Nem a passagem de blindados ou sequer uma região reconvertida em zona de guerra, no centro de Moçambique, impedem dezenas de rapazes de agitar garrafas plásticas de litro e meio com sura, uma bebida tradicional alcoólica de palmeiras silvestres.
"Sura, vinte meticais [35 cêntimos de euro]", repete, gritando, Fonseca Djoco, 11 anos, enquanto percorre em passo de corrida as janelas de carros em marcha lenta na zona do rio Ripembe, na N1, no troço Save-Muxúnguè, província de Sofala, a zona mais atingida pelo conflito militar que voltou a flagelar o centro do país e sujeita a escoltas militares obrigatórias para viaturas civis.
"Vende-se sura", anuncia uma chapa à chegada ao rio Ripembe, cuja estrutura metálica da ponte só permite a passagem de uma viatura de cada vez, e que se segue a um pedaço de estrada esburacada, tornando vagarosa a marcha, uma circunstância má para quem viaja e excelente para os miúdos despacharem a sura.
Mas também um ensejo para ataques armados, tornando a ocasião insegura para todos, quando têm sido registadas emboscadas nas principais estradas do centro de Moçambique, atribuídas a homens da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), que exige governar nas seis províncias onde revindica vitoria eleitoral.
"Temos vendido muita sura. Até 40 ou 60 litros por dia. Motoristas e passageiros compram, e muitas vezes, vendemos também para os militares [estatais] quando estão de folga", explica à Lusa Tair Ricardo, 13 anos, com olhos fixos em dois recipientes vazios, que dantes levavam água mineral e que será "take away" da bebida tradicional.
Ladeados de militares governamentais, que têm uma posição no rio Ripembe, para impedir eventuais ataques de homens armados, os miúdos observam, porém, que o "bazar da sura" fica fantasma quando os tiros começam.
"Fugimos quando há tiros. Porque nós vendemos só durante a passagem quatro vezes por dia das colunas, e, às vezes, não vendemos porque há ataques" precisou Rebeca Saundene, a única rapariga que desafia um lugar no negócio.
A venda de sura no local é recente. Mas nem o reinício das confrontações nem a reativação das escoltas militares no troço Save-Muxúnguè conseguem parar a iniciativa, que sustenta, nesta época, dezenas de famílias da região.
"Os clientes já não param para comprar porque estão na escolta, só abrandam a marcha e nós vendemos a correr. Fazemos muita ginástica para vender e nem sempre conseguimos o necessário", descreve à Lusa Tair Ricardo.
O bazar da sura esta bem defronte a uma viatura queimada e já bem enferrujada, resultado do primeiro tiro dos ataques na N1, anterior crise entre 2013 e setembro de 2014.
O cenário de guerra permanece, pelas carcaças queimadas, forte presença de tropas do governo e ameaça de emboscadas da oposição, mas não distrai a busca pelos clientes pelos vendedores de sura.
As Forças de Defesa e Segurança reativaram há quase um mês as colunas de escoltas obrigatórias na N1, a principal estrada de Moçambique, no troço Save-Muxúnguè, e num segundo troço, Nhamapadza-Caia, para repelir os ataques de homens armados, após a ala militar da Renamo ter anunciado a pretensão de implantar controlos nas principais vias das províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambézia.
Pelo menos três posições militares e acampamentos com blindados do exército foram montados no troço Save-Muxúnguè, sobretudo em Zove e Ripembe, onde nas últimas semanas foram metralhadas por três vezes as colunas escoltadas pelo exército.
Os novos ataques iniciaram-se a 11 de fevereiro, segundo a Polícia de Sofala, e, até ao fim do mês, foram registados 23 incidentes militares, com mortos e feridos, nesta província
AYAC // PJA
Lusa – 12.03.2016
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