Elisio Macamo
Pela paz
Também sou pela paz. Mas não uma paz qualquer. Sou por uma paz que respeita a nossa ordem constitucional, uma paz hostil a todo o indivíduo (ou grupos de indivíduos) que desafiam essa ordem. Neste momento, quem desafia essa ordem são os indivíduos (ou grupos de indivíduos) contra os quais as nossas forças de defesa e segurança estão a empreender acções. São os que bloqueiam estradas e an...dam armados pelas matas em desafio aberto às autoridades legítimas. Concordo com o Presidente da República quando diz que não há guerra. Sim, não há guerra. Há quem põe em causa a paz e não respeita a Constituição. Só haverá paz efectiva em Moçambique se a Constituição for respeitada. Para que isso aconteça é necessário que aqueles a quem os mecanismos democráticos estabelecidos por essa Constituição conferiram a obrigação de a defender não cedam a chantagens de nenhuma espécie. Essa é a paz que quero para o meu País!
A crise que o País atravessa põe a descoberto alguns dos problemas estruturais e normativos que países nas nossas circunstâncias sempre terão com a democracia. O principal problema estrutural é o da vulnerabilidade em relação a qualquer grupo armado com um mínimo de organização. Em texto de há alguns meses questionei-me se o Presidente da República poderia realmente contar com o exército na sua opção militar. Tudo indica que o nosso exército esteja muito longe de ser o garante da nossa segurança, infelizmente. Mas é o exército que temos e ele precisa do apoio moral de todos nós. Esta vulnerabilidade agrava-se pela correlação que existe entre o controlo do aparelho de Estado e o enfraquecimento da oposição, o que produz um território político potencialmente injusto e minado de frustração e insatisfação. Este problema piora quando o funcionamento desse aparelho de Estado deixa muito a desejar, sobretudo quando os seus agentes creem estar ao serviço dum partido político. O principal problema normativo é o fraco compromisso da sociedade com a ordem constitucional e a extrema atracção exercida pela lógica dos fins que justificam os meios, provavelmente uma herança da cultura política do período imediatamente a seguir à independência. Há muita gente que ainda não entendeu que a estabilidade da nossa democracia depende deste compromisso. A melhor resposta à arrogância do governo, à fraude eleitoral e à partidarização do Estado não é o apoio, ainda que apenas tácito, à violência contra esse Estado e o benefício da dúvida a quem se mostra intransigente na negociação das suas reivendicações. A melhor resposta é a defesa da ordem constitucional através da insistência na sua qualidade de quadro e contexto dentro do qual todos os problemas devem ser resolvidos. Só isso nos pode dar autoridade moral para recriminarmos a má conduta de seja quem for.
Naquilo que, para mim, foi um dos seus melhores discursos sobre o Estado da Nação, Guebuza expôs em Dezembro de 2013 o que impede a resolução dos problemas com a Renamo. Paul Fauvet, o jornalista da AIM, mostra também numa análise bem conseguida porque a posição negocial da Renamo deixou de fazer sentido. Mais concessões do que aquelas que o Governo fez não são possíveis, a não ser que a Constituição deixe de ter o valor que ela devia ter. Só que este impasse revela um outro lado do problema que passou despercebido a muitos de nós, incluindo aos próprios governantes. O garante da paz no País nos últimos anos, por mais curioso que pareça, foi Afonso Dhlakama. Se ele não tivesse ido a Nampula e, depois, a Satunjira, teríamos muito provavelmente tido estas escaramuças muito mais cedo. Depois de ter, infelizmente, revelado muita inépcia política na organização do seu partido, inépcia essa que, em parte, adiou de forma sine die a satisfação das exigências materiais de alguns dos seus acólitos, ele entregou o seu corpo como resgate para uma paz que ficou refém da consagração do seu partido como entidade acima da ordem constitucional. Neste sentido, concordo cada vez menos com aqueles que dizem que Chissano – pelo diálogo com Dhlakama – assegurou melhor a paz do que Guebuza – pela recusa desse diálogo. Antes pelo contrário. Guebuza deu a Dhlakama o último argumento que ele precisava para continuar a manter a sua autoridade dentro da ala militar. É preciso recordar que Chissano nunca fez nenhuma concessão a Dhlakama, razão pela qual este último falava sempre, e amargamente, da ditadura da maioria e renovava constantemente as suas ameaças contra o País. Estas acções armadas podem, se calhar, ajudar a libertar o próprio Dhlakama das exigências e expectativas que o sequestraram.
Há algumas pessoas que preconizam uma solução angolana. A mera sugestão revela a distância que separa essas pessoas dos valores que a nossa ordem constitucional tenta incorporar e dá, indirectamente, razão e força aos protestos da Renamo. Mas há também um erro estratégico nesse cálculo. Não me parece prudente supor que Dhlakama tenha controlo sobre os homens armados. Tudo indica que ele perdeu esse controlo e que, finalmente, isto é, mais de 20 anos depois do fim da guerra dos 16 anos, o nosso exército vai lidar com verdadeiros bandidos armados. O governo deve proteger a ordem constitucional no respeito rígido das normas éticas que esse documento incorpora. Politicamente, contudo, devia abandonar a farsa das negociações com a Renamo e seguir as recomendações feitas por alguns académicos de abrir o diálogo para toda a sociedade. Não é de mediadores que o País agora precisa. É de interlocutores e esses não são só a Renamo e o Governo, mas sim todas as forças vivas e devidamente organizadas da sociedade. Há muito que o Governo devia ter convidado o MDM – como partido com assento na Assembleia da República – a fazer parte dessas “negociações”. Há muito que o Governo devia ter insistido num convênio nacional como a melhor plataforma de diálogo para corrigir o que está errado com a nossa ordem constitucional.
Só espero que o Presidente Guebuza não dê ouvidos aos seus falcões, tenha a coragem de dar este passo de convocar uma convenção nacional, a mesma coragem que ele demonstra ao resistir à chantagem de homens armados, e, pelo bem do País, contribua para uma paz pela qual vale a pena sacrificar a vida dos homens e mulheres que zelam pela nossa segurança. Joaquim Chissano, Mariano Matsinhe, Marcelino dos Santos, Máximo Dias, Raúl Domingos e todos os outros que se destacaram politicamente neste País, mas também todos aqueles que ganharam respeito e protagonismo pelas suas qualidades profissionais deviam vir a público apoiar a defesa da ordem constitucional – dizendo não à chantagem política – e apoiar a convocação dum convénio nacional, único instrumento capaz de libertar os interlocutores do diálogo surdo e mudo com o qual eles têm vindo a entreter a opinião pública.See more
Também sou pela paz. Mas não uma paz qualquer. Sou por uma paz que respeita a nossa ordem constitucional, uma paz hostil a todo o indivíduo (ou grupos de indivíduos) que desafiam essa ordem. Neste momento, quem desafia essa ordem são os indivíduos (ou grupos de indivíduos) contra os quais as nossas forças de defesa e segurança estão a empreender acções. São os que bloqueiam estradas e an...dam armados pelas matas em desafio aberto às autoridades legítimas. Concordo com o Presidente da República quando diz que não há guerra. Sim, não há guerra. Há quem põe em causa a paz e não respeita a Constituição. Só haverá paz efectiva em Moçambique se a Constituição for respeitada. Para que isso aconteça é necessário que aqueles a quem os mecanismos democráticos estabelecidos por essa Constituição conferiram a obrigação de a defender não cedam a chantagens de nenhuma espécie. Essa é a paz que quero para o meu País!
A crise que o País atravessa põe a descoberto alguns dos problemas estruturais e normativos que países nas nossas circunstâncias sempre terão com a democracia. O principal problema estrutural é o da vulnerabilidade em relação a qualquer grupo armado com um mínimo de organização. Em texto de há alguns meses questionei-me se o Presidente da República poderia realmente contar com o exército na sua opção militar. Tudo indica que o nosso exército esteja muito longe de ser o garante da nossa segurança, infelizmente. Mas é o exército que temos e ele precisa do apoio moral de todos nós. Esta vulnerabilidade agrava-se pela correlação que existe entre o controlo do aparelho de Estado e o enfraquecimento da oposição, o que produz um território político potencialmente injusto e minado de frustração e insatisfação. Este problema piora quando o funcionamento desse aparelho de Estado deixa muito a desejar, sobretudo quando os seus agentes creem estar ao serviço dum partido político. O principal problema normativo é o fraco compromisso da sociedade com a ordem constitucional e a extrema atracção exercida pela lógica dos fins que justificam os meios, provavelmente uma herança da cultura política do período imediatamente a seguir à independência. Há muita gente que ainda não entendeu que a estabilidade da nossa democracia depende deste compromisso. A melhor resposta à arrogância do governo, à fraude eleitoral e à partidarização do Estado não é o apoio, ainda que apenas tácito, à violência contra esse Estado e o benefício da dúvida a quem se mostra intransigente na negociação das suas reivendicações. A melhor resposta é a defesa da ordem constitucional através da insistência na sua qualidade de quadro e contexto dentro do qual todos os problemas devem ser resolvidos. Só isso nos pode dar autoridade moral para recriminarmos a má conduta de seja quem for.
Naquilo que, para mim, foi um dos seus melhores discursos sobre o Estado da Nação, Guebuza expôs em Dezembro de 2013 o que impede a resolução dos problemas com a Renamo. Paul Fauvet, o jornalista da AIM, mostra também numa análise bem conseguida porque a posição negocial da Renamo deixou de fazer sentido. Mais concessões do que aquelas que o Governo fez não são possíveis, a não ser que a Constituição deixe de ter o valor que ela devia ter. Só que este impasse revela um outro lado do problema que passou despercebido a muitos de nós, incluindo aos próprios governantes. O garante da paz no País nos últimos anos, por mais curioso que pareça, foi Afonso Dhlakama. Se ele não tivesse ido a Nampula e, depois, a Satunjira, teríamos muito provavelmente tido estas escaramuças muito mais cedo. Depois de ter, infelizmente, revelado muita inépcia política na organização do seu partido, inépcia essa que, em parte, adiou de forma sine die a satisfação das exigências materiais de alguns dos seus acólitos, ele entregou o seu corpo como resgate para uma paz que ficou refém da consagração do seu partido como entidade acima da ordem constitucional. Neste sentido, concordo cada vez menos com aqueles que dizem que Chissano – pelo diálogo com Dhlakama – assegurou melhor a paz do que Guebuza – pela recusa desse diálogo. Antes pelo contrário. Guebuza deu a Dhlakama o último argumento que ele precisava para continuar a manter a sua autoridade dentro da ala militar. É preciso recordar que Chissano nunca fez nenhuma concessão a Dhlakama, razão pela qual este último falava sempre, e amargamente, da ditadura da maioria e renovava constantemente as suas ameaças contra o País. Estas acções armadas podem, se calhar, ajudar a libertar o próprio Dhlakama das exigências e expectativas que o sequestraram.
Há algumas pessoas que preconizam uma solução angolana. A mera sugestão revela a distância que separa essas pessoas dos valores que a nossa ordem constitucional tenta incorporar e dá, indirectamente, razão e força aos protestos da Renamo. Mas há também um erro estratégico nesse cálculo. Não me parece prudente supor que Dhlakama tenha controlo sobre os homens armados. Tudo indica que ele perdeu esse controlo e que, finalmente, isto é, mais de 20 anos depois do fim da guerra dos 16 anos, o nosso exército vai lidar com verdadeiros bandidos armados. O governo deve proteger a ordem constitucional no respeito rígido das normas éticas que esse documento incorpora. Politicamente, contudo, devia abandonar a farsa das negociações com a Renamo e seguir as recomendações feitas por alguns académicos de abrir o diálogo para toda a sociedade. Não é de mediadores que o País agora precisa. É de interlocutores e esses não são só a Renamo e o Governo, mas sim todas as forças vivas e devidamente organizadas da sociedade. Há muito que o Governo devia ter convidado o MDM – como partido com assento na Assembleia da República – a fazer parte dessas “negociações”. Há muito que o Governo devia ter insistido num convênio nacional como a melhor plataforma de diálogo para corrigir o que está errado com a nossa ordem constitucional.
Só espero que o Presidente Guebuza não dê ouvidos aos seus falcões, tenha a coragem de dar este passo de convocar uma convenção nacional, a mesma coragem que ele demonstra ao resistir à chantagem de homens armados, e, pelo bem do País, contribua para uma paz pela qual vale a pena sacrificar a vida dos homens e mulheres que zelam pela nossa segurança. Joaquim Chissano, Mariano Matsinhe, Marcelino dos Santos, Máximo Dias, Raúl Domingos e todos os outros que se destacaram politicamente neste País, mas também todos aqueles que ganharam respeito e protagonismo pelas suas qualidades profissionais deviam vir a público apoiar a defesa da ordem constitucional – dizendo não à chantagem política – e apoiar a convocação dum convénio nacional, único instrumento capaz de libertar os interlocutores do diálogo surdo e mudo com o qual eles têm vindo a entreter a opinião pública.See more
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