02.02.2015
FERNANDO MOURA
Nas últimas semanas são notícia as urgências hospitalares, pelodeficiente desempenho que se verificou em alguns casos na prestação dos seus serviços que tem de ser analisado nas suas múltiplas vertentes - sociais, demográficas, do Ministério da Saúde, da Ordem dos Médicos, da formação e especialização médica e do apoio pré-hospitalar - dado que se não forem desenvolvidas medidas estruturais nos próximos anos a situação será mais complicada de gerir pelo que é urgente elencar um conjunto de pressupostos que explicam esta situação e as soluções que devem ser tomadas pelos vários intervenientes.
1. Questões sociais e demográficas. Devido à tendência da inversão da pirâmide etária, o número de doentes idosos que acorrem ao Serviço de Urgência (SU) é muito elevado e ano após ano em número crescente; para estes doentes com grandes dependências (acamados, com alterações graves da cognição), múltiplas comorbilidades, polimedicados que obrigam a uma observação demorada e necessidade de exames subsidiários de diagnóstico em que o tratamento em contexto de SU obriga a permanência neste espaço por várias horas.
Por vezes o cuidador tem a mesma idade do doente (70, 80, 90 anos), não sabe explicar os antecedentes patológicos, a polimedicação, por vezes com o mesmo fármaco porque muda de mês para mês a cor e a embalagem devido ao fornecimento de genéricos de empresas farmacêuticas diferentes.
2. Saúde 24. O serviço desconhece os locais de serviços de atendimento permanente ou atendimento urgente na área de residência do utente ou o horário de atendimento de situações urgentes que as Unidades de Saúde Familiar disponibilizam pelo que remetem para os SU hospitalares todos os casos.
3. Ministério da Saúde. O corte nos vencimentos dos médicos e nas horas extraordinárias levou a que inúmeros médicos solicitem dispensa de exercer a sua atividade no SU e falta por vezes, nas escalas, um profissional sénior para aconselhar e orientar diagnósticos e tratamentos.
O recurso a empresas de trabalho temporário impediu os hospitais de contratar profissionais com perfil para integrar serviços de urgência. A diminuição do número de enfermeiros e assistentes operacionais nos SU condiciona demoras nos cuidados gerais aos doentes.
4. Ordem dos Médicos. A recusa em criar a especialidade de Urgência/Emergência leva a que nos serviços de urgência apareça em cada dia da semana um grupo de médicos diferentes de dia para dia, que não encaram o Serviço de Urgência como o seu serviço e com constituição de equipas sem interdisciplinaridade de atuação.
Por outro lado, a Ordem dos Médicos e os seus colégios definem equipas tipo que não têm em conta a realidade de cada hospital. Por exemplo, não faz sentido que para uma mesma população, numa urgência médico-cirúrgica estão escalados menos cirurgiões do que numa urgência polivalente (Hospital Central) quando na primeira o cirurgião geral tem de observar casos de neurocirurgia, cirurgia vascular, urologia, etc. e numa urgência polivalente existe o apoio de todas estas especialidades.
Formação em Urgência da Medicina Geral e Familiar - Nos últimos anos as atitudes preventivas na vigilância dos doentes e a formação nesta área teve um grande incremento, mas por outro lado a formação em Urgência a nível do internato médico é das mais reduzidas no contexto europeu (em Espanha são dedicadas mais de 1600 horas à formação em Serviço de Urgência) pelo que em alturas de crise é difícil solicitar aos centros de saúde e aos seus médicos que observem situações urgentes.
Perante este quadro a resolução deste problema passa por várias vertentes:
A. Saúde 24. Conhecer em cada região o atendimento urgente existente a nível dos cuidados primários.
B. Ministério da Saúde. Permitir que os serviços contratem médicos para o SU. Disponibilizar aos centros de saúde equipamentos que permitam realizar análises simples fundamentais na observação do doente. Adquirir dispositivos que permitem a administração de fármacos endovenosos no domicílio, nomeadamente as terapias antimicrobianas endovenosas.
Implementar cuidados domiciliários para evitar ou substituir internamentos hospitalares. Em casos selecionados implementar ajudas para cuidados continuados domiciliares.
Incrementar visitas domiciliárias de cuidadores (voluntariado?), do centro de saúde, do hospital.
Dar autonomia aos chefes de equipa para que em situações pontuais e perante uma afluência exagerada de utentes disponha de meios para reforçar as equipas.
C. Ordem dos Médicos. Criar a especialidade de Urgência /Emergência de acordo com o que está definido no curriculum europeu da especialidade. Implementar protocolos ou normas de orientação clínica de observação e tratamento para as situações mais frequentes no Serviço de Urgência.
D. Sociedade. A sociedade como um todo, os profissionais de saúde em particular, o Ministério e a Ordem dos Médicos têm de realizar uma reflexão a fim de estabelecer para alguns doentes cuidados de conforto de fim de vida e evitar uma distanásia que diariamente é realizada nos nossos serviços hospitalares.
Para um doente sem vida de relação, acamado, com cognição ausente e com agudização de uma determinada patologia devem ser implementadas medidas de tratamento que não vai melhorar a qualidade de vida do doente ou estabelecer com a família medidas de conforto e de fim de vida? Esta discussão é urgente ser realizada pela sociedade.
DIRETOR DO SERVIÇO DE URGÊNCIA DO CENTRO HOSPITALARTÂMEGA E SOUSA
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Urgências hospitalares: culpas repartidas? Soluções partilhadas
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