ENCOMENDADO PELA PGR:
Segunda, 23 Março 2015
Segunda, 23 Março 2015
A PREVENÇÃO e combate ao tráfico de pessoas pressupõem a reformulação de leis e de políticas públicas, associada ao reforço de mecanismos de controlo social nas comunidades.
A conclusão é de um estudo divulgado esta semana na cidade de Maputo pela Procuradoria-Geral da República, encomendado em 2014, versando sobre o “Tráfico de Pessoas em Moçambique, em particular, de Crianças”. Elaborado pelo Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), o estudo foi financiado pela Save the Children Mozambique.
O estudo, realizado de Janeiro a Outubro de 2014, cobriu as cidades de Nampula, Nacala-Porto, Angoche, Murrupula, Mocuba, Guruè, Milange, cidade de Quelimane, Moatize, Zóbuè, Angónia, Changara, Gondola, Báruè, Chimoio, Manica, Macossa, Morrumbene, Massinga, Vilankulo, Maxixe, Massingir, Chókwè, Bilene, cidade de Xai-Xai, Marracuene, Moamba, Boane, Namaacha e cidade de Maputo, envolvendo três distritos municipais.
Nestes pontos, o estudo visava obter informação sobre a magnitude, natureza e características do tráfico de pessoas. Foram realizadas 231 entrevistas e 1050 inquéritos, sendo 52 por cento do sexo masculino e 48 do sexo feminino.
Apresentado por Amorim Bila, director do Gabinete de Estudos da PGR, as conclusões do mesmo referem que o tráfico de pessoas é uma realidade global que constitui uma ameaça à segurança e à dignidade humana. Esta problemática é mais preocupante quando crianças constituem as principais vítimas do negócio, no qual são tratadas como objectos de troca “mais rentáveis do que o tráfico de qualquer outra mercadoria como, por exemplo, armas e drogas.
Este “negócio” desenvolve-se por via de sofisticadas redes de crime organizado transnacional com actuação à escala global.
As mulheres e crianças são as principais vítimas, e são traficadas sobretudo para fins de exploração laboral e sexual. As zonas rurais e as suburbanas são as mais afectadas, o que deriva, segundo o estudo, dos altos índices de pobreza que ainda afecta a maioria da população e da falta de integração de jovens e adolescentes nas comunidades associada à fraca capacidade de provimento de serviços por parte do Estado.
O tráfico de pessoas é descrito como um problema à escala nacional e regional. Internamente, as pessoas são traficadas do campo para as cidades, onde a cidade de Maputo constitui principal destino das vítimas. Ao nível regional, Moçambique constitui principal corredor do tráfico de pessoas, particularmente, mulheres e crianças. A África do Sul constitui, segundo o estudo, o principal destino das pessoas traficadas.
O estudo revela que os traficantes ou mandantes estão baseados nas capitais provinciais, com destaque para a cidade de Maputo, bem como nos países vizinhos e algumas cidades europeias. O grau de envolvimento dos recrutadores/traficantes varia em função da idade das vítimas e da natureza da interacção social. Depois das crianças, o grupo mais traficado são os adolescentes e adultos.
Quanto ao papel dos recrutadores, o estudo indica que muitos deles são antigos vizinhos das vítimas, antigos colegas, familiares e instituições religiosas. Quanto aos vizinhos, o grau de envolvimento é aproveitado pelos traficantes, devido ao privilégio de “entrada livre” na casa das vítimas, principalmente nas comunidades. Geralmente, os vizinhos gozam de um estatuto adquirido ou atribuído, e recebem tratamento hospitaleiro, fundado em hábitos e costumes locais.
No caso de familiares, o envolvimento tem a ver com o dever que as vítimas têm de obedecer às ordens e os comandos dados, sem questionar, devido à relação de dependência económica.
As instituições religiosas aparecem na facilitação do tráfico devido à influência que têm sobre as comunidades, do ponto de vista moral, e por vezes actual como provedores de condições materiais para a satisfação de necessidades básicas humanas. É por estes motivos que as pessoas depositam confiança nas instituições religiosas, que são insuspeitas, na percepção popular.
O status socioeconómico dos mandantes está entre pobres e ricos e, os processos de aliciamento partem da venda de crianças por familiares, roubo de crianças, pagamento de dívidas e consentimento sob condição de a família ceder a criança.
Na análise do envolvimento dos facilitadores do tráfico de pessoas, o estudo revela ter constatado a existência de um elemento comum: todos aparecem cobertos por uma relação afectiva que confere um grau de confiança, tornando-os insuspeitos na percepção das vítimas. Além disso, é notório, particularmente no caso dos familiares e das instituições religiosas, a relação de dependência na qual as vítimas estão envolvidas. Este facto traduz uma relação de poder assimétrico que sempre coloca as vítimas na condição de vulnerabilidade e confere aos familiares, bem como às instituições religiosas, um carácter inquestionável.
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