"Mitt Romney não quer enfatizar o facto de que é mórmon porque, como vimos nalgumas sondagens à saída das urnas, existe um segmento da base republicana que não gosta de mórmones", diz Matthew Bowman, professor de religião no Hampden-Sydney College, na Virgínia, referindo-se aos protestantes evangélicos que compõem a direita ultra-religiosa. Dito isso, os mórmones não têm o hábito de falar de doutrina, diz Bowman, ele próprio um mórmon e autor de um livro recente sobre a história desta religião, The Mormon People: The Making of an American Faith. "Quando se é mórmon, o mais importante não é tanto um conjunto de crenças ortodoxas mas a prática participar na vida da igreja, não beber álcool, abster-se do sexo pré-matrimonial, coisas desse género." Howard Brownstein lembra-se de jogar basquetebol nos seus tempos de estudante em Harvard na igreja mórmon local porque tinha um ginásio.A maioria dos jogadores eram mórmones.
"Alguns deles eram muito bons. Muito melhores do que eu", ri Brownstein. "Eles tinham um jogo duro, não hesitavam em derrubar um tipo, mas a seguir ajudavam-nos sempre a levantar. Muita da doutrina mórmon era visível na forma como agiam. O Mitt nunca foi um moralizador.
Ele podia estar na presença de pessoas que faziam coisas que ele não fazia dizer asneiras, beber, fumar, nunca o vi indignar-se ou algo do género. Lembro-me de que uma vez ele contou uma anedota mórmon!" Mitt Romney pertence a uma família com pergaminhos na história do mormonismo (um dos seus tetravôs, Parley Pratt, está ligado à sua fundação); foi missionário em França durante dois anos (onde foi um observador distante do Maio de 68, como mais tarde viria a ser dos protestos anti-Vietname que iriam incendiar os campus universitários); foi o líder religioso de uma congregação local de Massachusetts, o equivalente a um bispo; e é um generoso contribuinte para os cofres da Igreja.
Ao recusar falar da sua religião, Romney está a esconder uma parte importante e estruturante do que ele é dos eleitores, dizem os analistas políticos que exigem ver "o verdadeiro Romney".
Mas e se Romney não fala da sua religião precisamente porque isso não faz parte da natureza dos mórmons, uma comunidade que há um século era alvo de perseguição? Matthew Bowman admite que os mórmons têm tendência para serem "insulares". "Numa sondagem do Pew Institute divulgada há um par de meses cerca de dois terços dos mórmones dizem que a maioria ou todos os seus amigos também são mórmones. E quando se é, como Romney foi, o líder de uma congregação, isso significa que, pelo menos durante cinco anos, essa pessoa chega a casa do trabalho e dedica três horas por dia em assuntos ligados à Igreja.
Isso torna-se a sua vida." Se Romney vier a ser o próximo Presidente americano, isso será um triunfo para a comunidade mórmon. Mas, se perder, será difícil calcular até que ponto a sua identifi cação religiosa contribuiu para isso (a menos que se torne num tema durante a eleição geral). Romney tem outras vulnerabilidades como candidato.
Entre 2003 e 2007, foi governador de Massachusetts, um bastião democrata visceralmente detestado pelos conservadores (um sulista americano, membro activo do Tea Party, confessounos recentemente que o Massachusetts daria "um bom alvo nuclear"). Num ano em que os eleitores republicanos exigem pureza ideológica, o facto de ter governado um estado democrata suscita desconfiança. Os seus adversários de partido usam o termo "moderado" para descrever Romney como se isso fosse um insulto.
Sem grande êxito, Romney tem procurado contornar o problema assumindo posições conservadoras, por vezes ainda mais à direita dos seus rivais, como no tema da imigração. Em Fevereiro, no seu discurso diante do CPAC, a convenção anual de conservadores em Washington, repetiu a palavra "conservador" ou uma sua variação 24 vezes. Num daqueles momentos de improvisação que costumam intrigar a assistência, disse ser "severamente conservador".Enquanto governador do Massachusetts, Mitt Romney promoveu e conseguiu aprovar uma reforma do sistema de saúde que obriga todos os cidadãos a terem seguro de saúde. A medida serviu de modelo à reforma do sistema de saúde nacional levada a cabo por Obama em 2010, tornada anátema do eleitorado republicano.
Romney diz que as duas reformas são diferentes sem explicar muito bem porquê ou em quê e promete anular a lei de Obama no seu primeiro dia como Presidente.
Ao longo da sua carreira política, Romney já defendeu uma coisa e o seu contrário em relação a tantos assuntos - homossexualidade, aborto, imigração, alterações climáticas, etc. - que a imagem de candidato flip-flopper (vira-casaca) colou-se irremediavelmente a ele.
Nas suas campanhas no Massachusetts, primeiro como candidato ao Senado em 1994 contra Ted Kennedy (que ganhou), depois como governador, apresentou-se como um moderado, com ideias progressistas [de esquerda]. Os eleitores naquele estado receavam que fosse um ideólogo republicano vestido de moderado, da mesma maneira que os eleitores das primárias republicanas hoje temem o oposto. Como David Brooks, um republicano, escreveu na sua coluna no New York Times em Fevereiro: "Mesmo que não fosse candidato a Presidente, Rick Santorum estaria a dizer as mesmas coisas que diz hoje. Poucas pessoas pensam o mesmo de Mitt Romney." "Ele é um relativista e não um ideólogo", resume Howard Brownstein. "Ele tem-se esforçado tanto para ser aceite pelos conservadores ideológicos mas ele simplesmente não é um deles. É um tecnocrata", diz Matthew Bowman. Romney foi um homem de negócios no sector privado muito antes de tentar uma carreira política. E, mesmo quando decidiu envolver-se na política, trouxe o seu pragmatismo de businessman e aplicou a mesma abordagem analítica na resolução dos problemas. Ele não toma decisões com base em preconceitos ou dogmas ideológicos, mas com base em dados, informação. A solução ideal é aquela que demonstrar maior eficiência.
Ninguém se cansa de dizer que a economia vai ser o factor decisivo nestas eleições, um timing perfeito para vender o businessman Romney como o homem-providência. "Eu vou pôr a América a funcionar de novo", promete o candidato.
Romney gosta de dizer que os seus 25 anos de experiência "no sector privado" ajudaram a criar "milhares de empregos". O que é uma mensagem atraente numa América em crise de confiança e desemprego acima da normalidade.
Mas o seu passado como administrador de uma lucrativa sociedade de capitais de risco, Bain Capital, suscitou dúvidas, não louvores, quando esteve no centro da campanha republicana, em Janeiro. A imprensa demonstrou que o tipo de negócios levados a cabo pela Bain Capital levou ao despedimento colectivo de trabalhadores das empresas em que investiu e conduziu outras à falência depois de extrair lucros generosos.
Até os seus rivais republicanos, como Rick Perry e Newt Gingrich, acusaram Romney de praticar um "capitalismo predador".
Mitt Romney é um dos homens mais ricos de sempre a candidatar-se à Casa Branca, com uma fortuna pessoal de 250 milhões de dólares e contas na Suíça. Ele gastou 42 milhões dessa mesma fortuna na sua anterior campanha - uma prova considerável da sua ambição presidencial.
Ser rico sempre foi encarado como uma versão ainda mais doce do "sonho americano", mas, em tempos de asfixia económica, a classe média americana iria certamente querer ver sinais de que o Presidente Romney sabe o que é ser como eles. O candidato dispensou o fato de executivo e a gravata e o seu uniforme na campanha passou a ser bem classe média: jeans GAP. Fez questão que o mundo soubesse que é um homem habituado a poupar: nunca viaja em primeira classe; joga golfe, mas com tacos comprados no supermercado Kmart; recentemente, quando se hospedaram num hotel de cinco estrelas em Washington, ele e a mulher Ann compraram pequeno-almoço no McDonald's porque o menu no hotel era muito caro.Provavelmente, era uma inevitabilidade que os milhões de Romney acabassem por se tornar num tema quente da campanha quando uma maioria de republicanos e independentes concorda com os democratas sobre a existência de "fortes conflitos" entre os ricos e os pobres na América. Mas Romney, ele próprio, tem sido desastrado, pondo em evidência o grande golfo que separa as suas circunstâncias das dos eleitores.
Por onde começar? A aposta de 10 mil dólares que propôs a Rick Perry durante um debate, sem pestanejar? O comentário de que os 374 mil dólares que recebeu de honorários como orador em 2011 - bem mais do que os rendimentos médios anuais de uma família americana - não "é muito"? A afirmação, numa entrevista à CNN, de que não está "preocupado com os muito pobres"? A referência ao facto de a mulher Ann guiar "um par de Cadillacs"? A declaração de que ele, produto de uma família privilegiada e de escolas exclusivas, "viveu nas ruas da América real"? Estes episódios foram mais do que gaffes. Eles deixaram a impressão de que Romney é a última encarnação de Maria Antonieta.
Recentemente, uma sondagem da NBC e do Wall Street Journal pediu a eleitores das primárias republicanas que indicassem o que menos gostavam no candidato Romney. Entre seis respostas possíveis, a frase "ele é demasiado rico e não consegue ter empatia pelo cidadão médio" ficou em segundo lugar, logo a seguir a "ele é evasivo em relação aos assuntos". No fundo da lista? "As suas crenças mórmones não são convencionais."
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