4 hrs · Maputo, Mozambique · Edited ·
BWANA YESU, UM MANIFESTO GERACIONAL
Para que serve a literatura? Esta é daquelas perguntas que Francisco Noa as considera, à partida, dispensáveis. Porquê? Segundo ele, porque a questão está ligada a uma outra que é também dispensável: o que é a literatura? Noa considera que existe uma infinidade de possibilidades de resposta para qualquer uma delas. Ou seja, em nenhuma das respostas que nos têm sido avançadas desde Platão e Aristóteles, portanto há cerca de 2500 anos, encontrámos uma formulação plena e satisfatória sobre este enigma chamado literatura. Ou então porque, ainda no entendimento de Noa, as respostas pretendidas e, muitas vezes, obtidas, nem sempre atenuam a carga de inquietação que prevalece na nossa relação com o fenómeno literário. Foi uma das abordagens mais importantes esta de Noa sobre o fenómeno literário e que prendeu a minha atenção de forma bastante particular, dado que eu mesmo passo a vida a perguntar-me afinal o que é literatura? Ou então para que serve a literatura? Noa vai seguindo, explicando-nos que esta questão tornou-se obsessiva para ele quando releu a entrevista que José Craveirinha concedeu à revista “Proler” por ocasião dos 80 anos do poeta. Em tom quase confessional, segundo Noa, essa intorneável figura das nossas letras explica que, ultimamente, escrevia “para não esquecer”. Noa teve o privilégio de estar presente durante a realização da entrevista, onde pode se aperceber, como descreve, da forma enfática e cavernosa como a resposta saiu e se repercutiu solenemente na sala onde se encontravam: “para não esquecer”. Talvez tenha sido aqui que Noa me trouxe ao epicentro da questão: perguntar a cada escritor porque é que escreve poderá ser uma das formas de perguntar o que é literatura ou então para que serve a literatura, quanto mais não seja pelo facto de cada escritor poder dar a sua própria resposta, o que leva, em linha directa, a que cada um possa saber o que é literatura ou para que serve a literatura a partir da forma como cada escritor labora nela. Tenho sido questionado sobre porque é que escrevo, da mesma forma que me tenho colocado a mesma questão. Jamais poderei encontrar uma resposta definitiva para dar, mas esta de Craveirinha, quando diz que escreve “para não esquecer”, bateu-me fundo, sobretudo nestes dias que tenho escrito sistematicamente e tido uma reacção rápida dos leitores, dadas as facilidades que nos trazem estas nossas redes sociais. O que poderá acontecer, ao fim do dia, é poder estar a escrever “para não esquecer”, dado que, à medida que vou partilhando os meus textos, vou registado mais um dado novo para a história dos tempos que vivemos. É por isso que encontro, em Anísio Buanaíssa, cujo livro de estreia em poesia – com o título sugestivo “REIVENTAR MOSSAMBIQUE” – será lançado no próximo dia 16 de Abril, em cerimónia de lançamento no Centro Cultural Brasil-Moçambique, mais um manifesto geracional. É mais um manifesto geracional o livro de poesia de Anísio Buanaíssa, dado que será mais um instrumento de trabalho para quem vier a estudar, no futuro, a história da nossa literatura contemporânea. O escrever “para não esquecer” de José Craveirinha, aqui, pode ser extrapolado para o juízo do leitor que lê no momento em que o autor publica, mas também, para o juízo do leitor do futuro, servirá para esgaravatar a memória de um tempo. É por isso que considero o livro de Buanaíssa, este que vai sair, como mais um manifesto geracional, que servirá para que no futuro não nos esqueçamos de um certo tempo vivido. Chegados aqui, meu caro Bwana Yesu – não sei se pseudónimo ou nome tradicional ou heterónimo ou nome artistico com que Anísio assina o livro – estará a fixar mais uma data na história da humanidade, a partir do seu próprio ponto de observação. Poesia é um acto de isolamento, de sublimação e de profunda dor. É um espaço de catarse. Li o poema “A Noite” – o que postaste junto com a capa – e aqui pude logo depreender que estamos em presença de um poeta, salvo o devido respeito por quem vai apresentar o livro no dia do lançamento, porque não quero me antecipar ao seu modo de o ler. A metáfora sobre a noite e o dia sempre esteve presente na poesia de todos os tempos, resultante da mesma dialética entre o escuro e a luz, simbolizando a guerra entre as trevas e a luz, que é o mesmo que a guerra entre o bem e o mal, onde as forças do mal fazem de tudo para manter-nos no escuro, dado que é no escuro, onde a gente não vê nada, que vinga o mal. Não é por acaso que existe aquele velho aforismo, segundo o qual “não há noite longa que dure para sempre”. Porque, de facto, pode até tardar, mas sempre um dia acabará por amanhecer. A luz se apaga quando se infunde o medo, esse medo que nos remete ao escuro, portanto, às trevas, ou melhor, à Idade Média. Não é por acaso que Platão nos dizia e citámos: “Poderemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia é quando os homens têm medo da luz”. Na esperança de que não haja noite longa que dure para sempre, espero poder estar no lançamento e tudo farei para poder estar, porque será sempre um momento solene para poder ouvir outras leituras, próprias da ocasião, mas também para poder encontrar, nas entrelinhas do discurso do próprio Bwana Yesu, o seu próprio entendimento sobre porquê que ele escreve. Escreverá também ele, como Craveirinha, “para não esquecer”? Lá veremos, mas o título em si – “REIVENTAR MOSSAMBIQUE” – já nos dá uma pista de aterragem à vista, mesmo a partir deste ponto de observação: a de estarmos em presença de um poeta que escreve para transformar o mundo, quanto mais não seja “para reinventar Moçambique”. Um Moçambique que, basta só olhar à nossa volta, nos defrontamos com tudo o que não devia ser e, entretanto, é. É o que tem sido. Um sítio, como diria o Celso Manguana. Um Estado de Sítio, portanto. Onde as mesmas armas, que ontem libertaram, hoje também matam, como diria o sempre igual a si mesmo Manguana, o poeta do “Pátria que me pariu”. Conheço pouco o Anísio Buanaíssa como pessoa, mas conheço-o como analista de política internacional através do “Observatório Internacional”. Uma e outra vez nos cruzamos, pois, ali mesmo nos corredores da STV, quando vou lá fazer o “Opinião Pública” com o Orlando Macuácuà ou mesmo o “Debate Parlamentar” com o Emídio Beúla. Das intervenções de Anísio Buanaíssa como analista, estou certo que estou em presença de uma pessoa que se preocupa com os problemas do seu tempo e isso faz de mim um seu telespectador assíduo. Gosto das suas intervenções, das suas interpelações – nas constantes teses e contra-teses, argumentos e contra-argumentos com Constâncio Nguja e agora com Sansão Nhancale, num fluir de ideias ora divergentes, ora covergentes, como se exige a um debate que se preze como tal –, interpelações essas que lhe dão uma certa forma de ser e de estar no debate e que o fazem desmarcar-se daqueles comportamentos vis que caracterizam alguns membros da lista infâme do G 40, onde também figura o seu nome. Não quero crer que o que o Buanaíssa diz nas suas intervenções seja, salvo erro ou melhor prova em contrário, à exacta medida do se impõe naquele grupo, especializado em qualificar o Outro, para que o Outro possa ser posteiormente discriminado e mais tarde exterminado (como os judeus) ou mesmo oprimido (como os negro do Apartheid na África do Sul) ou ainda mesmo excluído (como as mulheres, que ainda em muitas comunidades são tratadas como “seres inferiores”, “segundo sexo” ou “sexo fraco”) . Estar na lista do G 40 pode não significar propriamente comungar com os valores, princípios e códigos que nortearam a sua criação. Há ali naquela lista quem goste de discutir ideias, gente que ainda pode ser tida como tendo alguma moral. Não é por acaso que outros da mesma equipa já escasseam nos debates e este, o Buanaíssa, é dos poucos que me dá gosto de ouvir, mesmo quando eu não concorde com algumas das suas posições. É um jovem de verbo e pensamento fluido, dá gosto ouvi-lo. Também escritor e membro da “Geração Charrua”, a geração que revolucionou a literatura moçambicana do pós-independência, Tomás Viera Mário veio em tempo útil distanciar-se dos ideais que nortearam a criação do G 40, cuja autoria moral tem sido atribuida a Edson Macuácuà e Gabriel Muthisse. Autor do “Alambique”, uma novela que também foi escrita para não esquecermos o tempo que passou, para nos lembrarmos do tempo que passou, o tempo do ovo em pó, o tempo das bichas, do repolho, do peixe que vinha de Angola, da operação produção, das FPLMs e do SNASP, Tomás Viera Mário tem sido um crítico severo dos ideais do G 40, considerando uma violência impedir os outros de exercerem o seu direito à liberdade de expressão através de interferências políticas grosseiras nas nossas rádios e televisões públicas, onde se impõem listas oriundas do partido que está no poder. Reconhecendo o poeta Bwana Yesu que residirá no interior do analista político Anísio Buanaíssa, formado em Relações Internacionais, sinto-me confortado para lhe dizer avante, meu caro. Ter sido atafulhado naquela lista inglória, como se fazem com as mercadorias nos contentores, pode não significar que se comungue dos mesmos ideais que nortearam a sua constituição, mesmo quando por vezes te atribuem chamarizes afectivos, que, tal como o castigo, podem também ser instrumentos de opressão. Uma opressão subtil, que pode nos fazer escorregar na vontade, fazendo-nos confundir o invólocro do recipiente com o seu conteúdo, ou seja, com a essência. É preciso não confundirmos educação com domesticação. Nesta, a domesticação, formata-se o indivíduo, para enquadrá-lo num projecto que o outro concebeu, enquanto naquela, a educação, dão-se bases para que o indivíduo possa ser ele mesmo dono do seu próprio destino, como indivíduo dotado de consciência, esse dom magnânimo que Deus nos deu. Não é por acaso que o meu amigo Mablinga Shikani, o Rafael, comenta o post de Anísio Buanaíssa referente ao lançamento do seu livro, num tom quase que jogoso para nós que estamos a espera da obra, nos seguintes termos: “Obrigado Anísio Buanaissa uns bebem, arroptam a sua impafia pseudo-cidada, insultando o que nao percebem e falam sem compreender os outros... Outros, os parias, escrevem e discutem o pais no presente, o seu passado e o seu futuro. Como dizia o grande Cassius Marcelus Clay: "Say my name!!"”. O meu amigo Rafael Shikani, que é também membro do G 40, historiador, que gosta muito de ser professor em todas as circunstâncias da vida e que costuma nos dizer que “estamos em transição geracional”, começou por ser analista na TVM, tendo sido posteriormente designado director de informação da Televisão Miramar, em substituição de Isálcio Mahanjane, outro membro do G 40, de guja passagem fugaz por aquela televisão resultou no afastamento de Selma Inocência, Prémio da CNN/Notícias Lusófonas com uma excelente reportagem sobre o rastafarismo. Muita erva anda ai nessa tua cabecinha, oh Selma! Legalize it, oh yeah! Esse comentário de Shikani, quase que em tom defensivo, qual advogado do agrupamento, quer nos mostrar que Buanaíssa faz parte do mesmo grupo que tem sido insultado pelo povo. O inglório G 40. E aqui, sou levado a dizer ao poeta Bwana Yesu para que tenha cuidado com os sermões encomendados e os cantos da seréia, através dos quais nos chegam aqueles empregos que nos transformam em gente desprovida de consciência, tipo job for the boys. Que venha o poeta. Esse, sim. Não tenho dúvidas dele. Porque o poeta, como nos ensinou Fernando Pessoa, é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que realmente sente. Nós cá estaremos para recebê-lo, de braços abertos, cientes de que há quem queira fazer disso uma oportunidade para promover a sua cachorrice. O lixo. A coisa mais degradante do tecido moral da nossa sociedade. Não deixais que isso aconteça, que a poesia marque o seu espaço privilegiado. Estou a falar de poeta para poeta, como deves perceber. A sofisticação da propaganda política não se pode fazer a custa do nepotismo e nem do clientelismo nos nossos serviços públicos de rádio e televisão. E é isso que temos defendido. Passemos em frente. Para além de lembrar José Craveirinha que escrevia “para não esquecer”, Francisco Noa busca outros autores que deram respostas memoráveis sobre a mesma questão – porque escreve? –, que é o mesmo que perguntar o que é literatura, como é o caso de George Bataille, quem dizia que escrevia “para não ficar louco”. Numa altura em que tenho sido sistematicamente chamado de louco pelos energúmenos mais cómicos do G 40, vale a pena aproveitar Bataille para dizer que também escrevo sobre o G 40 para não ficar louco. Eles ficavam ali na televisão, a fazer teatro, eu a pensar que estão a debater assuntos sérios, quando, na verdade, aquilo não passa de simples coreografia, meu Deus. Já vinham lá do partido devidamente ensaiados, vakhite! Como se fossem a Juventude Hitleriana, a repetir os ensinamentos do “Mein Kampft” sobre como tratar os judeus à maneira nazi. Francisco Noa busca outros autores, como José Saramago, este que respondia à mesma questão, sobre porquê escrevia, dizendo que escrevia “para melhor interpelar e interpretar o mundo em que vivia”. O peruano Mário Vargas Llosa, glosando o francês Charles Flaubert, afirmava que “escrever é uma maneira de viver”. Abel Barros Baptista, por sua vez, dizia que a literatura serve “para nos ensinar a pensar”. Escrever “para não esquecer”, “para não ficar louco”, “para melhor interpelar e interpretar o mundo”, “é uma maneira de viver” ou “para nos ensinar a pensar” são todas essas respostas que poderia dar a quem me perguntasse hoje porque eu escrevo. Escrevo “para não esquecer”, “para não ficar louco”, “para melhor interpelar e interpretar o mundo”, “é uma maneira de viver” ou “para aprender a pensar”. Mas mesmo assim não seria uma resposta definitiva. Por isso mesmo gosto de brincar com os autores da minha geração, lembrar aqui que o Matias Guente também publicou, recentemente, o seu livro de estreia "Politica e Informacao", uma coletânea de textos que andou a publicar no “Canal de Moçambique”, em cuja cerimónia de lançamento, que teve lugar na sede do Parlamento Juvenil, pude depreender que estava em presença de alguém que escreve para transformar o mundo. Um revolucionário, portanto. É o próprio Matias Guente que dizia que ser jovem e não ser revolucionário é ter um problema genético qualquer. Luís Nhachote já está a demorar de publicar, embora tenha material suficiente para dar à estampa. É por isso que espero estar no lançamento do Bwana Yesu para ouvir dele essa resposta, embora já o título – “REIVENTAR MOSSAMBIQUE” – nos dá a entender que estamos em presença de alguém que escreve para reinventar o mundo. Digo o mundo, e não Moçambique, na perpectiva de quem age localmente, pensando globalmente. Ainda bem que o autor é mesmo um cosmopolita, um cidadão do mundo. Terminarei, entretanto, com o poeta Luís Vaz de Camões, para que reflictam sobre o lugar privilegiado que a literatura ocupa na história de uma Nação, através dos livros de cada um dos seus escritores: “A cantiga é uma arma, eu não sabia.../Há quem cante por interesse/há quem cante por cantar/e há quem faça profissão de combater a cantar/e há quem cante de pantufas para não perder o lugar”. Quid Juris, vakhite! Parabéns pelo livro, Bwana Yesu. Encontramo-nos lá. Perguntam-me ainda porquê que eu escrevo? Meus senhores, eu escrevo para me libertar. E a Luta Continua!
Major-General Henry Miller
13 people like this.
Paulo Nguenha Estou lendo. Depois vira o comentário...
Paulo Nguenha Estou lendo. Depois vira o comentário...
Adelino Timoteo Bela reflexão! Leiam!
Nkuyengany Produções A Luta Continua. Estou Dentro!
Alfredo Macuácua "Meus senhores, eu escrevo para me libertar" gosto.
Anísio Buanaissa Espero muito te-lo la carissimo, espero ainda que entenda a razao de eu viver comprando roupas para palavras e sonhar...
Obrigado
Constantino Joao É oreciso ler textos como estes para libertar e desenvolver a mente. Obrigado Armando Nenane!
Sem comentários:
Enviar um comentário