Depois que Manuel Chang foi preso e foram, igualmente, revelados o esquema e os valores do calote, muitos são os moçambicanos que se perguntam: Mas, o que deu no Manuel Chang e seus comparsas para roubarem tanto dinheiro assim e da maneira que roubaram? O que se passou nas suas cabeças? Será que não tiveram um pingo de medo? Roubar um país daquela maneira? E eu respondo: Não estavam nem aí. Não se passou nada na cabeça deles naquele momento, a não ser levarem o dinheiro, ficarem ricos e viverem numa boa. Não tiverem medo nenhum. Roubar é o que você diz, para eles é levar o que lhes é de direito.
Mas porquê? Por nossa culpa. Nós confundimos respeito com medo. Para nós, os nossos governantes são DEUSES. São intocáveis. Podem tudo. Tudo gira em torno deles. Tudo depende deles. Nunca erram. Nunca se enganam. São os mais sábios entre nós. O país ou o ministério é do dirigente.
Tudo começa com os adjectivos e alcunhas que atribuímos a eles: o visionário, o filho mais querido, o enviado de Deus, etecetera. Para nós, sua excelência, excelentíssimo, senhor, doutor, presidente, ministro, e afins, não são suficientes. Nós veneramos o governante e ultrapassamos os limites humanamente admissíveis, o que acaba criando nas pessoas aquilo que eu vou desde já chamar de "síndrome de Deus". Ou seja, a pessoa acaba se achando "O Deus Todo Poderoso": aquele que está acima de tudo e de todos, incluindo a Lei. Nós endeusamos exageradamente que o governante acaba perdendo a ética e o cuidado de gerir a coisa pública. Perde a noção do perigo. Acaba assumindo que aquilo tudo é dele e ele pode fazer e desfazer e passa a ver o país, a província ou o ministério como sua capoeira. Aliás, como todos sabem, nesse famigerado calote os dinheiros eram tratados por "galinhas".
Não nos passa pela cabeça que o Presidente da República, o Primeiro-Ministro, o ministro, o vice, o governador, deputados, e quejandos, são também "funcionários públicos". O salário deles vem dos nossos impostos. Temos de monitorá-los. É a nós que eles devem prestar contas. Ser governante não é profissão, é missão. Não é eterno, é passageiro. Subordinação não é vassalagem.
Na verdade, nós é que criamos os nossos próprios Changs, Cambazas, Cetinas, e companhia. Outros vão também criando os seus Obiangs, Salva Kiirs, Bongos, Mugabes, Dos Santos, e por aí fora. A culpa é nossa. A quantidade e qualidade de sentinelas de prontidão que defendem parvoíces dos nossos governantes é preocupante. Nós não temos gestores públicos, temos Messias. Nós não temos governantes, temos pessoas escolhidas por Deus, temos profetas. Nós somos governados por pessoas que podem fazer tudo o que lhes apetece. Pessoas que podem até levar dinheiro do povo para fins particulares sem que ninguém os impeça. Parece que não, mas Manuel Chang não está a acreditar que aquilo que ele está a passar hoje é realidade. Nunca imaginou. Para ele, aquilo não é normal. Ele ainda não se considera gatuno. Ainda não está curado da "síndrome de Deus" que nós criamos nele. E pior, alguns de nós também não estão a acreditar, incluindo o nosso judiciário. A nossa Pé-Gê-Ere, outra incubadora desses deuses, está desnorteada.
Chang e companhia orquestraram aquela fraude muito fresquinhos e nunca consideraram a possibilidade de serem encontrados e muito menos de serem responsabilizados. Dai que o homem não sente remorso nenhum, e tenta convencer a Justiça a viver numa casa alugada perto da Ressano para "dar gás" e continuar a viver à francesa como está habituado. Mas o que mais me preocupa é que nós também ainda não estamos preparados para apontar o dedo àquele feitio de gatunos. Para nós, a prisão do Deus Chang é um teste a nossa fé: "síndrome do crente devoto".
Publicado em Co'Licença
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