Premium Quartos arrendados por sexo. Sexo para pagar rendas. Como as rendas caras aumentaram a prostituição
Há quem se aproveite dos preços exorbitantes das rendas para conseguir trocar alojamento por serviços sexuais. E há também muita gente a cair na prostituição para conseguir pagar habitação, mais do que no período da troika.
Um homem na casa dos 40 anos, de elevado estatuto social, tem três apartamentos numa das zonas mais nobres de Lisboa. Cada um deles é ocupado por uma mulher: uma portuguesa, uma brasileira e uma outra nigeriana, todas jovens e "esculturais". Nenhuma delas paga um cêntimo de renda, apenas água e luz. O acordo com o "senhorio" é outro: têm de "receber" os amigos dele para encontros sexuais, serviços pelos quais cobram um mínimo de 100 euros, metade dos quais vão diretos para o bolso do dono das casas. A morar num apartamento de luxo ao lado, é ele que controla a agenda das mulheres, escolhidas em plataformas online e que chegam a receber seis homens à hora do almoço e à tarde, quando os prédios estão vazios. Depois dessa hora, as visitas são proibidas - os vizinhos podiam desconfiar. Não há anúncios na internet, nem em jornais, e com este esquema o homem encaixa pelo menos seis mil euros por mês.
"Elas aceitam porque dizem que pelo menos não têm de pagar renda, sempre poupam algum dinheiro." Quem o conta é Inês Fontinha, que durante mais de 40 anos dirigiu O Ninho, associação que acompanha e reabilita prostitutas na cidade Lisboa e que admite que até para ela este é um fenómeno novo. Fenómeno que tem uma razão óbvia: os preços exorbitantes da habitação na capital, que estão também a levar mais mulheres a recorrer à prostituição para conseguirem suportar as rendas, ao mesmo tempo que muitas outras não conseguem deixar as ruas.
As três mulheres que relataram os seus casos a Inês Fontinha garantem que estas novas formas de proxenetismo estão a aumentar na cidade. Tal como o de homens que publicam anúncios em sites especializados onde informam que arrendam quartos em troca de sexo. "A habitação é fundamental e é neste momento o grande obstáculo à saída de muitas mulheres da prostituição e fator de entrada", denuncia Inês Fontinha.
"Olhe, pago 280 euros pelo quarto e tem ratos! Já disse ao senhorio, mas acha que ele se importa? Não quer saber... E agora faço o quê? Também não consigo arranjar outro quarto por este preço!"
Afirmações reforçadas por Conceição Mendes, assistente social n"O Ninho há mais de 30 anos e que sente que os preços das rendas em Lisboa estão a bloquear a porta de saída da prostituição e a escancarar a de entrada. "As nossas equipas de intervenção deparam-se com situações em prédios de escritórios, em ruas centrais de Lisboa, em que os apartamentos são todos alugados para prostituição. É um apartamento por piso, cada um com dez quartos, alugados por 200 euros por semana. Portanto, as mulheres pagam, só aí, 800 euros para se prostituírem, mas depois ainda têm de arrendar outro quarto onde vivem com os filhos, sempre acima de 300 euros, se for em Lisboa. Muitas não se importavam de sair, mas depois, com a questão da habitação, quando começamos a fazer orçamentos percebemos que não dá." Conceição Mendes diz mesmo que há mais gente a chegar agora à prostituição do que durante a crise económica da primeira metade da década.
"Casas vazias deviam ser usadas nestes casos"
"Olhe, pago 280 euros pelo quarto e tem ratos! Já disse ao senhorio, mas acha que ele se importa? Não quer saber... E agora faço o quê? Também não consigo arranjar outro quarto por este preço! Eu só tenho o RSI, não tenho mais nada!" Os testemunhos, recolhidos com a ajuda das equipas de intervenção do Ninho, refletem quase sempre a mesma realidade de mulheres muitas vezes deslocadas - imigrantes ou vindas de outras zonas de Portugal -, enredadas na miséria, com histórias de maus-tratos e abusos na infância. "A minha situação é muito complicada...Tenho o RSI, 189 euros... o meu quarto é 350 euros, o que é que eu hei de fazer à minha vida", lamenta-se outra mulher.
"É a minha mãe que está acamada, é o miúdo que anda na escola, a reforma do meu marido não chega a 300 euros, e a gente paga 500 da casa, como é que uma pessoa vive? Não se vive, sobrevive-se."
Os fatores principais que levam as mulheres a cair na prostituição são o desemprego/salários baixos - "mesmo com um ordenado mínimo, não chega para pagar as contas" - e a habitação, explica Inês Fontinha, socióloga de formação. "Como a habitação é neste momento a principal causa de entrada na prostituição, é preciso que a Câmara de Lisboa assuma a sua responsabilidade nesta matéria, criando uma plataforma para apoiar estas mulheres através de habitação social", defende. "Há casas vazias para situações de emergência social, ora isto são situações de verdadeira emergência, a câmara tem de perceber que os preços das casas na cidade estão a atirar muitas mulheres para a prostituição e a impedir que muitas consigam sair dela."
O DN perguntou à Câmara de Lisboa se tem conhecimento desta realidade e se está a preparar alguma estratégia nesta área, mas não teve respostas.
Legalizar: "Queremos isso para as nossas filhas?"
"É a minha mãe que está acamada, é o miúdo que anda na escola, a reforma do meu marido não chega a 300 euros, e a gente paga 500 da casa, como é que uma pessoa vive? Não se vive, sobrevive-se." "A assistente social dá-me 189 euros do RSI mais 100 do apoio da Misericórdia, mas eu tenho de pagar 380 do quarto, e não vivo do ar..." "Já me avisaram que tenho que sair do quarto até ao dia 31, e agora? Onde é que eu vou arranjar um quarto por 290 euros? Eu nem tenho dinheiro para caução. E agora? Vou dormir na rua?"
Segundo Conceição Mendes, em muitos destes casos relatados ao DN, as mulheres mostram vontade de deixar as ruas e até as que já mudaram de vida veem-se muitas vezes em dificuldades para manterem o rumo. "Pensemos no protocolo de jardinagem com a Câmara de Lisboa, onde as mulheres recebem o salário mínimo, mas depois têm de pagar 350 euros por um quarto. Basta terem uma baixa, como acontece muito, onde recebem o correspondente a metade do salário, e esse dinheiro vai logo todo para a renda. Tem de ser O Ninho a dar apoio, caso contrário não sobrevivem." São 12 as mulheres que fazem parte deste protocolo de jardinagem com a câmara, a que se juntam outas 12 que estão nas oficinas de competências da associação, uma espécie de reaprendizagem da vida em sociedade. Ao todo, O Ninho acompanha mais de 200 mulheres.
"A assistente social dá-me 189 euros do RSI mais 100 do apoio da Misericórdia, mas eu tenho de pagar 380 do quarto, e não vivo do ar..."
Quando ouvem falar em legalização da prostituição, tanto Inês Fontinha como Conceição Mendes são expeditas a responder que isso só permitiria às máfias deixarem de ser punidas e serem consideradas organizações criminosas, sem dignificar as mulheres. "Se eu não quero que uma filha minha seja prostituta, porque hei de querer que as filhas de outros o sejam?"
Um "futuro melhor" que acabou na rua
Carla, 22 anos, nasceu numa aldeia do norte do país, no seio de uma família pobre, de agricultores, que tinha dificuldades para sustentar os seis filhos. Os irmãos mais velhos tinham de ajudar os pais a trabalhar a terra e mesmo Carla acabou por deixar a escola. "Não gostava de estudar", conta.
Aos 15 anos vem para Lisboa, para casa de uma tia, para ter um futuro melhor, como esperava a sua mãe. "Deixei-me encantar pelas luzes de Lisboa. Pensei que tinha chegado ao paraíso, mas foi por pouco tempo. O marido da minha tia caiu de graças por mim e
quando a minha tia saía para o trabalho metia-se na minha cama. Não consegui aguentar."
quando a minha tia saía para o trabalho metia-se na minha cama. Não consegui aguentar."
Fugiu de casa mas nunca pensou em regressar à sua aldeia. "Era a vergonha, o medo, o não saber o que dizer à minha mãe." Passou a andar pelas ruas de Lisboa sem destino, dormia onde calhava, até que um dia um homem a convidou para almoçar. "Aceitei logo. Tinha muita fome. Fui para casa dele, onde fiquei durante umas semanas. Tinha tudo o que precisava, mas não era de graça. Ele dormia comigo. E foi ele que me ensinou como fazer para ganhar dinheiro. Trouxe-me para o Intendente e obrigou-me a ficar aqui. Vem cá pôr-me e vem buscar-me."
Carla tem duas filhas pequenas: uma menina com 3 anos e uma outra com 2 e relata a sua vida a uma técnica do "trabalho de rua" da Associação O Ninho, a quem pede ajuda para deixar de se prostituir. "Estamos a ajudar a Carla a alugar uma casa, para viver com os seus filhos e deixar o homem que a explora, e abandonar a prostituição. Acontece, porém, que o preço das rendas é elevado e há a exigência do pagamento de caução", conta uma assistente social da associação. "Não encontramos rendas inferiores a 450 euros, e mesmo assim vai para fora de
Lisboa. Por isso a Carla precisa da nossa ajuda para arrendar a casa, pagar a água, a luz, o gás, a alimentação. E como sabemos a habitação é um dos fatores primordiais para a inclusão."
Lisboa. Por isso a Carla precisa da nossa ajuda para arrendar a casa, pagar a água, a luz, o gás, a alimentação. E como sabemos a habitação é um dos fatores primordiais para a inclusão."
Como noutros casos acompanhados pela associação, Carla está muito motivada para mudar a sua situação. Está a ser acompanhada a nível psicossocial pela equipa técnica d"O Ninho e, logo que tenha uma casa onde possa
viver com as filhas, vai frequentar as oficinas da associação e continuar com acompanhamento.
viver com as filhas, vai frequentar as oficinas da associação e continuar com acompanhamento.
"Posta" a vender o corpo num bar pelo namorado
Sara, 30 anos, prostitui-se desde os 19 anos. Foi recrutada por um namorado, por quem se apaixonou mas que depois a "pôs" num "bar". Esteve nesta situação dez anos, período em que vendeu o corpo em vários bares de norte a sul. "Era muito violento para mim vender o meu corpo. Chorava muito e tive uma grande depressão. Estive internada no hospital. Quando me senti melhor deram-me alta e fui novamente para um bar."
Como não conseguia suportar aquela vida, fugiu para Espanha. Mas como não encontrou trabalho, também aí teve de se prostituir nas ruas para sobreviver. Voltou para Lisboa e continuou na mesma vida. "Um dia sonhei... tinha trabalho. Foi o acordar para uma realidade impossível, nos tempos que correm."
Ouviu falar de O Ninho e pediu ajuda para deixar de se prostituir. E, segundo as técnicas, Sara mostra uma grande motivação para encontrar uma alternativa. O quadro é o de uma mulher triste, que chora com frequência enquanto conta a sua vida. Como tantas outras foi vítima de abusos por um irmão, quando tinha 14 anos. "Não contei a ninguém por vergonha e tinha medo que pensassem que a culpa era minha." A mãe foi abandonada pelo pai quando Sara era pequena e trabalhava numa empresa de limpezas, para sustentar os seus três filhos, mas "o dinheiro era curto. Não chegava até ao fim do mês."
Sara teve três filhos: dois meninos e uma menina. Vive com eles numa casa alugada. Paga 450 euros de renda, mais água, luz, gás e alimentação. Tem um mês de renda em atraso. "Não quero continuar na rua. Peço que me ajudem a viver. Quero deixar de me prostituir."
O Ninho está a iniciar o acompanhamento psicossocial a este agregado familiar e está a estudar com Sara alternativas para que ela possa deixar a rua.
No comments:
Post a Comment