Friday, September 28, 2012
O Congresso da Frelimo e o sentido dos votos em branco
O décimo congresso da Frelimo, que termina este fim-de-semana, na cidade de Pemba, reelegeu, na
última quarta-feira, Armando Guebuza para o cargo de Presidente do partido por um mandato de mais
cinco anos, dando-lhe uma margem folgada de 98,76 por cento de votos dos 1 858 delegados que
exerceram o seu direito.
Nesta votação, Guebuza obteve 1 835 votos a favor, contra 23 em branco. Não foram registados
quaisquer votos nulos.
Guebuza, que foi o único candidato, acaba assim de demonstrar a sua hegemonia e controlo absoluto
sobre toda a máquina partidária da Frelimo, o que lhe permitirá, nos próximos cinco anos, dirigir o partido
sem ter que se sujeitar aos constrangimentos de compromissos que eventualmente teria que fazer com
outras alas dominantes no seio dos seus camaradas.
Guebuza assumiu a presidência do partido pela primeira vez em 2005, depois de conseguir o seu
primeiro mandato como Presidente da República, em substituição de Joaquim Chissano.
Ele viria a ser confirmado como Presidente do partido no nono congresso realizado em Novembro de
2006 em Quelimane, mas mesmo assim foi necessário manter um certo equilíbrio entre elementos da sua
inteira confiança e aqueles que transitavam do regime de Chissano, e dessa forma manter a coesão do
partido durante este período transitório.
Mas esse delicado período passou para a história, e agora Guebuza, que dificilmente consegue disfarçar
o seu apetite pelo poder, encontra-se numa posição de tal força que não se sentirá constrangido em indicar,
a dedo, o seu sucessor como Presidente da República,findo o seu segundo e último mandato em 2014.
Com os resultados do Comité Central tendo sido já conhecidos ao cair da noite de quinta-feira, os
primeiros sinais do rumo que Guebuza pretende seguir poderão ser vistos na figura que ele irá escolher
como candidato a Secretário Geral do partido, bem como da composição da Comissão Política e do
Secretariado do Comité Central.
Apesar de que ao nível da retórica pública estes órgãos sejam eleitos pelos membros do Comité Central,
o Presidente do partido tem uma forte influência nesse processo, sendo a sua vontade raramente
contestada.
Foi assim que aconteceu em Quelimane, quando Guebuza, contra todas as previsões, escolheu Filipe
Paúnde como Secretário Geral. Paúnde, um antigo Primeiro Secretário do partido na província de Sofala, é
reconhecido como um comissário político de gema, mas não se lhe reconhecem enormes atributos em
matéria de administração e gestão moderna de uma máquina complexa como é a Frelimo. Mas era o tipo
de figura que Guebuza precisava para consolidar o seu poder, e gradualmente ir se distanciando da
anterior ordem.
O punho de ferro com que Guebuza procurou impor o seu poder na Frelimo contribuiu para o alienar de
alguns sectores no seio da Frelimo, incluindo aquelesque apoiaram a sua subida ao poder, convencidos de
que essa era a opção ideal para resgatar a Frelimo e colocá-la, como sempre tinha sido no passado, de
volta ao posto do comando da política do governo.
Entre estes sectores incluíam-se osantigos combatentes da luta de guerrilha da Frelimo, que se sentiam
marginalizados pelas reformas introduzidas visando o aperfeiçoamento e modernização da administração
pública e das forças armadas, reformas introduzidas pelo regime de Chissano, depois do fim da guerra civil.
Os 23 votos em branco obtidos nesta última eleição de Guebuza devem ser vistos no contexto deste
grupo de camaradas desavindos com o líder que ajudaram a chegar ao poder.
Aqueles votos em branco não devem ser olhados com desprezo e encarados como a expressão de uma
minoria insignificante. Muito menos tentar atribuí-los a delegados provenientes de classes sociais baixas,
que terão assim votado por não saberem escrever. São votos de gente bem instruída, que só quis registar o
seu protesto.
Os 23 delegados que assim decidiram votar podem ser uma minoria, mas certamente que representam
um sentimento de descontentamento dentro da Frelimo que qualquer líder só pode ignorar por conta e risco
próprios.
A talhe de foice
Por Machado da Graça
O spot
O nosso compatriota Armando Guebuza tem, muito claramente, grandes problemas de assessoria no que diz
respeito à gestão da sua imagem pública. Quer como Presidente da República, quer como Presidente do partido
Frelimo.
Não sei quem dirige essa actividade, embora possa tentar adivinhar, mas sei que é alguém que pouco, ou
nada, percebe daquilo que está a fazer.
Pelo que posso avaliar esse alguém entende que valorizar a imagem de Guebuza é tê-lo, permanentemente,
em frente dos moçambicanos. Todos os dias e a todas as horas.
E isso é totalmente errado. É até contraproducente, de resto. Na prática, quem faz isso está a sabotar aquele
que diz servir. Porque está a provocar um efeito de saturação que gera repulsa.
Eu dou um exemplo: Armando Guebuza preside a inauguração de qualquer coisa, durante uma determinada
manhã. A Rádio Moçambique faz a cobertura, em directo, da inauguração, com destaque para as palavras de
Armando Guebuza. Ao meio dia e trinta, no RM Jornal, as mesmas palavras voltam a ser postas no ar, a abrir o
jornal, o mesmo acontecendo na edição da noite do jornal radiofónico. No final deste, aparece o programa Em
Foco em que, como o leitor já deve adivinhar, volta a acontecer o mesmo.
E como todos os das há uma qualquer inauguração, com a presença presidencial, todos os dias isto se repete
até à exaustão. Desde as coisas mais importantes, como cimeiras internacionais, até às mais corriqueiras,
Guebuza está lá, Guebuza discursa e o seu discurso é repetido a todas as horas e em todos os momentos nas
ondas sonoras.
Mas, quando eu julgava que não era possível ultrapassar esta situação desastrosa, aconteceu o SPOT.
Durante o período anterior ao Congresso do Partido Frelimo, foi gravado um spot com uma mensagem de
apoio ao congresso, lida por Armando Guebuza. E esse spot passou a ser transmitido, nos períodos comerciais
da RM, tal como é feito com marcas de arroz ou telemóvel, com óleos de cozinha ou serviços bancários. Três,
quatro vezes ao dia, durante muitos dias seguidos, a mesma voz, lendo a mesma mensagem, foi repetida até à
náusea. Até as pessoas, como eu, ao ouvirem a musiquinha introdutória, desligarmos o receptor. A mensagem do
Presidente do partido Frelimo até nem era desinteressante, mas todos os dias, várias vezes ao dia, tornou-se
insuportável.
Isto para não falarmos do aspecto de banalização da voz de Armando Guebuza. Embora nesse spot ele
falasse na sua qualidade de Presidente do partido Frelimo, não nos podemos esquecer que ele é, também, o
nosso Chefe de Estado e que, portanto, não pode ser colocado ao mesmo nível de um anúncio de detergentes.
Mas tudo isto, que me parece ser bastante evidente, parece não ter cabimento entre as orelhas de quem é
pago para fazer esse trabalho. E imagino que bastante bem, a avaliar pelo que engordam, esses assessores
feitos à pressa. Como se dizia antigamente, mal paridos…
E não posso deixar de lamentar que os dirigentes dos órgãos de informação do sector público aceitem as
ordens destes assessores que, com base no famoso artigo 75º dos estatutos do partido Frelimo, acham que
podem dar ordens aos seus militantes que colocaram como dirigentes desses media.
Porque será que cada vez me lembro mais de figuras comoHitler, Mussulini, Estaline, Franco e Salazar, ao pensar
nesta nossa democracia tão peculiar?
N
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