Já se contaram inúmeras histórias e episódios em redor do Grande Eusébio, que faleceu hoje em Lisboa, cerca de três semanas antes de completar 72 anos de idade.
Mas não esta pequena história, que aqui elenco, em singela homenagem ao superlativo atleta de Moçambique, que inspirou e maravilhou gerações de amantes do futebol em todo o mundo, entre eles o meu Pai, que, vindo dos Açores e de Macau, decidiu ir viver para Lourenço Marques em 1958, e que assistiu ao vivo a todo o percurso de Eusébio, que em nossa casa sempre foi visto como um grande valor moçambicano.
Como é conhecido, o nome de código de Eusébio usado nas negociações que culminaram quando ele viajou de Lourenço Marques para ingressar no Benfica em Lisboa, onde chegou na noite de 16 de Dezembro de 1960, era Rute (ou Ruth) Malosso.
Mas Rute Malosso não era apenas um nome de código.
Havia de facto uma Rute Malosso em Lourenço Marques em 1960.
Rute Malosso era na altura uma jovem filha de Conceição Malosso, casada com Albertino do Vale Malosso, único irmão de Arlindo do Vale Malosso, que vivia em Moçambique desde os anos 20.
O irmão de Albertino, Arlindo do Vale Malosso, era um português mas que tinha cidadania norte-americana. Trabalhava como comissário de bordo de um navio que fazia carreira entre Cuba e os Estados Unidos. O seu pai era italiano (o apelido Malosso origina no Norte da península italiana) e foi chefe dos rebitadores que trabalharam na construção da Torre Eiffel em Paris, inaugurada aquando da realização da Exposição Universal naquela cidade em 1889 (e em que o use dos rebites foi uma inovação tecnológica importante). Mais tarde trabalhou na Ponte Dom Luiz na Cidade do Porto.
Em Portugal, o Pai de Arlindo casou com uma senhora portuguesa, de Tomar, de apelido Vale.
Anos mais tarde, numa viagem em redor de África, no início dos anos 1920, o navio onde Arlindo se encontrava a trabalhar teve uma avaria grave e teve que parar em Lourenço Marques para reparações durante algum tempo. Arlindo era cortador de carnes e arranjou logo emprego num talho de Manuel Cretikos, pai de Jorge Cretikos, uma família de origem grega que tinha vários negócios em Lourenço Marques. Eventualmente, Malosso radicou-se em Moçambique e envolveu-se em vários negócios, entre eles uma rede de talhos em Lourenço Marques.
Pouco depois da sua chegada a Moçambique, Arlindo mandou vir a sua mulher de Portugal e também convidou o seu irmão Albertino (pai de Rute Malosso) que vivia em Portugal, para se juntar a ele em Lourenço Marques, como talhante.
Qual a ligação entre Rute Malosso e a saga do mais famoso desportista moçambicano de todos os tempos?
Quem usou o nome de Rute Malosso aquando da transferência de Eusébio do Sporting de Lourenço Marques para o Benfica em Lisboa foi Mário Tavares de Melo, que conhecia Rute e era amigo de Albertino Malosso, pois ambos eram talhantes (cortavam carne num talho em Lourenço Marques, situado no Bazar de Lourenço Marques) e eram adeptos ferrenhos do Benfica na capital da então província portuguesa, onde o jovem Eusébio nascera, filho de um angolano branco de Lubango, Angola, e de uma bonita jovem moçambicana de Xipamanine, Elisa. O pai morreu antes de Eusébio completar sete anos de idade.
No final dos anos 50, o talento do jovem moçambicano, que vinha na senda de enormes talentos futebolísticos já surgidos do futebol moçambicano (Mário Coluna era o pilar do Benfica na altura, por exemplo) já despontara o interesse e pouco antes do seu ingresso no Benfica Bella Gutman, o lendário e mercurial treinador do clube português, voou até Lourenço Marques para observar o jovem talento. Gutman ficou impressionado.
Mário Tavares de Melo foi um dos elementos chave no complexo processo negocial em que Eusébio, que na altura era jogador do Sporting de Lourenço Marques, e que era menor (logo não tinha capacidade jurídica para assinar contratos), acaba, essencialmente por decisão da sua Mãe Elisa, por assinar um compromisso com o Benfica, compromisso esse consubstanciado com o seu registo, dias mais tarde, na Federação Portuguesa de Futebol, como jogador desse clube.
Nas negociações, que envolveram telegramas e telefonemas entre a capital moçambicana e a capital portuguesa, feitos em “aberto” (ou seja, podiam ser escutados e lidos pelos operadores da companhia telefónica em Lourenço Marques e em Lisboa) Mário usava o nome de Rute Malosso para se referir a Eusébio.
Rute Malosso ainda é viva (e saudável), está reformada e hoje reside em Queluz de Baixo, Portugal. Tem dois filhos e uma filha. Apesar de, como era costume na altura, as mulheres tipicamente adoptarem os nomes dos maridos quando se casavam, Rute, que casou com Joaquim Oliveira, manteve até hoje o seu apelido de nascimento – Malosso. Durante muitos anos, trabalhou para o Grupo Pestana.
Não tenho registo de alguma vez Rute Malosso e Eusébio se terem conhecido.
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