sábado, 20 de outubro de 2012

O fim de Kadaffi e o nacionalismo africano

 

by Matias De Jesus Júnior on Friday, 21 October 2011 at 14:30 ·
O fim de Kadaffi e o nacionalismo africano
As cadeias internacionais de TV exibiram ontem imagens invulgares de um cidadão líbio a ser pontapeado e esbofeteado humilhantemente e de seguida morto. As imagens são de chocar qualquer sensibilidade. Mas a sensibilidade em relação a propaganda começa a ser relativa quando o mesmo cidadão é portador de uma pistola de nove centímetros feita de ouro. O cidadão não era qualquer: era Muammar Kadaffi, o outrora idolatrado presidente da Líbia e que sonhava vir a ser presidente de uma tal nação africana. As imagens documentavam o humilhante fim de 42 anos de tirania, opressão e violação de direitos humanos.

Tal como disse ontem o chefe da diplomacia portuguesa, Paulo Portas, nós também não celebramos a morte de ninguém. Seja ele quem for. Mas estamos felizes pela queda do símbolo da ditadura líbia, da opressão, do medo e do culto à personalidade. Peca pelo facto de o símbolo ter sido um cidadão, no caso vertente, Muammar kadaffi, um temível líder que durante mais de 40 anos esteve no poder sem ter sido eleito. E é aqui onde está o cerne da questão! Kadaffi chegou ao poder por violência. O povo não legitimou kadaffi. Kadaffi usou a força para chegar aonde chegou e foi assim que de lá saiu. E claro com direito a bofetadas e pontapés. É como quem diz que “que quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
A morte de Kadaffi tal como a queda de outros ditadores veio, na nossa opinião mostrar que o ideal de nacionalismo africano nunca chegou a existir efectivamente. De ano em ano apenas foram aspirações. É por hábito dizer-se que em sentido estrito, o nacionalismo é um sentimento de valorização marcado pela aproximação e identificação com uma nação, mais precisamente com o ponto de vista ideológico. O nacionalismo surgiu (Gellner1983) como uma ideologia popular revolucionária, pois foi contrária ao domínio imperialista político-cultural do cristianismo católico que se apoiava nos nobres feudais e ajudava a sustentar a superada, limitada e limitante economia feudal, mas também como uma ideologia burguesa, pois as massas camponesas e o pequeno proletariado que também surgia passavam do domínio da nobreza feudal para o da burguesia industrial – e a ideologia dominante em uma sociedade é a ideologia das classes dominantes.
Os na altura, intelectuais e respeitados líderes africanos abraçaram a causa para mostrar a identificação com a sua terra, imbuídos de um espírito de reconstrução de uma África melhor. Mas o nacionalismo apresenta uma definição política mais abrangente como a defesa dos interesses da nação antes de quaisquer outros e, sobretudo da sua preservação enquanto entidade, nos campos linguístico, cultural, e por aí fora.
A questão que se coloca é qual é a ideologia africana? O que defende o continente africano no concerto dos continentes? Tal questão nunca esteve bem definida. E cada país foi fazendo arranjos à altura das suas capacidades de afogar possíveis contestações.
Trouxemos esta referência em relação ao nacionalismo africano para falar da diabolização a que a NATO está votada em certos quadrantes de nacionalismo e patriotismo africano. Julgamos nós (cientes de que seremos apedrejados por críticas) que quem derrubou Kadhaffi foi o seu povo com a ajuda da NATO, sendo o povo, principal personagem. É sim verdade que se a NATO não invadisse a Líbia a guerra estaria sendo travada até hoje. Mas é também verdade que se a NATO não entrasse na Líbia muitos líbios revoltosos teriam sido chacinados nas tenebrosas cadeias da Líbia. Queremos aqui negar que a queda de Kadhaffi seja obra exclusiva da inveja do ocidente. Foi também da inveja do povo. O povo tinha inveja da vida faustosa do clã Kadhaffi. Em algumas residências da família kadhaffi havia cadeiras de ouro. Inveja porque os filhos de Kadhaffi viviam faustosamente no estrangeiro sem terem conhecido o valor do trabalho. Os que trabalhavam eram altos comandantes no exército e serviços secretos que raptavam e matavam potenciais opositores: os verdadeiros cultores do medo.
Algumas análises em relação ao descontentamento do povo líbio são feitas em comparação com países como Moçambique, para dizer que na Líbia a educação era de borla, havia comida para todos. É, quanto a nós, uma desaconselhável analogia. É verdade que a Líbia apresentava um dos melhores indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano. O padrão de problema africano (fome e falta de educação formal) havia sido resolvido, sim senhor. Mas aqui entra a questão das necessidades, assunto que um dia Maslow definiu e teorizou. As necessidades do povo líbio eram outras. Iam a escola aprender a não ser críticos e a não contestar nem participar da gestão dos seus recursos, impostos e taxas. Os líbios queriam o que Kadhaffi não estava disponível a dar: Democracia sustentada pela divisão equitativa de riqueza e igualdade de oportunidades. Outros líbios (independentemente da sua quantidade) também queriam Governar, ou melhor mandar no petróleo. Inspirados pelas convulsões nos países vizinhos os líbios partiram para essa luta que viria a contar com o apoio da NATO. Lembre-se que não foi a NATO que saiu a rua para marchar. Não foi a NATO que ocupou Tahrir. Foram os líbios. Seria de todo ridículo, afirmar que o povo líbio foi usado. Seria desonrar o sangue das pessoas que morreram esmagadas pelo regime quando a convulsão começou. Seria reduzir a nada a coragem de um povo que viveu oprimido durante 42 anos.
Queremos aqui negar que o povo tenha sido usado. Na nossa opinião, quem não tinha causa era o cidadão Kadhaffi. A sua causa era estranha à agenda do povo. A pseodo-causa de Kadhaffi era continuar no poder sem dar oportunidades aos outros filhos da mesma terra. O povo queria apenas uma oportunidade, que lhe foi negada. Nem a União Africana mostrou-se disponível para dar. As razões são óbvias: a organização é dominada por anti-democratas por excelência (ver o perfil político do actual presidente e do restante board da organização). Não interessava a UA ver Kadaffi fora, porque era um indivíduo que inspirava o grupo para matar e excluir para Governar.
A NATO era única entidade que poderia responder ao pedido da população. A NATO não é nenhum demónio. É dirigida por um país cujos líderes são eleitos em sufrágio universal. Os cidadãos deste país tem oportunidade de ver e aprovar ou reprovar o projecto político que lhes é apresentado. Fazem-no nas urnas sem jogadas. Eles decidem o seu futuro. É o que os Líbios também queriam e que já marcaram um decisivo passo rumo a concretização desse sonho. É obvio que no concerto internacional não há jantares de borla. Tudo tem seu preço. E no caso líbio o preço chama-se petróleo e as dívidas que o ocidente tem para com a Líbia. A NATO vai querer a sua parte do pote e isso não há quem possa travar. Mas isso é um outro assunto porque a NATO resolveu o problema dos líbios e cabe aos líbios pagar a factura da ajuda e reconstruir o País em moldes pelos quais lutaram: um país desenvolvido mas com liberdades e igualdades de oportunidade.
Inquieta-nos também o posicionamento dos nacionalistas e patriotas africanos. É estranha a sua capacidade de acreditar que os africanos podem resolver sozinhos os seus problemas, mas já não acreditam na capacidade de os africanos, correrem (às bofetadas e pontapés) com líderes corruptos e déspotas. Ou seja acreditam na capacidade de Kadaffi ser um grande líder e não acreditam na capacidade de o povo líbio escorraçar o líder.
Para terminar, assumimos o risco de cair no populismo mas preferimos citar um provérbio africano (sem bases científicas) que se celebrizou com o início das guerras civis em África e que caiu em desuso com fim delas, que diz o seguinte: “antes um colono estrangeiro do que um colono irmão com quem tinha de gozar os mesmos direitos”. Isso para legitimar a nossa preferência pela NATO no lugar de ditadores (com os quais temos os mesmos direitos) que se acham donos de uma nação.

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