Hoje, o melhor programa informativo matinal, de televisão, na actualidade, o Bom dia Moçambique 🇲🇿, da TVM, passou a notícia segundo a qual o Presidente Nyusi quer fazer da Gorongosa um símbolo de paz. A ser verídica, esta informação tem um grande valor político-simbólico para o processo negocial, em curso, entre o governo e a Renamo, por tres motivos.
Primeiro, o Presidente Nyusi reafirma, indirectamente, a vontade de voltar a fazer as deslocações a Gorongosa. Só que desta vez, não sei se será em volta de elevado secretismo, igual ou superior ao que se verificou no tempo das negociações (secretas) via telefone com Afonso Dhlakama.
No segundo e último motivo, o Presidente Nyusi pode estar, indirectamente, a cortar a possibilidade de o actual coordenador da comissão política da Renamo, Ossufo Momade, que, em termos empíricos, é o Presidente de facto, poder fazer uma visita secreta na Presidência da República, por exemplo.
Terceiro e último, o Presidente Nyusi abre uma nova página para construir uma nova página na história de construção e manutenção da paz, em Moçambique.
No entanto, se a abordagem do Presidente Nyusi for simplesmente restrita a dimensão político-simbólica, Gorongosa será apenas mais um local para constar no mapa de locais históricos que caíram no vazio da nossa memória histórica colectiva.
Assim, Gorongosa não deve ser, apenas, um local para o Presidente Nyusi ir assinar um novo acordo de paz com a Renamo.
Sugestão
A Gorongosa deve ser um local de valor político-simbolismo e político-econômico para o processo de desmobilização, desarmamento e reintegração (DDR) dos homens armados/ homens residuais/ comandos/ guerrilheiros/ oficiais da Renamo. O que é que isto significa?
A(s) base(s) militares da Renamo, em Gorongosa, devem entrar no roteiro turístico de Moçambique. Neste contexto, os homens armados da Renamo deveriam criar uma empresa de turismo. Essa empresa pode estabelecer parcerias, por exemplo, com o Parque Nacional de Gorongoza (PNG), para incluir as bases militares da Renamo no roteiro de visitas turísticas. Além do PNG, a empresa de turismo dos homens armados da Renamo poderia estabelecer parcerias com escolas ou com o ministério da educação e da cultura para, igualmente, contemplar as bases militares da Renamo no roteiro de eventos de grande valor sócio-econômico.
A abordagem alargada do valor da Gorongosa para a paz tem a vantagem de poder conferir uma renda regular e sustentável para os homens da Renamo, pois o Estado não tem dinheiro para sustentar o processo de DDR de longo prazo. Além disso, existe a vantagem de Gorongosa poder servir de exemplo de valorização da história e de dinamização da economia dos locais outrora conhecidos, simplesmente, pelo seu lado negativo - violento e traumático. Este exemplo pode ser extendido a outras bases da Renamo e, por que não, as bases que as Forcas Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), o braço armado da Frelimo, no período da luta anti-colonial.
Portanto, no final do dia, a abordagem político-simbólica, econômica, educativa vai contribuir para desarmar mentes e corações e também vai servir para a valorização da nossa história.
De onde vem a inspiração para a sugestão da abordagem alargada de utilização de Gorongosa como símbolo de paz?
A minha inspiração vem da África do Sul 🇿🇦, do Rwanda 🇷🇼 e dos Estados Unidos da America (EUA) 🇺🇸.
No primeiro caso, da Africa do Sul, eu tive a oportunidade de visitar a Ilha Roben (Roben Island), onde Nelson Mandela e outros presos políticos do Apartheid estiveram encarcerados. Neste caso, depois do fim do Apartheid, alguns dos presos políticos tornaram-se guias turísticos e estão, até hoje, lá, com boa saúde e simpatia invejável. Outros preferiram receber dinheiro, mas, infelizmente, uma boa parte deles morreu na desgraça do álcool e de outros vícios.
Ainda na África do Sul, em Cape Town, eu tive a oportunidade de visitar algumas “favelas” ou townships, especialmente uma denominada LANGA. Este local é conhecido pela pobreza gritante. Mas, mesmo assim, os habitantes dessa "favela" organizaram-se e abriram espaço para a realização de visitas guiadas. Neste contexto, os visitantes, geralmente, deixam uma pequena contribuição que fica para a comunidade. Isto contribui para diminuir o peso moral da exploração da desgraça alheia.
No caso do Rwanda, eu visitei os memoriais de genocídio, quer em Butari, quer em Kigali. La foi possível ver imagens, vídeos e, sobretudo, múmias de pessoas mortas de forma brutal. Mas, o mais importante e marcante, foi ver alguns genocidas e alguns sobreviventes do genocídio a contar a história, que atrai muitos turistas, bem como receitas para o Estado. Com esta postura, o Rwanda esta a construir uma mentalidade agente na ideia "never again", nunca mais vivermos genocídio ou qualquer outro tipo de violência.
No caso dos EUA, eu visitei o Museu do Holocausto. Neste museu, a história do Holocausto Nazi está contada com retratos e com vídeos que ajudam a manter a história viva. Alem disso, o museu esta a contribuir para formar gerações de Americanos e de estrangeiros na perspectiva de nunca mais voltarmos a testemunhar aqueles actos horríveis.
Calton
Ps: eu reconheço que os contextos e as realidades são absolutamente distintas. Mas, cada um dos casos tem lições que podem inspirar a abordagem alargada de paz, que eu considero importante considerar ao falar de Gorongosa!
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