Isto
é uma tragédia! De facto, isto é uma tragédia! Foi com estas palavras
que Rui Baltazar deixou, ontem, a sua visão sobre o sistema político
nacional. Membro do governo de transição,
entre 1974 e 1975, e antigo presidente do Conselho Constitucional, Rui
Baltazar vê a política nacional com desconfiança. Diz ser vergonhoso o
que acontece nos processos eleitorais, criticando a disputa pelo poder.
“A filosofia de que o poder é para servir o povo foi substituída pelo
sentimento de que é necessário chegar ao poder para ter privilégios ou
benefícios”, disse Rui Baltazar, para quem os ideais que deviam inspirar
os partidos, “que têm a ver com a solidariedade, com o sacrifício para o
bem comum, isso foi se perdendo no nosso país, se é que alguma vez
existiu, e começa a olhar-se para o poder, fundamentalmente, como fonte
de benefício”.
Por
outro lado, Baltazar diz que, enquanto não houver medidas concretas de
punição para os que viciam resultados eleitorais, os processos de
escrutínio serão sempre caracterizados por fraudes. Para Rui Baltazar,
os que cometem ilícitos eleitorais são criminosos e deviam ser tratados
como qualquer um que infringe a lei. “Quanto mais se transige com o
ilícito eleitoral, mais ele se torna normal, banal e menos seriedade nós
podemos esperar dos processos eleitorais. Há aqui qualquer coisa que
deve ser feita, para pôr fim a esta impunidade. É um crime tão grave
quanto outro qualquer crime. Devemos olhar para os autores destes
ilícitos eleitorais como criminosos, como delinquentes,
independentemente do partido a que pertencem”, alertou.
Baltazar
realçou a necessidade de os partidos políticos definirem planos
políticos concretos e não viverem num ambiente hostil, tal como tem
acontecido. Diz, também, que é natural que no sistema político exista
luta pelo poder, mas tal deve ser para o benefício do povo. “Lutar para
ganhar, sim, não para obter benefícios pessoais, mas para desenvolver o
país e melhorar as condições do nosso povo. E é preciso que os partidos
se envergonhem de ter membros ou simpatizantes seus que cometem ilícitos
eleitorais, serem os primeiros a denunciá-los, por mais doloroso que
seja fazê-lo”, disse Rui Baltazar.
O
antigo governante falava, ontem, no encontro que visava reflectir sobre
as fragilidades da Lei Eleitoral, evento organizado pelo conjuntamente
pelo Instituto para Democracia Multipartidária (IMD), Comissão da
Administração Pública e Poder Local da Assembleia da República e pela
Associação de Parlamentares Europeus com África.
Baltazar reconhece limitações no Conselho Constitucional
O
também antigo ministro da Justiça, Rui Baltazar, reconheceu, no
encontro de reflexão sobre a legislação eleitoral, a existência de
limitações no Conselho Constitucional, órgão de que foi presidente,
entre 2003 e 2009. Baltazar diz que este órgão de administração da
justiça esteve, durante o período em que dirigiu a instituição, mais
para atender a questões prévias e não era flexível às dinâmicas da
política nacional. Aliás, Rui Baltazar diz que, até aos dias que correm,
o Conselho Constitucional funciona longe da realidade. “Como órgão de
recurso e de última instância, funciona longe da realidade. Ele julga
com base, exclusivamente, nos documentos que chegam às suas mãos, e isso
já é uma limitação que dificilmente poderá ser superada. É preciso
arranjar mecanismos que sintonizem o Conselho Constitucional com os
problemas e realidades concretas resultantes do processo eleitoral, de
modo a que haja uma justiça real”, referiu Baltazar. O antigo presidente
do Conselho Constitucional diz que todas as instituições ligadas à
justiça no país devem garantir o respeito pela lei e lutar para que seja
construído um verdadeiro sistema político.
Instituições do Estado devem ser independentes
Já
o académico Severino Ngoenha diz que as instituições do Estado devem
ser fortes e independentes, para que os processos eleitorais não criem
conflitos. Para este painelista no encontro de ontem, que visava
reflectir sobre os problemas da Lei Eleitoral, as comunidades devem ser
mais envolvidas nas actividades políticas do país, incluindo na
resolução dos problemas.
No
evento, que juntou deputados da Assembleia da República, representantes
de partidos extraparlamentares, Comissão Nacional de Eleições,
académicos e organizações da sociedade civil, Ngoenha realçou que a
democracia é uma construção contínua, mas diz haver, no país, uma
resistência em aceitar mudanças. “Se as instituições não forem fortes e
independentes, vamos, a cada momento de preparação das eleições,
encontrar o mesmo espectro de problemas e de conflitos que podem
levar-nos a períodos de paz curtos, para depois pegarmos em armas, o que
tem sido um autêntico desastre”, disse Ngoenha.
António Amélia diz que é inevitável rever-se a legislação eleitoral
A
menos de dois anos para a realização das eleições autárquicas e a menos
de três para as gerais, o primeiro vice-presidente da Assembleia da
República, António Amélia, referiu-se à pertinência de debates sobre a
legislação eleitoral. Reconheceu haver necessidade da revisão do
instrumento, dados os conflitos que gerou nas últimas eleições. “inevitavelmente,
vai ter que acontecer, sim, uma revisão, porém, é preciso entender que
fazer revisão não significa necessariamente alterar a lei, mas sim
avaliar-se se ela pode permanecer como está, a analisar pelas reacções
que fomos colhendo após as últimas eleições”, explicou António Amélia.
O
evento visava, também, produzir recomendações para as próximas
eleições, tal como explicou Hermenegildo Mulhovo, do instituto para
democracia multipartidária, que organizou o evento.
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