06/09/2010
Incursão à sala de cuidados intensivos
- uma entrevista com o prof. Dipac Jaintilal
A crise económica moçambicana, tornada numa arma de arremesso toscamente manipulada e escondida pelos políticos do dia, é longamente escalpelizada pelo economista moçambicano Dipac Jaintilal. Em longa entrevista ao SAVANA conduzida por Francisco Carmona são abordadas as razões profundas da doença do metical, a crise com os doadores, o efeito barão da droga, as casas de câmbio e as receitas tradicionais de
Bretton Woods para as economias terceiromundistas. Explicações incontornáveis para os pneus e as barricadas implantadas esta semana em Maputo.Pela importância dos temas não adoptámos para o presente texto a tradicional edição jornalística da entrevista, publicando-a na íntegra.
SAVANA – O país está a atravessar um período turbulento, de crescente desvalorização do Metical e uma inflação considerada alta. Como caracteriza essa evolução, e que fundamentos podem ser arrolados para explicar esta situação?
Dipac Jaintilal – Vejamos primeiro qual a conjuntura cambial e de preços no período mais recente: (i) Desvalorização do Metical (MT), ou seja a redução do valor da moeda nacional em relação a moedas externas: a taxa de câmbio do dólar americano (US$) em termos nominais, depois de ter-se estabilizado a volta de 27-28 meticais (MT) até a última semana de Outubro de 2009, teve um período de instabilidade e oscilações num sentido e noutro entre MT 27.5 a 31 até a primeira parte de Janeiro de 2010, até que se verificou uma certa estabilização no intervalo MT 28 a MT29 nos quatro meses seguintes. A partir de meados de Abril, em apenas dez dias, o US$ valoriza-se passando a ser cotado a MT 34 MT onde permanece. A partir da primeira semana de Junho, o US$ retoma a sua valorização passando para o nível de MT 37 em finais de Julho, para se aproximar dos MT 40 MT mais recentemente. Quanto ao Rand Sul-Africano (R), a taxa nominal, que tinha chegado ao nível mínimo de MT 2.2
MT, em finais de Outubro de 2008, vem-se gradualmente apreciando em relação à moeda nacional, em direcção ao nível de MT 5 a MT5.5 por cada Rand sul africano mais recentemente, o que representa um aumento para cerca de
250% a contar desde esse ponto mínimo, verificado menos de dois anos antes.
Imagine-se os impactos dessa acentuada desvalorização do metical no (ii) Aumento da Inflação, ou seja a redução do valor da moeda nacional em relação a produtos e serviços, mesmo que não seja o seu único factor explicador: Após a taxa de inflação homóloga do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), ou seja a taxa dos doze últimos meses; chegar ao pico anual de 13% em Fevereiro de 2008 (mês do “5 de Fevereiro”, ano de eleições municipais), o índice foi gradualmente baixando como resultado da decisão de manter administrativamente os preços de combustíveis. Este indicador em inícios de 2009 (ano de eleições presidenciais e parlamentares) estava ao nível de 6.5%, continuou a cair para chegar a menos de 2% até Outubro de 2009. Coincidindo com o fim das eleições, a taxa de inflação recomeça a subida, para chegar ao fim do ano, em apenas 2 meses ao patamar de 4.2%, saltando rapidamente para chegar a 16.1% em Julho deste ano, 2010 – após o reinício dos aumentos mensais do preço dos combustíveis. Dentro de um ano, a taxa de inflação subiu 15 pontos percentuais (p.p.), do mínimo de 1.1% em igual mês do ano anterior. Por outro lado, a nossa inflação, medida pelo IPC de Maputo, cujo cabaz dá naturalmente um peso importante aos produtos de consumo corrente, alimentar e não-alimentar, tem tido recentemente a mesma evolução que o IPC do País - média de Maputo, Beira e Nampula -, portanto estão todos em alta.
Verifica-se que cerca de 80% do aumento total de preços em finais de Julho passado, medidos pelo IPC, em cerca de 16%, resultam do aumento nos preços de produtos de consumo essenciais, incluindo o das camadas mais desfavorecidas, na classe de “Alimentação e Bebidas não-Alcoólicas” como batata, arroz, tomate, alface, frango vivo e carne, bem como os preços de querosene, ou petróleo de iluminação, entre outros – de facto, o impacto das altas de preços na classe de “Alimentação e Bebidas não-Alcoólicas” contribuiu com cerca de 13 p.p. nesses 16% de variação “homóloga”.
Em face deste comportamento do índice de preços, fica em princípio gorada a esperança de atingir o objectivo de inflação de um dígito (9%) no fim de 2010 previsto nos programas, tendo em conta as subidas usuais nos finais de ano, a não ser que aconteçam fenómenos verdadeiramente extraordinários, à escala mundial, o que não parece provável. Os salários dos últimos dois anos sofreram uma redução em termos reais, quer dizer, se tivermos em conta os aumentos dos preços
A DESVALORIZAÇÃO DO METICAL
Vejamos então alguns dos factores que tiveram impacto na expressiva desvalorização recente do Metical:
1. O arrastar durante várias semanas das diferenças entre os doadores e o Governo em matérias sensíveis sobre questões eleitorais, sobre a implementação da segunda vaga de reformas, em particular os relativos à ética, transparência e assuntos relacionados com a boa governação, tiveram efeitos gravosos ate a primeira parte de Janeiro, derivadas dos rumores acerca destas divergências no final do ano de 2009, e depois as noticias vindas ao lume em toda a imprensa nacional e internacional em Março e principio de Abril do corrente ano. Apesar do
Protocolo e Intenção assinado entre o Governo e os doadores, o impactos negativos na economia e na sociedade fizeram-se sentir de fortemente na desvalorização cambial a partir dos finais de Abril, altura em que a moeda nacional passou para o patamar de MT 34 por cada US$, para atingir MT 37 em fins de Julho e próximo dos MT 40 mais recentemente.
2. O posicionamento das autoridades em relação ao nível do Metical considerado mais adequado começou a mudar em finais de 2009, no final do período eleitoral, se bem que tivesse havido um esforço por parte do banco central de proceder a intervenções para que a desvalorização não ultrapassasse o nível de MT 30-31 por cada US$ no primeiro trimestre.
Com as negociações em Marco de 2010 com o FMI, com a definição do quadro macroeconómico do novo programa trienal designado por Instrumento de Apoio a Politicas - Policy Support Instrument (PSI) - , acentua-se a tendência desvalorizante do Metical, agora já incluída no quadro de uma política deliberada para apoio à retoma das exportações, inserta na Carta de Intenções assinada pelo Ministro das Finanças e o Governador do BM em 24 de Maio, após a visita da Missão do FMI em Março. Sabe-se que as instituições de Bretton Woods, que inclui o FMI e o Banco Mundial, receitam a desvalorização, que reduz os custos/preços dos inputs nacionais e aumenta os preços em moeda nacional dos bens exportáveis e importáveis (tradables), como forma de remunerar as exportações, induzindo ao seu aumento , bem como os investimentos estrangeiros, e encarecendo as importações, reduzindo assim a sua procura . Teoricamente, reduzindo as importações e elevando as exportações a balança comercial melhora, contribuindo para melhoria das reservas internacionais, assim como o valor do metical..
A questão que se coloca a muitos economistas é como a economia moçambicana reage a estes mecanismos de política cambial sendo certo que se verificam sérios constrangimentos do lado da oferta de bens produzidos na economia nacional. A microeconomia, nos últimos anos, enfrenta problemas estruturais que não foram superados.
Assistimos a uma - quebra das exportações em 2009, que agravou o défice da Balança Comercial (de mercadorias) e das Transacções Correntes (que inclui os serviços). Ora, isso deveu-se sobretudo à queda da procura internacional e de preços de vários dos produtos de exportação (alumínio, castanha, algodão, etc.) devido à crise internacional que veio ao de cima em finais de 2008, a começar nos EUA.
Assim, torna-se pouco provável que o instrumento da taxa de câmbio, por si só, tenha um efeito significativo na recuperação do anterior nível de exportação dado, em primeiro lugar as razões fundamentais da sua queda em valor e quantidade, e em segundo lugar dada à reduzida elasticidade da oferta interna de bens em relação à taxa de câmbio no nosso Pais, por vários motivos, entre os quais a rigidez da procura de importações de bens que o País não produz, incluindo os derivados do petróleo.
O Conselho de Administração do FMI aprovou o novo programa para Moçambique em Julho deste ano. Na sequência disso, tem havido uma gestão cambial acomodatícia em relação às depreciações sucessivas do metical nos mercados informal, terciário e secundário, incluindo o mercado primário gerido pelo Banco de Moçambique, como detentor das reservas internacionais de divisas do País.
3. Com o anúncio presidencial americano (de Obama) da designação de um empresário influente como “barão da droga”, retornaram ao de cima as constatações de pesquisas já antigas, de que Moçambique servia de um corredor internacional do narcotráfico de drogas. Este anúncio foi rapidamente acompanhado de oferta por parte dos EUA e da Polícia Internacional de ajuda a investigar casos relacionados com o narcotráfico e para trazer um certo controlo nas vias porosas do País, tanto de entrada/saída como de circulação de drogas. Neste ambiente de porosidade, ressurgiu o debate sobre de se as múltiplas casas de câmbio do País não estariam a facilitar a movimentação de forma diversa de fundos de alguns destes negócios ilícitos e de se os operadores do sistema cambial e financeiro não seriam um canal vulnerável para o branqueamento de capitais. Estes acontecimentos podem ter reduzido alguma oferta de divisas no mercado informal e terciário, e ao mesmo tempo aumentado a procura de dólares no mercado cambial e bancário, não necessariamente ou sempre para importações, mas sob a forma de fugas de capitais. Estas pressões tanto do lado da procura (aumento) como da oferta (redução) levam a que o dólar americano no mercado tenda a subir.
4.Uma tendência marcada da depreciação acentuada do metical induz ainda a um comportamento antecipatório por parte dos agentes económicos e das famílias que procuram criar reservas em moeda estrangeira, acentuando a sua procura imediata, e reduzindo a oferta, incluindo dos exportadores que procuram reter ao máximo as divisas que possuem nos fundos consignados que resultam das suas exportações. Essa tendência como é óbvio, não ajuda na estabilização do valor da moeda, antes pelo contrário.
5. Refira-se ainda os efeitos psicológicos, e nas expectativas actuais e futuras dos agentes económicos, da recente submissão a discussão de um regulamento da Lei Cambial, que segundo algumas declarações, podem provocar mudanças na atitude do regulador, para a extinção ou controle restritivo de certas operações da parte dos operadores do mercado cambial, e quanto à obrigatoriedade da moeda de facturação ser ou não o Metical (vs. Dólar ou Rand). Estas mudanças viriam a ocorrer pouco tempo depois de as autoridades cambiais terem concedido publicamente que não havia condições para tornar obrigatória a facturação do universo total de bens e, particularmente de serviços, em moeda nacional. Uma parte dos efeitos acima mencionados pode ser mais um motivo para a “secagem” de algumas fontes de divisas, e para dificultar a estabilização da moeda.
O RAND E O DÓLAR
Quanto ao valor do Rand: no mercado internacional, o dólar americano permite adquirir cerca de 7.3 Rands. Em tempos mais recentes, o dólar americano tem oscilado num intervalo relativamente estreito entre 7.1 e 7.6 Rands, pelo que a desvalorização do Metical face ao Rand resulta das repercussões automáticas que tem a desvalorização do MT face ao dólar, tenha perdido o peso que teve (por exemplo, nos anos anteriores a 2010, em que o Rand tinha vindo a apreciar-se em relação ao US$ de uma forma mais ou menos consistente desde o pico mais recente atingido em finais de Outubro de 2008 em que o US$ chegou a comprar mais de 11 Rands. Em análise retrospectiva de médio prazo, isso equivaleu a uma apreciação do Rand de cerca de 36% em relação ao Dólar).
Há, no entanto, um efeito inflacionário indubitável e rápido da desvalorização do Metical face ao Dólar (e em consequência em relação ao Rand) comprovado por estudos técnicos sobre o assunto com mais de uma década, que certamente são do conhecimento das autoridades. Esses efeitos intensificaram-se pela conjugação com os efeitos inflacionários do aumento do preço dos combustíveis, retomado nos últimos meses. Este é o segundo mais importante factor inflacionário e que já estava previsto no programa macroeconómico mencionado para reverter a fixação por um longo período dos preços dos combustíveis, enquanto que uma parte dos mais recentes factores conjunturais eram menos previsíveis.
Não se deve esquecer ainda, nestas circunstâncias, dum “efeito de ricochete” com um sentido ascendente, entre a desvalorização e a inflação, na medida em que a alta de preços reduz o valor externo real da moeda, medido pela taxa de câmbio (efectiva) real. Este efeito de ‘feedback’ pode agravar as tendências verificadas, caso não se controle o ritmo e a magnitude de desvalorização a que se tem assistido.
S – Qual o peso real dos efeitos da Crise Internacional, ou seja, quão importantes são os factores externos para explicar a situação presente?
DJ – Sobre os efeitos no País, da crise internacional iniciada nos finais de 2008, que gerou efeitos directos na inflação e nas taxa de câmbio, e no crescimento económico de muitos países, pode-se dizer que:
1. a taxa de inflação foi beneficiaria da crise, tendo a mesma caído para um mínimo há um ano atrás, em Julho de 2009 para o recorde da taxa homóloga anual de 1.1%, porquanto beneficiou da queda dos preços internacionais de alimentares e da queda dos preços dos produtos petrolíferos – estes situaram-se abaixo dos níveis de 2005, e antes das grandes altas verificadas até fins de 2008; De registar que a baixa da taxa de inflação continuou até a segunda metade do ano de 2009, e foi ainda influenciada, neste ano, pelo referido congelamento administrativo do preço dos combustíveis no mercado interno, com a manutenção de onerosos subsídios que o País não dispõe, através das gasolineiras, num ano de eleições presidenciais de parlamentares - a eleição mais importante dos últimos cinco anos. Os subsídios (gasolineiros) começaram a ser reduzidos no ultimo trimestre, após a reversão da política no âmbito do novo programa PSI com o FMI ;
2 . a taxa de câmbio efectiva real do Metical depreciou-se em 2009, revertendo totalmente a apreciação verificada em 2008, o que foi outro efeito positivo no cenário macroeconómico de curto prazo, embora tenha gerado distorções que não será fácil de rectificar e que toda a economia e a sociedade já estão a pagar, a partir de fins de Maio corrente;
3. o efeito mais pernicioso foi o da deterioração do défice da balança comercial e de transacções correntes em 2009, por via da redução das exportações, por causa da queda importante nos preços do mercado internacional, e da sua procura em quantidade; Há uma previsão de uma recuperação das exportações em 2010, mesmo que se preveja que em% do PIB o défice da balança comercial não venha a melhorar devido ao aumento previsto das importações - é prevê-se o aumento do preços dos produtos petrolíferos - o preço do barril de crude situa-se agora em cerca de US$ 75 a 76 oscilando entre 65 e 85 US$ nos últimos meses;
4. outro efeito negativo, a queda dos fluxos de capitais privados estrangeiros, apenas seguiu a tendência iniciada no ano anterior, em 2008;
5 . no que diz respeito as Reservas Brutas Internacionais, o ano de 2009 terminou com níveis elevados de cerca de US$ 2 mil milhões, correspondentes a 5 a 6 meses de importação (do ano), as Reservas Internacionais sofrem um desgaste em 2010, para fazer face as necessidades, num período difícil.
Em suma, há importantes efeitos da crise internacional nas exportações, mas a recente alta de preços e desvalorização rápida não se devem essencialmente aos efeitos desta crise. Pelo contrário, o pressuposto para as mudanças recentes de política macroeconómica pelas autoridades e o FMI foi precisamente de que, porque a crise internacional já estaria a passar - o oposto do argumento da crise, note-se -, então seria necessário reverter a política expansionista – fiscal, monetária e creditícia - do ano de 2009 que teve por objectivo reduzir os impactos dela ao nível interno.
S – Quais os pressupostos da actual política macroeconómica, e quais os seus traços mais salientes?
DJ – A propósito do pressuposto da ultrapassagem da crise, isto é, que estamos no fim da crise internacional (o que nem todos os economistas à escala mundial estão de acordo) e apenas resta um rescaldo pouco importante para o desenho de políticas, como contido no actual programa económico do País. Na realidade a crise no sistema internacional, vinda ao lume em 2008, é considerada bem profunda por conceituados cientistas da área económica, e não só, , e de longa duração. Alguns dos melhores economistas incluindo os prémios Nobel J. Stiglitz e P. Krugman, prevêem cenários internacionais de curto prazo de tipo W, ou de dupla recessão, quando não mesmo múltiplas recessões, intermediadas por ligeiras melhorias, passageiras. Veja-se os sinais de novas perturbações no mercado imobiliário nos EUA e noutros segmentos da economia real, e a da taxa elevada de desemprego dois dígitos – o mercado de trabalho de facto nunca recuperou nos últimos 2 anos.
Por outro lado, economistas divergem quanto às políticas contraccionistas, de rigor e disciplina orçamental, de contenção da dívida pública interna, que as economias europeias estão a levar a cabo – na tentativa de defender a moeda única e a zona do Euro - podem agravar a crise (como alertado por Stiglitz. Outros economistas defendem que não se deve continuar a manter indefinidamente as políticas expansionistas, por isso gerar o crescimento insustentável da dívida. .À excepção da Alemanha e de alguns países Nórdicos, os países da União Europeia vivem momentos difíceis, em particular nos chamados PIIGS – Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. O Japão continua estagnado. Os EUA reviram em baixa o crescimento do último trimestre para 1.6%, o que é insuficiente para reduzir o desemprego que continuava elevadíssimo. Enquanto não se verificar a retoma nesses países, com repercussões no resto das economias do mundo, não facilitando recuperações que se estavam a ensaiar em algumas dessas economias. Como excepção, talvez se possa referenciar o que esta a acontecer nos mais dinâmicos países “emergentes” como a China, o Brasil e a Índia, que mantêm vigorosas taxas de crescimento e excedentes consideráveis nas suas balanças de pagamento, o suficiente para se tornarem nos grandes credores do sistema financeiro global.
Alguns economistas moçambicanos de renome, vêm com muita apreensão o cenário de curto e médio prazo da economia moçambicana, não apenas pelos efeitos nefastos do prolongar da crise mundial como também pela excessiva depreciação da moeda nacional, sem que haja recursos alternativos e num ambiente menos bom que ainda se vive com os principais doadores e financiadores da nossa economia. O futuro de longo prazo pode ser brilhante, mas o que conta para as famílias e para os agentes económicos é o curto prazo. E, com a depreciação tão acelerada como aquela a que temos assistido nas últimas semanas, praticamente todas as empresas, incluindo bancos, quando fizerem a análise dos respectivos activos em moeda estrangeira vão registar prejuízos igualmente expressivos. Isso pode ter efeitos no ciclo seguinte, de maior contenção nos investimentos.
Por isso, é fundamental a rápida estabilização da moeda nacional, para restabelecer a confiança na moeda nacional. Medidas monetárias e cambiais apenas não surtirão efeito. Parece ser urgente concentrar esforços na alteração fundamental da nossa economia, que já está identificada há anos.
A aposta continua a ser na estruturação e apoio contínuo e consistente aos diversos sectores produtivos da nossa microeconomia. As empresas micro, pequenas e médias empresas possuem reservas potenciais para sustentar o rápido crescimento da produção nacional e das exportações. Os investimentos de grandes projectos são necessários, mas no essencial eles não dependem de nós. Sem crescimento das empresas nacionais será difícil sustentar o tecido económico do País e assegurar o emprego de forma crescente, canalizar o ímpeto da juventude para actividades produtivas e assim assegurar a paz e a tranquilidade social.
SAVANA -03.09.2010
Novela dos mega projectos
Governo reitera o seu não à renegociação dos contratos
Por Emídio Beúla
O que há mais de cinco anos era assunto de académicos enclausurados na universidade e/ou ligados 1 instituições de pesquisa científica, hoje tomou-se num apaixonante debate que arrasta
políticos, governantes e instituições financeiras internacionais: a questão da renegociação dos contractos com os mega projectos. A recente aparição pública do governador do Banco de Moçambique a reivindicar a necessidade efe se aumentar a tributação dos mega projectos para o bem da economia nacional parecia ensaiar um novo posicionamento do executivo. Debalde. Em declarações esta segunda-feira ao SAVANA , o ministro da Planificação e Desenvolvimento afastou qualquer possibilidade de renegociação dos contratos firmados pelo Governo e os mega projectos em sede da anterior legislação que tornava Moçambique num apetecível paraíso fiscal para o grande capital estrangeiro.
políticos, governantes e instituições financeiras internacionais: a questão da renegociação dos contractos com os mega projectos. A recente aparição pública do governador do Banco de Moçambique a reivindicar a necessidade efe se aumentar a tributação dos mega projectos para o bem da economia nacional parecia ensaiar um novo posicionamento do executivo. Debalde. Em declarações esta segunda-feira ao SAVANA , o ministro da Planificação e Desenvolvimento afastou qualquer possibilidade de renegociação dos contratos firmados pelo Governo e os mega projectos em sede da anterior legislação que tornava Moçambique num apetecível paraíso fiscal para o grande capital estrangeiro.
O quadro legal que regula as contribuições fiscais das empresas dos sectores mineiro e petrolífero foi revisto e actualizado em 2007 tendo se eliminado um conjunto de benefícios fiscais. Trata-se das leis 12 e 13/2007, respectivamente a lei de minas e a de petróleos. Volvidos dois anos, o executivo procedeu à actualização do Código dos Benefícios Fiscais (lei 4/2009) com o mesmo objectivo de diminuir as facilidades fiscais previstas para as multinacionais com projectos de exploração de recursos minerais e petrolíferos no país.
Porém, grande parte dos contratos em vigor foram assinados antes de 2007, isto é, à luz da anterior legislação. São disso exemplos os contratos assinados com a Mozal, a Sasol, a Kenmare e a Vale Moçambique, multinacionais que gozam de largas concessões fiscais. É sobre este grupo de firmas que incidem as críticas de académicos e alguns políticos no sentido de aumentarem a sua contribuição para o tesouro.
Dados divulgados pelo Governo em 2010 indicam que os mega projectos licenciados em Moçambique já mobilizaram para o país cerca de 9,82 biliões de dólares norte-americanos (USD). Maior parte desse montante provê de investimentos e das exportações realizadas até finais de ano passado. Devido á desarticulação da base produtiva nacional aliada à incapacidade de substituir importações de bens de consumo e extremas facilidades capita estrangeiro de grande escala, a economia moçambicana não consegue reter essa riqueza que ela mesma gera.
Do contexto ao medo de nervosismos
A explicação oficial para a concessão de benefícios fiscais é o contexto de pós-conftito armado em que Moçambique se encontrava, o que tornava necessário anexar ao país uma imagem de "bom destino de grandes investimentos internacionais”.
- 0 que temos vindo a dizer é que a Mozal, por exemplo, entrou num contexto completamente diferente das outras empresas e encontrou uma lei também diferente da actual", disse ao SAVANA Aiuba Cuereneia, ministro da Planificação e Desenvolvimento.
A actual legislação sobre recursos minerais e petrolíferos deixa tão descansado o ministro Cuereneia que nem pensa em renegociar os contractos decididos em sede da anterior legislação.
O Governo não pode a todo o momento estar a fazer a revisão da legislação dos contratos que tem com as empresas, porque isso pode criar outros problemas de nervosismo e stress em relação aos outros investidores', explicou os receios.
Acrescentou ainda que "a nova lei prevê entradas mais substanciais de impostos destas empresas para o tesouro do Estado".
A mineradora australiana Riversdale é o exemplo recorrente de Aiuba Cuereneia de multinacionais que entraram no mercado nacional depois da revisão do quadro legal do sector.
Esta multinacional não beneficia das mesmas facilidades fiscais aplicadas às outras cujos contratos são anteriores a 2007. A actual lei è sustentável, pois traz benefícios ao país e julgamos que ela também beneficia os moçambicanos”, disse.
Renegociações nas renovações e/ou expansão
Havendo situações em que nós achamos que estamos numa posição de injustiça tem de se negociar. Mas são negociações e não podemos obrigar nada. Nós somos um Estado sério e se fizéssemos o contrário ninguém mais acreditava em nós”, respondia Manuel Chang, Ministro das Finanças, em entrevista ao SAVANA em 2010 (edição de 21 de Maio).
Depois de explicar que o Governo reviu a legislação sobre os petróleos e minas por ter concluído que tinha chegado o momento de reduzir os benéficos fiscais para os mega projectos. Chang deixou claro que não era de interesse do executivo revisitar os contratos assinados antes da actualização da legislação.
'Quanto aos mega projectos que apanharam mais benefícios, de facto sé podemos negociar ou rever as condições quando há renovações ou quando há expansões. Havendo uma expansão das actividades, aí temos que rever as condições porque, já alterou a legislação. É isso que está estabelecido"; explicou.
O ministro das Finanças disse ainda que não eram todos os mega projectos que estavam "numa situação de não apoio (ao orçamento)”. Citou o caso da HCB, como exemplo de megaprojecto com enorme contribuição. 'Ela tem 10% de taxa de concessão sobre o volume de vendas brutos, e depois paga todos os outros impostos”.
“Não podemos continuar toda a vida a repetir as coisas por causa de uma situação que, em termos políticos, já passou”, disse a fechar o debate.
Que dizem os académicos
Em longa entrevista a este semanário (edições de 3 e 10 de Setembro de 2010), o economista e docente universitário Dipac Jaintilal explicava que os acordos foram assinados num contexto muito particular do País em que no pós-guerra era necessário atrair investimentos de vulto. Contudo, defende que seria 'moralizante' que em função dos problemáticos défices orçamentais e dos efeitos da crise internacional, que o Governo tomasse a iniciativa de encetar um diálogo com alguns dos mega-projectos como a Mozal, Sasol, Kenmare e a Vale Moçambique com o fim de se acordar uma maior contribuição desses nas receitas públicas. "Até porque a estabilidade social e económica do país é do interesse directo destas empresas”, acrescentou, indicando que isso se faz em todo o mundo, como aconteceu há pouco na América Latina nos acordos sobre o gás que é exportado para o Brasil.
Carlos Nuno Castel-Branco, outro economista e docente universitáro explicava a posição do Governo em não renegociar os contratos com os mega projectos do ponto de vista de compreensão política do processo de acumulação de capital. Primeiro porque “os governantes, eles próprios, estavam envolvidos como accionistas nestas empresas".
Segundo porque “no nosso Governo, infelizmente, e ao nível mais alto, há enorme incompetência que gera medo de tomar decisões. Alguns destes (governantes) mesmo honestamente, pensam que não è possível fazer estas coisas E aqueles que sabem que é possível não querem".
Na entrevista ao SAVANA (edição de 8 de Outubro de 2010), o economista fez referência da existência de cláusulas que prevêem a renegociação dos contratos e "que levantam encargos para o Estado se os contratos forem modificados em prejuízo da empresa".
Castel-Branco defendia ainda a criação de uma base técnica e política que permitisse a modificação dos contratos. Para ele, Moçambique não seria o primeiro caso. Citou como exemplos a Libéria, Zâmbia, Gana e Costa de Marfim, países onde houve um reconhecimento oficial de que os contratos com multinacionais eram altamente negativos para as economias nacionais.
"Será que a Mozal, a Sasol, a Kenmare e o Vale, vão prosperar num ambiente de instabilidade, de descontentamento de greves, de manifestações?”, questionou, para depois acrescentar elas devem contribuir para a estabilidade política e económica do país, assumindo responsabilidade fiscal.
SAVANA – 18.02.2011
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