Sunday, September 2, 2012

Em entrevista ao Canal de Moçambique Sérgio Vieira denuncia camaradas que usam partido para se servir

Ouvir com webReader
Sergio_vieiraNeste momento, assusta a existência de um certo rudismo, de oportunistas e de certo oportunismo.
Falo da existência da tentativa de utilizar o partido para se servir a si próprio, ao invés de servir o povo. E no meio desse jogo até se utiliza o tribalismo, até o regionalismo para se alcançar certos interesses – Coronel Sérgio Vieira em entrevista ao Canal de Moçambique
Bernardo Álvaro
O ambiente que se vive na direcção do partido Frelimo é turbulento. As constantes contradições entre membros históricos do partido podem bem revelar essa turbulência. Agora que se aproxima a fase decisiva na definição de quem irá dirigir o partido nos próximos anos, acentua-se o bate-boca dos camaradas na Imprensa, em assuntos que antes eram discutidos em fóruns bastantes restritos.
Durante a VII Sessão do Comité Central da Frelimo, realizada a semana passada na Matola, foi o Coronel Sérgio Vieira que, através da Imprensa, no caso o Canal de Moçambique, veio a público mandar recados para dentro do partido Frelimo.
O coronel disse claramente que “há diminuição de debate dentro do partido” e talvez por isso mesmo tenha aproveitado a entrevista a este semanário para falar de assuntos sensíveis como tribalismo, regionalismo, no seio da Frelimo.
Curto e grosso, Sérgio Vieira trouxe mais revelações que podem explicar bem como se vive na actual Frelimo.
Eis a entrevista que o respeitado coronel concedeu ao Canal de Moçambique no pátio da Escola Central do Partido Frelimo, no dia da abertura da VII Sessão do Comité Central.
Canal de Moçambique (Canal) – Coronel Sérgio Vieira, depois desta sessão deixa de fazer parte do Comité Central. Que avaliação faz durante o
tempo em que ficou membro e quais são as recomendações que deixa para os que ficam e os que vão entrar neste órgão do partido Frelimo?
Sérgio Vieira – Creio que são muitas coisas boas e outras extremamente muito más. Desempenhou-se no partido, em conjunto, muitas coisas. Falámos de cinquenta anos de história. Falo da Luta de Libertação Nacional, a criação de um Estado moçambicano, a consolidação e a socialização do Estado, contribuição para libertação do Zimbabwe, da África do Sul, a defesa de Angola e outras coisas extraordinárias e positivas. Na segunda fase... o partido não existe em abstracto. Existem os seus militantes, existem os quadros e os órgãos. Mas devo dizer que há que registar outros aspectos extremamente negativos ocorridos ao longo deste tempo. Vivemos grandes dramas, vivemos grandes problemas. Tivemos logo no primeiro congresso, tivemos no segundo congresso. Houve assassinatos como de Mondlane, Samora e outros tantos. Mas devo dizer que Samora não foi assassinado por moçambicanos como os outros. Samora foi, sim, assassinado pelo Apartheid. São situações que se verificaram e fazem parte da vida.
Canal – Quais são os aspectos negativos que mais lhe marcaram ao longo destes cinquenta anos em que serviu o partido?
Sérgio Vieira – São vários desde o primeiro congresso, depois no segundo congresso. Neste momento, assusta a existência de um certo rudismo, de oportunistas e de certo oportunismo.
Falo da existência da tentativa de utilizar o partido para se servir a si próprio, ao invés de servir o povo. E no meio desse jogo até se utiliza o tribalismo, até o regionalismo para se alcançar certos interesses. Na verdade não é que essa pessoa quando fala do tribalismo queira defender a tribo, mas, sim, está a defender o “eu” e o “eu é que quero”.
Canal – Recentemente o padre Filipe Couto falou também do aspecto do regionalismo e de algumas manobras na Frelimo para se afastarem alguns membros históricos dos principais órgãos de decisão.... Qual é a sua opinião?
Sérgio Vieira – A opinião de Couto é dele e não é minha. Eu não fui objecto de nenhuma artimanha. Entendo que agora devo dedicar-me um pouco mais ao que nunca fiz ao longo da minha vida. O que devo dizer agora é de que daqui em diante vou fazer aquilo que nunca pude fazer. Os meus interesses pessoais que nunca pude cumprir. Falo da minha família, dos meus filhos, meus netos que nunca tive tempo de acompanhá-los.
Canal – O coronel Sérgio Viera sempre defendeu que a futura liderança da Frelimo e do país tem que ser capaz, com visão.... Insiste nesta tese?
Sérgio Vieira – É normal, porque uma liderança sem visão não existe. Uma direcção sem visão é uma direcção cega. É preciso que haja um grande conjunto de combinação de talentos, de capacidades, de vontades e de dedicação. Eu vou dizer assim: não é questão do candidato ser fulano e beltrano. Isso não me interessa. Eu digo assim: não sei se levarmos o Mourinho, que se diz ser o melhor treinador do mundo, e trazermos para treinar o Chingale de Tete, que é equipa da minha terra, seria capaz de levar a equipa a campeão do mundo. Por isso digo que tem que haver essa combinação de equipa. Tem que ser uma equipa e não uma pessoa sozinha. Eu vou-te dizer a tragédia que foi talvez dos maiores generais do século XIX, Napoleão. Ele foi derrotado por um homem mediano e simples, Helton, que trabalhou com o Estado-Maior, trabalhou com equipa, enquanto Napoleão não tinha equipa.
Canal – Qual é a sua opinião sobre os debates, as opiniões dos membros no seio do partido Frelimo?
Sérgio Vieira – Quero crer que tem havido uma diminuição de espaço de debate. De alguma maneira são muitas coisas. Um é o aspecto de protocolo, protocolo, protocolo, saudações, saudações, saudações, mensagens, mensagens. Isso reduz brutalmente o tempo útil para o debate que devia existir. A segunda coisa que nem sempre é útil, é transferir uma grande parte da discussão para os grupos de trabalho. Porque aquilo que chega depois nos relatórios das comissões de trabalho para o plenário vai muito de ruim, de modo que isto também diminui o impacto daquilo que pode ser a profundidade e a importância do debate. Esses são aspectos, algo negativo, porque há uma redução de tempo. Outro aspecto é que o próprio Comité Central, que no passado se reunia duas vezes por ano em sessões ordinárias, agora está a se reunir uma vez por ano, em sessão ordinária, o que não é bom. Há que haver uma maior frequência das reuniões do Comité Central.
Canal – Qual é a sua opinião sobre as correntes que defendem a existência de dois presidentes, um do partido Frelimo e outro da República, a sair também do mesmo partido, como tem sido dito pelo actual secretário-geral?
Sérgio Vieira – Eu penso que bicefalismo nem sempre é a melhor coisa do mundo. A unidade de direcção elimina as contradições de direcção. E assim sempre foi. Mas isso é melhor explicado por quem propõe (Filipe Chimoio Paúnde). Nós tivemos até a bem pouco tempo o camarada presidente Joaquim
Chissano, que saiu da liderança do partido, e o camarada Armando Guebuza ficou presidente do partido e já era presidente da República. Posso crer que muitas vezes essa preocupação conta com muitas outras preocupações que não têm nada a ver com o camarada Guebuza.
Canal – Se essas preocupações não têm nada a ver com o presidente Guebuza, como diz então? Com quem tem a ver?
Sérgio Vieira – Tem a ver com quem o diz (actual secretário-geral Filipe Paúnde). Portanto, vejo que ele quer continuar...
Canal de Moçambique – 29.08.2012