Uma investigação sobre corrupção
internacional levada a
cabo pela Procuradoria de Milão,
na Itália, está a colocar a nu
as relações de promiscuidade
com todos os condimentos para
a corrupção entre os gestores de
topo da multinacional italiana
ENI (Ente Nazionale Idrocarburi),
que está a explorar gás natural
na Bacia do Rovuma, e o
antigo Presidente da República
e actual presidente do partido
Frelimo, Armando Guebuza.
Paolo Scaroni, antigo administrador-delegado
da gigante
italiana ENI, está a ser
investigado pela Procuradoria
de Milão, por corrupção internacional,
por ter pago dinheiro
ao ministro da Energia da
Argélia, numa operação em
que a ENI e a sua subsidiária
SAIPEM (Società Anonima
Italiana Perforazioni E Montaggi)
eram partes interessadas
na prospecção de hidrocarbonetos
naquele país do Magrebe.
Desde então, os telefones de
Paolo Scaroni e seus colabores
directos foram colocados sob
escuta pela Justiça italiana. É
aqui onde aparece o nome de
Moçambique e de Armando
Guebuza na teia da corrup-
ção italiana, que encontrou um
porto aparentemente seguro na
gula do actual chefe do partido
Frelimo pelo dinheiro fácil.
Segundo o jornal italiano “Il
Fatto Quotidiano”, que teve
acesso ao processo de investigação
do caso ENI/SAIPEM,
incluindo as escutas telefónicas
a Paulo Scaroni, que era
o chefe da ENI, aquele gestor
manteve vários encontros privados
com Armando Guebuza,
em que discutiram as taxas que
o Estado moçambicano devia
cobrar à ENI, incluindo outras
trocas de favores, como a concessão
de um terreno paradisí-
aco a Paulo Scaroni no Bilene,
a zona turística onde Guebuza
também tem uma luxuosa casa
de férias. O terreno é oferecido
a Paolo Scaroni com a possibilidade
de um DUAT (Direito
de Uso e Aproveitamento de
Terra) válido por 40 anos. Guebuza
convida Scaroni a construir
uma vivenda neste terreno.
Segundo o ficheiro de investigação
que está na Procuradoria
de Milão, no dia 3 de Março de
2013 Paulo Scaroni telefonou
ao filho, Alvise Scaroni, por
volta das 9 horas e 42 minutos
de Roma, tendo informado ao
filho que lhe havia sido oferecido
um terreno de sonho por
Armando Guebuza, no Bilene.
Menos de dez minutos depois,
isto é, quando eram 9 horas e
56 minutos, Scaroni telefonou
ao antigo director de opera-
ções e actual administrador da
ENI Claudio Descalzi, a falar-
-lhe do paradisíaco terreno no
Bilene que lhe havia sido oferecido
por Armando Guebuza.
Um pouco depois, por volta
das 10 horas e 19 minutos,
Alvise Scaroni, filho de Paulo
Scaroni, telefona ao seu pai e
voltam a falar do terreno oferecido
por Guebuza. “O terreno
está situado numa zona com
acesso quer pelo mar, como por
uma lagoa”. Diz que o terreno
“é uma loucura e situa-se a 140
quilómetros da capital Maputo”.
O filho responde que, tendo
em conta o DUAT de 40 anos,
a construção deve começar dentro
de dois anos. Vinte minutos
depois, liga para Scaroni a sua
filha Clementina, advogada
da CONSOB (Commissione
Nazionale per le Società e la
Borsa) – que é a autoridade do
Estado italiano para seguros e
mercados –, informando que
“já enviou a coisa de Maputo”.
Na descrição feita pelo jornalista
italiano Marco Lillo, o
referido terreno localizado no
Bilene é uma espécie de língua
de terra que se estende entre o
oceano e um lago localmente
designado por Uembje. Para
além de águas de cor turquesa,
o terreno é um paraíso de tartarugas
marinhas e areia branca.
O que deixa a imprensa italiana
admirada é que a oferta do “pedaço
do paraíso na terra” ao patrão
da ENI não tenha sido feita
por uma agência imobiliária,
mas por Armando Guebuza em
pessoa, sendo ele nessa altura o
Presidente da República de Mo-
çambique. As zonas de ocorrência
de tartarugas marinhas são
consideradas zonas protegidas
pelo Estado moçambicano,
mas, no caso, Guebuza ofereceu
a zona a um “amigo” italiano
para construir uma “villa”.
Os investigadores italianos
dizem que os encontros entre
Paolo Scaroni e Armando Guebuza
eram frequentes. Mas o
que decidiu vários assuntos que
se iriam materializar no futuro
foi o encontro que aconteceu
no dia 3 de Janeiro de 2012,
no Bilene, quando Guebuza se
encontrava de férias na sua luxuosa
casa. É a polémica casa
em que o asfalto termina exactamente
na porta de Guebuza e
o resto é só poeira. No referido
encontro participaram Paolo
Scaroni e Claudio Descalzi.
Alegado acordo para a ENI
não pagar impostos
Entre finais de 2012 e princípio
de 2013, a ENI chega a
um acordo milionário com os
chineses da CNPC (China National
Petroleum Corporation)
para a venda de uma parte da
sua participação na Bacia do
Rovuma. O Acordo viria a ser
formalizado a 13 de Março de
2013. À luz do acordo, os chineses
da CNPC compravam à
ENI 28,57% da sua participa-
ção na Área 4 (“offshore”), na
Bacia do Rovuma. A ENI detinha
70% das participações.
A ENI vendia assim perto de
30% da sua participação total.
Como o assunto estava a ser
tratado directamente com Armando
Guebuza e não com o
Estado moçambicano, aventa-
-se a hipótese de Guebuza ter
proposto à ENI “free tax”, num
acordo em que, depois, os gestores
da ENI teriam que “dar
refresco” a Armando Guebuza.
E nessa operação a ENI ficaria
encarregue de inventar artimanhas
com base no Direito
Comercial Internacional para
ficar isenta das taxas. Com este
expediente, Guebuza apareceria
como inocente e como estando
a ser vigarizado pela ENI.
“Africa Energy Intelligence”
denuncia o plano
Na sua edição de Março de
2013, a revista “Africa Energy
Intelligence”, especializada em
recursos de energia, denunciou
que a multinacional italiana ENI
pretendia evitar a tributação do
Imposto Sobre Mais-Valias com
a venda de parte das suas participações
de gás natural à CNPC
(China National Petroleum Corporation).
Segundo a revista
editada em Paris, a ENI pretendia
explorar uma “brecha fiscal
aparente”, e, com artifícios, não
pagar nenhum tostão ao Estado
moçambicano. Segundo a
“Africa Energy Intelligence”,
o truque da ENI consistiria em
considerar que a CNPC não
comprou directamente a sua
participação na Área 4 da Bacia
do Rovuma, mas que os chineses
adquiriram uma participa-
ção de 28,57% na subsidiária
ENI África Oriental, cujo único
activo é o bloco na Bacia do
Rovuma. Até aí, Guebuza nunca
se tinha pronunciado sobre
o assunto, mas convivia com
os gestores superiores da ENI.
A bomba explode e Guebuza
dá um jeitinho
Com a réplica da revista francesa
em Moçambique, o assunto
começou a ganhar muito interesse
público, principalmente
entre economistas e fiscalistas
moçambicanos. O presidente da
Autoridade Tributária de Mo-
çambique, Rosário Fernandes,
homem considerado como sendo
alérgico à corrupção, procurou
perceber bem o assunto
e, sem muitos holofotes, tentou
compreender a operação. Foi
quando se percebeu que afinal
a ENI iria burlar o Estado em
mais de um bilião de dólares,
com o silêncio cúmplice de Armando
Guebuza, que era Presidente
da República. No seu
estilo característico, Guebuza
decide ficar longe do barulho e
dá ordens à Autoridade Tributá-
ria de Moçambique para actuar
sobre a ENI, mas encarregou-
-se ele próprio, Guebuza, de
negociar. Por norma, quem devia
negociar é o Estado, mais
concretamente a Autoridade
Tributária (que só tinha de aplicar
a fórmula dos 32% sobre o
valor total da operação), mas
Guebuza tratou o assunto como
se fosse privado e marcou o
preço dos impostos directamente
com os gestores da ENI.
Foi assim que, no dia 14 de
Agosto de 2013, quando Armando
Guebuza estava em
“presidência aberta” em Tete,
mais concretamente no distrito
de Changara, aceita receber
os gestores da ENI em
privado. Isso aconteceu cinco
meses depois dos telefoneassunto,
e, segundo, ele próprio, Guebuza, tratou de negociar
“descontos”, coisa que
não estava autorizado a fazer.
Sobre um negócio de 4,2 biliões de dólares, Guebuza cobrou,
em nome do Estado, uma taxa
de 400 milhões de dólares, e pediu
outra parte em espécie, ou
seja, a construção de uma esta-
ção de energia de 75 megawatts.
Quanto o Estado devia
cobrar?
Em nenhuma parte do Código
do Imposto de Rendimento
de Pessoas Colectivas (CIRPC)
está escrito que as empresas,
querendo, podem pagar as taxas
das mais-valias em espécie,
como seja uma estação de energia,
hospital ou viaturas. Fala
de dinheiro. O que está escrito é
mas em que Guebuza ofereceu
o terreno ao patrão da ENI.
No referido encontro de
Changara, Guebuza recebeu
Paolo Scaroni e Descalzi e
negociaram a taxa de mais-
-valias, para se livrar da acusação
de conluio com a ENI.
Imposto para inglês ver
Como que a provar as rela-
ções de amizade que Guebuza
tinha com Paolo Scaroni, o então
Presidente da Moçambique
decidiu unilateralmente aplicar
uma taxa leve à ENI, contrariando,
primeiro, a norma
segundo a qual é a Autoridade
Tributária que devia tratar do
32% sobre o valor total da operação,
com base na fórmula. Se
Guebuza não se tivesse intrometido
no assunto, o Estado devia
encaixar nos seus cofres 1,3
bilião de dólares. Mas o Estado
só recebeu 400 milhões, ou seja,
menos de metade do que devia
receber. Só Guebuza pode explicar
aonde foram parar os restantes
900 milhões de dólares.
Os investigadores italianos
dizem que a última vez que
Guebuza se encontrou com
Paolo Scaroni foi em 3 de Dezembro
de 2014, no Westin
Excelsior, na Via Veneto. Esta
é apenas uma pequena parte
dos actos de Armando Guebuza,
actual presidente do
partido Frelimo e antigo Presidente
da República de Moçambique, o homem que disse
que ficou rico vendendo patos.
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