Gilmar Mendes:
O juiz do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes deu ontem uma entrevista ao DN e TSF na capital portuguesa, à margem do VI Fórum Jurídico de Lisboa, e na véspera do STF julgar se aceita ou não o habeas corpus de Lula da Silva. Não desvenda qual será o seu sentido de voto, mas retirou o peso político que esta decisão poderá ter, dizendo crer que o ex-presidente não pode ser candidato.
Li que referiu, ou pelo menos tem o entendimento, que este julgamento de Lula da Silva será mais subjetivo...
Não, não. Eu acho que os brasileiros fizeram uma confusão com isto. O que eu disse é que o habeas corpus por definição, como é uma ação pessoal, é subjetivo. Mas como vamos discutir também a tese, terá um perfil objetivo. O que o tribunal definir nesse tipo de matéria, espero, vai não só valer para o caso, mas para toda a temática...
Para a jurisprudência...
Fará jurisprudência, embora se trate de um julgamento isolado. Quem o está a pedir é Lula da Silva, não obstante não será uma decisão apenas sobre Lula.
Parece mais ou menos do domínio público que neste momento a decisão estará empatada com o senhor a votar favoravelmente ao recurso de Lula da Silva. Será que vai ser assim?
As pessoas adivinham muito... Não tenho a menor ideia de como vai ser e espero que seja uma boa decisão para o sistema como um todo. No Brasil, dizemos que se deve evitar a fulanização, a personalização, e neste caso nós nos batemos no tribunal para que se evitasse ter que julgar o caso Lula, nós queríamos ter julgado já as ações objetivas que lá estão. Dado o contexto, isso foi impossível, retardámos demais o processo decisório e agora temos essa situação e vamos ter que decidir. Por isso é que eu disse que todo o mundo que estiver discutindo este tema não estará apenas discutindo o caso Lula, estará discutindo toda a temática da decisão em segunda instância, se há ou não prisão, se se espera o trânsito em julgado. Temos de ter essa perspetiva de estar fixando uma jurisprudência para o sistema como um todo.
Pode revelar qual será a sua decisão?
Eu estou em dúvida. Estou examinando isso com muito cuidado, acho que é uma decisão com muita repercussão e eu tenho já chamado a atenção para a nossa responsabilidade institucional de respeito ao Estado de Direito, de respeito às linhas básicas do Estado constitucional, que foi uma grande conquista. Neste momento, o Brasil passa por um momento de grande tensão, existe uma polarização muito grande e as pessoas hoje estão pró determinada posição ou estão contra. E o tribunal tem de saber arbitrar bem isto, não tendo como parâmetro a opinião das pessoas, mas sim a Constituição.
Numa decisão tão fraturante, podendo resultar na prisão de um ex-presidente, tem sentido muita pressão?
Com certeza. Nós somos um órgão por definição contramajoritário, em muitos momentos o nosso ethos é ser contramajoritário, contramajoritário em relação ao Parlamento, por invalidarmos leis do Parlamento, e muitas vezes contramajoritários em relação à comunidade, porque aplicamos direitos que eles imaginem que não devessem ser assim aplicados. É uma missão árdua, é por isso que a nossa função não é, em princípio, ser popular.
Também há crispação no STF...
Com certeza. É um momento em que, de certa forma, essa crispação externa contamina também os outros órgãos, é normal. Só que nós temos de lidar com isso, vamos chamar assim, com uma certa senioridade, um certo profissionalismo. Nós nos desentendemos e nos entendemos, não podemos transformar isto num campo de batalha indefinido e estimular a população a transformar isto numa guerra civil.
Acha que a decisão do STF, seja ela qual for, vai gerar mais tensão no Brasil ou acha que vai conseguir pacificar o país?
Tenho a impressão que, qualquer seja a decisão, vai provocar críticas e descontentamento, o que é normal diante desse clima, mas haverá depois uma pacificação, o reconhecimento de que aquilo tem de ser encaminhado. Certamente no dia seguinte haverá grupos parlamentares propondo mudar a decisão do Tribunal para um sentido ou para outro e a vida segue.
Tem noção que esta decisão vai mudar o cenário político no Brasil?
A não ser que aconteçam outras coisas o presidente Lula hoje já está inelegível com a simples decisão de Porto Alegre, independentemente da prisão ou não. Portanto, a meu ver ele já está fora.
O PT tem vendido a ideia contrária...
Uso bem a expressão "vendido a ideia". O que é que é singular nisto tudo? Depois de toda essa hecatombe, esse cataclismo, um presidente de uma fação que aparentemente é responsável, pelo menos segundo os dados, por toda uma boa parte das mazelas ocorridas está liderando a campanha. Mas hoje Lula é inelegível e não é por conta da condenação criminal só. É a condenação criminal em segunda instância com a lei da chamada Ficha Limpa. Independentemente de estar preso ou solto, ele está inelegível.
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