Ogrosso de deslocados da
reedição, em 2016, do
conflito político-militar
entre o Governo e a Renamo,
maior partido da oposição,
na província de Manica, estão indecisos
quanto ao regresso às suas
casas, muitas das quais em zonas
severamente atingidas por hostilidades
militares, após três meses da
vigência da trégua, que assiste um
segundo prolongamento de dois
meses até 4 de Maio.
Com profundos relatos saudosos,
algumas vítimas do conflito, que
desta vez exteriorizou mais o ódio
político, afirmam que não vão regressar
mais à origem, por recear
uma outra eclosão das hostilidades,
preferindo instalar-se de forma de-
finitiva nos centros de acomodação.
“Pensar em voltar, não, eu já não
consigo voltar”, diz com precisão
Maria Jerónimo, uma deslocada no
campo de acomodação de Vanduzi,
desde Setembro de 2016, com 10
membros da família, justificando
que pode não conseguir repetir a
sorte que teve de escapar da guerra,
em caso de uma nova eclosão.
Muito simpática com o apoio do
Governo, largamente criticado entre
os deslocados, Maria afiança
que seria trabalhoso ter de reintegrar
as crianças nas escolas de
Nhamatema (Báruè), de onde fugiu
com seus parentes, uma zona
que tem ressuscitado desde o início
de Fevereiro.
Fátima Mateus, outra vítima, repete
copiosamente a justificação de
Jerónimo e, mesmo sem perspectivas
de ter um terreno para uma
instalação definitiva, ela assegura
que não pretende regressar à casa,
mesmo depois de se alcançar uma
paz definitiva entre as partes beligerantes.
“É que nós não sabemos o que pensam
esses políticos”, declarou Fátima
Mateus, que ainda é fustigada
por lembranças de boa vida deixada
para trás devido à guerra, perante
uma crítica situação da fome e falta
de água no campo de deslocados de
Vanduzi.
Uma nuvem escura no ar atormenta
Fátima Mateus, por sua tenda
estar a admitir água, um desespero
que desce em cascata para os seis
membros da família que partilham
uma minúscula tenda de aproximadamente
quatro metros quadrados.
Um outro grupo se opõe às motiva-
ções para uma instalação definitiva
nas tendas e busca oportunidades
para regressar, mas avisa que há
necessidade de um acordo de paz
entre as partes, para que sejam criadas
as condições de segurança para
o seu retorno, por considerar desumano
o estilo de vida nos centros
de acomodação.
António Fan e Abel João fugiram
da mesma zona do Púnguè sul em
Fevereiro. Fan diz que mesmo com
um acordo de paz não pensa em regressar
mais à origem, porque ficou
traumatizado com as hostilidades
militares durante o conflito, além
de não conhecer as intenções dos
políticos com os acordos de Paz.
Já Abel João está a preparar o regresso
à casa, porque a vida confi-
nada nas tendas do campo de acomodação
não se adequa aos seus
objectivos de produzir alimentos e
dar uma vida melhor à sua família
de seis membros, albergada numa
tenda do centro.
“Se o acordo for mesmo alcançado,
eu vou regressar à casa, porque não
estou habituado a uma vida confi-
nada”, disse Abel João, apontando
com a mão as “vidas acabadas” no centro devido à falta de perspectivas.
Não existem estatísticas oficiais do
número de deslocados que deixaram
os centros de acomodação para
regressarem as suas casas, mas vá-
rias tendas nos seis centros de acomodação
instalados pelo Governo,
através do Instituto Nacional de
Gestão de Calamidades (INGC),
estão vazias.
Em Vanduzi, as entradas de pico
foram em Outubro, quando durante
duas semanas da abertura do
centro registou-se 1.016 deslocados
oriundos de 11 zonas, perfazendo
125 famílias, até 21 de Outubro de
2016. Esta semana, foram contabilizados
583 deslocados de guerra
no centro de Vanduzi.
Os gestores do centro de acomodação
de Vanduzi, o terceiro maior
centro que aloja deslocados de
guerra em Manica, afirmam que
muitos dos deslocados estão indecisos
em regressar à casa, mas o
grosso esta dividido entre ficar e
sair das tendas.
“Aqui temos algumas pessoas, que
com essa trégua voltaram para os
seus trabalhos e outros foram organizar
as suas casas, para quando for
alcançado um acordo de paz, possam
voltar a viver lá”, disse Domingo
Janeiro, líder das tendas, afian-
çando que outro grupo de pessoas
“está a dizer não, já não queremos
voltar porque podemos repetir o
sofrimento por duas vezes, pois não
sabemos o que pensam os políticos,
podem querer repetir a guerra”.
Ao que apurou o SAVANA de
outros deslocados no local, muitos
estão a ser aliciados para não regressarem,
supostamente para não
voltarem a dar sustento aos guerrilheiros
da Renamo nas suas comunidades.
Outros não regressam, sob
promessa de serem usados nas pró-
ximas eleições autárquicas e gerais.
Moçambique vive o primeiro período,
de mais um prolongamento
de 60 dias, até 4 de Maio, da tré-
gua declarada pelo líder da Renamo,
Afonso Dhlakama, dando fim
às hostilidades militares na região
centro de Moçambique.
Abandonado
Pelo menos 87% dos deslocados integrados
num plano agrário estatal,
para sua independência alimentar,
abandonaram a iniciativa no campo
de Vanduzi, em Manica, centro de
Moçambique, por considerar “mal
concebida”.
As vítimas do conflito político-
-militar entre o Governo e a Renamo
receberam porções de um
hectare de terra por família para
produzir comida e combater fome
nas vésperas da campanha agrícola
2016/17, mas só receberam sementes
este mês, já na fase de colheitas,
explicou Domingo Janeiro, gestor
do centro.
No total, 79 famílias, que perfazem
583 deslocados, actualmente
no centro de acomodação de Vanduzi,
receberam terra para prática
da agricultura entre Outubro a
Dezembro, para suprir o défice e
criar independência alimentar na
comida distribuída pelo Instituto
Nacional de Gestão de Calamidades
(INGC). Entretanto, 69 famí-
lias abandonaram o plano este mês,
ao concluir que a iniciativa foi “mal
concebida”.
“Das 79 famílias que tinham recebido
machambas, 69 abandonaram
o plano de produzir por causa da
distância aos campos (quintas) e
também por falta de sementes e
distribuição tardia de sementes
pelo Governo”, disse Domingo Janeiro,
sustentando que a semente
só chegou na semana passada aos
deslocados, já fora da época para
agricultura de sequeiro.
Os deslocados entendem que as
oito horas diárias que percorrem
entre o centro de acomodação aos
campos de cultivo e a distribuição,
pelo Governo, de semente fora da
época, tornam insustentável a campanha
de produção, o que seria um
esforço em vão, e apelam que o Governo
reveja a sua política de apoio
ao grupo.
O responsável do centro disse que
as nove famílias – uma família regressou
a origem - que prometeram
continuar com o plano estatal, receberam,
semana passada, do Governo,
10 quilogramas de sementes de
cereais e leguminosas para lançar à
terra, quando já iniciou a colheita
de parte destas culturas.
As restantes 69 famílias que desistiram
do plano, disse Domingo
Janeiro, receberam três quilos de
sementes, para que desenrasquem
novos campos e façam a produção,
apesar da iminência da fome aguda.
“A fome ainda assola de forma severa
os deslocados”, declarou Domingo
Janeiro, considerando também
que, com a distribuição tardia
das sementes, não se pode esperar
nenhuma produção, sobretudo de
milho, o que faz com que os deslocados
tenham ainda dependência
única do apoio do Governo.
A última distribuição de alimento
foi feita a 15 de Fevereiro e até
24 de Março os deslocados não
haviam sido reabastecidos pelo
programa de apoio do INGC, que
também não disponibiliza água aos
deslocados há mais de um mês.
Entretanto, os deslocados justi-
ficam a desistência com a inconsistência
do programa agrário do
Governo, que apenas gastaria a sua
força, sem resultados produtivos, e
apelam para iniciativas sustentáveis
na busca pela sua independência
alimentar.
Maria Jerónimo, que continua no
plano estatal, e Fátima Mateus, que
desistiu da iniciativa, são unânimes
em afirmar que, fora da época
para agricultura de sequeiro, nada
se pode esperar como produção. O
Governo, através do IN
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