Alemanha diz que os documentos "provavelmente são autênticos", mas há especialistas que apontam erros e inconsistências nos termos usados.
Milhares de nomes e outras informações importantes sobre pessoas que podem estar ligadas à organização terrorista Estado Islâmico foram divulgados esta semana por jornais e televisões na Síria, na Alemanha e no Reino Unido. O ministro do Interior alemão disse que os documentos "provavelmente são autênticos", mas pelo menos um especialista independente suspeita que foram criados para serem vendidos a jornalistas na fronteira entre a Turquia e a Síria.
A notícia com mais impacto foi publicada esta quinta-feira pelo canal britânico Sky News, que diz ter obtido documentos com quase 22 mil nomes de pessoas naturais de 51 países, entre supostos combatentes, familiares, recrutadores e contactos que ajudaram nas viagens para a Síria e para o Iraque.
Não se sabe se esta montanha de documentos é exactamente a mesma que foi referida na segunda-feira pelo jornal Süddeutsche Zeitung e pelos canais NDR e WDR, todos alemães, e na terça-feira pelo site de notícias sírio Zaman Al-Wasl, ligado à oposição contra o regime de Bashar al-Assad. O que se sabe é que todos falam na existência de um questionário com 23 perguntas, mas osite sírio diz que os documentos revelam os nomes de 1746 combatentes do Estado Islâmico provenientes de 40 países.
Segundo o Zaman Al-Wasl, a maioria destes 1746 supostos combatentes do Estado Islâmico são sauditas, tunisinos, marroquinos e egípcios, e o país europeu mais representado é a França. Nenhuma das notícias faz referência à existência de nomes relacionados com Portugal, mas a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, disse que "as autoridades portuguesas estão naturalmente a trabalhar com as suas congéneres para analisar não só a veracidade dessa lista, como o seu conteúdo".
"Todos sabemos que existem alguns nomes de lusodescendentes que aderiram às fileiras do Daesh e que estão perfeitamente monitorizados pelas nossas autoridades, e portanto aí não há nenhuma novidade que possamos esperar", disse a ministra à margem de uma reunião de ministros do Interior da União Europeia, citada pela agência Lusa. "Neste momento, a informação que eu tenho é que as autoridades portuguesas têm acesso a essa lista, e estão neste momento a analisar."
Segundo o canal Sky News, os documentos são uma espécie de formulários de candidatura ao Estado Islâmico, com 23 campos – há informações óbvias como nome e idade, mas também quem os ajudou a chegar à fronteira com a Síria, qual o seu grau de conhecimento da lei islâmica e se estão dispostos a cometer atentados suicidas.
Uma "mina de ouro"?
Se os documentos forem autênticos, estas informações podem ser uma "mina de ouro" para as agências que combatem a ameaça deste grupo terrorista, disse à Sky News Richard Barrett, antigo responsável pelas operações antiterrorismo no MI6 britânico: "É um golpe extraordinário. E será uma autêntica mina de ouro de informação de uma enorme relevância e interesse para muitas pessoas, em particular nos serviços de informações e segurança."
Se os documentos forem autênticos, estas informações podem ser uma "mina de ouro" para as agências que combatem a ameaça deste grupo terrorista, disse à Sky News Richard Barrett, antigo responsável pelas operações antiterrorismo no MI6 britânico: "É um golpe extraordinário. E será uma autêntica mina de ouro de informação de uma enorme relevância e interesse para muitas pessoas, em particular nos serviços de informações e segurança."
Um outro especialista em contraterrorismo, Afzal Ashraf, descreve os documentos como "provavelmente a informação mais importante" recolhida até agora sobre o Estado Islâmico. "Vai dar indicações não só sobre quem são eles e de onde vêm, mas também poderá conduzir aos indivíduos que os radicalizaram e que os ajudaram na saída [dos seus países de origem]."
Tanto a Sky News como os sites e canais alemães enviaram a informação aos respectivos responsáveis dos serviços secretos, mas só o Governo alemão fez comentários substanciais. O ministro do Interior, Thomas de Maiziere, disse publicamente que as autoridades do país estão a trabalhar "partindo do princípio de que os documentos são autênticos".
"Podemos melhorar a nossa compreensão sobre as estruturas desta organização terrorista. E, possivelmente, isto irá desencorajar jovens radicalizados, que acreditam estar a agir correctamente ao tornarem-se membros de uma organização criminosa."
Do lado britânico, a secretária dos Assuntos Internos, Theresa May, disse apenas que não pode fazer comentários sobre "assuntos específicos de segurança nacional".
Segundo o jornalista Stuart Ramsay, do canal Sky News, os documentos em questão foram-lhe entregues num cartão de memória por um antigo membro do Estado Islâmico que diz estar decepcionado com o rumo da organização terrorista. "Ele alega que as leis islâmicas em que acredita colapsaram no interior da organização, e foi isso que o levou a sair", escreve o jornalista.
A entrega do cartão de memória com os documentos terá sido feita na Turquia, "num local secreto", por um homem que se identificou como Abu Hamed, e que disse ser um antigo soldado da oposição a Bashar al-Assad que se aliou ao Estado Islâmico.
Para além de ter passado os documentos secretos, Abu Hamed disse à Sky News que a organização terrorista está a planear sair da sua autoproclamada capital na Síria, Raqqa, para se concentrar no Iraque, e que há uma coligação entre o Estado Islâmico, as milícias curdas do YPG (Unidades de Defesa do Povo) e as forças de Bashar al-Assad para derrotarem os grupos opositores considerados moderados.
Uma fraude?
Mas não é certo que os documentos sejam autênticos. Ouvidos pela agência de notícias AFP, vários especialistas levantaram suspeitas depois de terem reparado em "inconsistências" – os documentos têm um campo chamado "data da morte", em vez da habitual referência a "mártir"; há um logótipo que nunca foi visto noutros documentos do Estado Islâmico; e a designação em árabe do grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (os documentos têm uma data anterior à proclamação do califado, no Verão do 2014, e a mudança para "Estado Islâmico") está escrito de duas formas diferentes.
Mas não é certo que os documentos sejam autênticos. Ouvidos pela agência de notícias AFP, vários especialistas levantaram suspeitas depois de terem reparado em "inconsistências" – os documentos têm um campo chamado "data da morte", em vez da habitual referência a "mártir"; há um logótipo que nunca foi visto noutros documentos do Estado Islâmico; e a designação em árabe do grupo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (os documentos têm uma data anterior à proclamação do califado, no Verão do 2014, e a mudança para "Estado Islâmico") está escrito de duas formas diferentes.
"Quando vi este tipo de incoerências no passado, provou-se que as informações não eram autênticas", disse Charlie Winter, um investigador da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos.
Também Wassim Nasr, jornalista e especialista em movimentos jihadistas, aconselhou cautela, apontando várias inconsistência e erros. Por exemplo, os documentos fazem referência a uma Administração Geral das Fronteiras, que o especialista diz não existir na hierarquia do Estado Islâmico.
A tese de Nasr é que os documentos não são autênticos, no sentido de não terem sido escritos por membros do Estado Islâmico, mas podem conter informações verdadeiras, que já serão do conhecimento das agências de segurança internacionais – no fundo, o especialista argumenta que os documentos foram criados para serem vendidos na fronteira entre a Turquia e a Síria, porque nesse local "as pessoas estão a tentar vender tudo o que podem".
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