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Gramsci, filósofo marxista, foi um intelectual indispensável no século XX. Dentro da sua vasta linha de pensamento, cunhou um termo que deve ser bastante conhecido por ai. A figura do intelectual orgânico. Na sua perspectiva, um intelectual orgânico é aquele pensador que não se deixa levar pela ideologia da classe dominante e busca pensar em contramão. Para além de pensar, ele aparece, age e demonstra o que pensa. O contrário deste, o mesmo autor chama de intelectuais tradicionais. São aqueles diplomados que não fazem nenhuma diferença. A presença é similar a ausência. A existência caminha na mesma proporção com a inexistência. Eu quero chamar esses de inorgânicos.
Para o infortúnio de Moçambique, intelectuais inorgânicos é do mais valioso que temos. Não vamos confundir barrulhentos que andam por ai com intelectuais orgânicos. Temos muitos senhores doutores na esfera pública, bastante aplaudidos, que em cada post que lançam no facebok arrecadam milhares de likes sem terem nada de orgânicos. O pensamento que “produzem” e reproduzem, para além de pouco afetar o status quo não é nem útil para ser aproveitado e gerar transformações no país. Reencontrando-me com a modéstia: não é nem útil para que a partir dele inicie-se um debate político sério.
O pior dos nossos intelectuais inorgânicos é que não sabem o quão são inorgânicos. Os convites para as tvs privadas e públicas, rádios, jornais, palestras e alguns deles possuírem o status de docentes universitários os coloca dentro de um estado cómodo. Vivem, produzem e reproduzem o que Marx chamou de falsa consciência. Num país carente de debate público maduro sobre problemas sérios que o assolam, a articulação de palavras coerentes, mas vazias de conteúdo, faz dos mesmos líderes da vanguarda de falsa doxa pública.
O que os carateriza de forma geral é conhecerem o culpado pelas mazelas que o país vive. É a Frelimo. Fico pensando no ritual desses pseudo-intelectuais sempre que são convidados para a televisão ou qualquer outro canal. Possivelmente concentram-se diante do batuque e da maçaroca e dizem vamos que vamos. Eles é que são os culpados. Eles não fazem andar, eles fazem andar, eles não permitem que ande. Aconteceu porque a Frelimo quer, e deixou de acontecer porque a mesma não quer. E nessa linha enaltecem o “poder da Frelimo” referido por Elísio Macamo, que na verdade só tem força pela força que atribuímos. Dia seguinte tudo está como estava.
Cistac infelizmente não fazia parte desses intelectuais inorgânicos. O seu assassinato prova. Antes que os inorgânicos se precipitem, deixa-me dizer que a morte não é o indicador de se ser orgânico. Mas que ela só acontece em situações em que os orgânicos são exceção. Sem retornar para Mondlane e Samora, os casos mais próximo são de Cardoso e Siba-Siba, depois um grande espaço para a aparição forte do Cistac mexendo com o âmago do poder e dos poderosos. Intelectuais orgânicos são tão escassos no país que quando se mata, dura mais um tempo para a geração do outro para ser morto. Se tivéssemos uma quantidade considerável de intelectuais orgânicos não estaríamos repudiando certas mortes. É que possivelmente não existiram de forma tão visível, bárbara e macabra. Por onde começariam numa situação em que os orgânicos são o normal e não exceção?
Não concordo que somos Cistac e com aquele belo francês Je suis Cistak. Somos covardes. Não somos Cistac e nem merecemos ser porque Cistac não foi covarde. Não somos Siba-Siba nem Carlos Cardoso. Esses disseram a verdade na cara. Vocês-eu nos calamos. Não merecemos ser. Precisa-se rever a intelectualidade. As intervenções públicas. Intervenções barrulhentas não significam pertinência. Podem ser barrulhentas e vazias. Discutir regiões autónomas de forma inteligente não é algo de se suportar.
Existem muitos inorgânicos defensores de regiões autónomas, governo de gestão e tudo o resto que Dlakhama fica inventando por ai. Mas são defensores emotivos. Que só querem todas essas propostas porque cansaram da Frelimo. Porque acreditam que Dlakhama ganhou, porque pensam que todos os problemas do país têm um e único culpado: a Frelimo. Nada mais. Esses são assassinos ocultos dos intelectuais orgânicos. Infelizmente é o que o país possui de mais valioso.
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