09/04/2015 - 06:38
Reparem como sou moderado: por um lado, não gosto nada do que o CES faz; por outro, compreendo que o queira fazer.
Nem por acaso: enquanto eu andava entretido a debater a qualidade “científica” do Observatório sobre Crises e Alternativas e as peculiaridades ideológicas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Miguel Seabra, apresentava a sua demissão, após um desgraçadíssimo mandato.
Ora, a FCT e a ciência social ao estilo CES – que a sua própria direcção classifica como (juro) “ciência social crítica” ou “ciência cidadã” – estão ligadas por um cordão umbilical que diz muito acerca das debilidades estruturais deste país e do perigo da aposta acrítica na “qualificação”, o cavalo favorito de António Costa e dos governos socialistas.
Dir-me-ão: mas então não é tão bonito investir na educação, na formação, na qualificação, e em outras palavras acabadas em “ão” que enchem a boca e o coração? É, é. Só que, quando juntamos 1) a política de doutoramentos e pós-doutoramentos criada por Mariano Gago e patrocinada pela FCT; 2) as limitações e a falta de competitividade da economia portuguesa; e 3) a chegada em força da austeridade e o aumento dramático do desemprego jovem; o resultado deste cocktail mortífero só pode naturalmente ser um: a criação de um exército de descamisados doutorados, completamente dependentes da boa-venturança do senhor professor que dá uma ajudinha para conseguir a bolsa do pós-doc, e que chegam aos 35 e aos 40 anos numa situação lastimável, sem forma de ingressar nos quadros das universidades (que estão fechados e cheios de gente menos competente do que eles), sem uma vida profissional estável e com excesso de qualificações para os empregos disponíveis.
Os números não mentem (enfim: às vezes mentem, se torturados por cientistas cidadãos). Em 1997, ano em que a FCT foi criada, doutoraram-se 579 portugueses. Em 2013 (dados Pordata), doutoraram-se 2668. Os doutorados quintuplicaram numa década e meia. Quando se olha para o gráfico dos doutoramentos anuais desde 1970, a evolução a partir do final dos anos 90 é uma subida de montanha de primeira categoria. Ou seja, enquanto em termos económicos o país afocinhava, naquela que já é conhecida como a “década perdida”, as qualificações dos portugueses não paravam de subir. Seria fantástico, em termos de competitividade, se – e este é um grande “se” – o sector privado conseguisse absorver um quinhão significativo dos doutorados. Infelizmente, não consegue.
Um estudo de 2009 sobre a situação profissional dos doutorados em Portugal indicava a existência de 17.010 a trabalhar em investigação e desenvolvimento. Mas sabem quantos é que o faziam fora das universidades, em empresas privadas? 196. Ou seja, pouco mais de 1% do total. É esta a força da investigação e do desenvolvimento em Portugal. E se olharmos para o domínio específico das ciências sociais, não é difícil adivinhar o seu credo da última década: “fora da universidade (ou do laboratório associado) não há salvação”.
Reparem como sou moderado: por um lado, não gosto nada do que o CES faz; por outro, compreendo que o queira fazer. Boaventura Sousa Santos, José Manuel Pureza e Carvalho da Silva têm um batalhão de doutorados descamisados, frustrados e politizados às suas ordens, que lhes foram oferecidos por Mariano Gago, uma economia débil e um país intervencionado. Há que entendê-los: a tentação de criar as condições para que um dia possa nascer um Pablo Iglesias do Mondego é demasiado grande. E é para isso que eles trabalham. “Cientificamente”.
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