ENTREVISTA -
O ACADÉMICO e militar Joaquim Marcos Manjate lançou ontem, na capital do país, um livro intitulado “Análise Estratégica da Liderança na Guerra em Moçamboque: Batalha da Zambézia (1986-1992)”.
Maputo, Quarta-Feira, 17 de Abril de 2013
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É uma obra na qual o autor faz a análise, com base nas ferramentas científicas, do comportamento dos actores no palco das operações, cujo epicentro é a batalha da Zambézia, no período que vai de 1986 até 1992, altura em que o país conheceu o calar das armas, com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz, em Roma, na Itália. Em entrevista ao nosso Jornal, ele fala do livro e do que o deu origem, sublinhando que, Moçambique deve tudo fazer para consolidar as suas conquistas. A todos os níveis. Vamos à entrevista.
- O que é este livro?
- Análise Estratégica da Liderança na Guerra em Moçambique foi a minha tese de Doutoramento na Universidade da Commowealth. Eu levo as experiências dos anos da guerra de libertação, da Rodésia Britânica do Sul (Zimbabwe), do Ian Smith, da África do Sul, no regime do Apartheid, e a guerra civil que durou 16 anos, e tomo como centro de gravidade a batalha da Zambézia, no período de 1986 a 1992, onde havia toda uma intenção de divisão do país pela ocupação que a Renamo acabou assumindo naquela província.
- O que é este livro?
- Análise Estratégica da Liderança na Guerra em Moçambique foi a minha tese de Doutoramento na Universidade da Commowealth. Eu levo as experiências dos anos da guerra de libertação, da Rodésia Britânica do Sul (Zimbabwe), do Ian Smith, da África do Sul, no regime do Apartheid, e a guerra civil que durou 16 anos, e tomo como centro de gravidade a batalha da Zambézia, no período de 1986 a 1992, onde havia toda uma intenção de divisão do país pela ocupação que a Renamo acabou assumindo naquela província.
- Quando é que foi defendida esta tese?
- Ela foi defendida em Pretória, na África do Sul, a 19 de Junho de 2007. E a partir desse momento comecei a transformar a tese nesta obra que acaba de surgir.
- Quanto tempo levou desde a pesquisa até à conclusão da obra?
- Passam sensivelmente seis anos. Mas é preciso referir que estou ligado a este assunto há mais de 20 anos. Fiz parte da guerra na provincia da Zambézia, onde era Chefe de Reconhecimento. Levei experiências vividas ao longo de mais de 20 anos para o livro. E nos últimos seis anos estava a trabalhar na obra. Simultaneamente estava a trabalhar numa outra obra, publicada em 2010, intitulada “Saber Negociar”. Mas chamo muita atenção a esta por tratar-se de historiografia e epistemologia da História.
- No seu prefácio, o General António Hama Thay considera este livro uma proposta de arte da guerra em Moçambique. Comentário possível.
- Os escritos que eu li sobre a guerra em Moçambique levantam muito a questão de teorização. E neste trabalho académico procuramos integrar as teorias de estratégias, de liderança, de administração e de gestão na nossa guerra. Se alguma coisa fizemos bem é porque certa teoria foi muito bem aplicada. O mesmo é válido ao contrário. Então, este não é um livro de história. Pode ser sim historiografia militar outra coisa mais. Este é um livro que faz análise de fenómenos que ocorreram nesse processo da guerra no país. Dentro de si existem algumas narrações, mas ele faz uma análise da liderança num contexto de guerra e faz uma análise da gestão da guerra em Moçambique.
- Um dos conceitos que é muito debatido é a Unidade de Esforço. O que é isso?
- Tudo o que fazemos vemos as coisas de forma holística e constante. Quer dizer, Eduardo Mondlane quando foi dirigir a Luta de Libertação Nacional baseou-se na teoria de Unidade de Esforço. Esta teoria é complexa. Eu basei-me na teoria de Eduardo Mondlane que dizia “Um só país a libertar que era Moçambique. Um território completo. Um só inimigo, que era o colonialismo português e que era a ameaça à liberdade dos moçambicanos. E um só fim, que era a Independência Nacional”. Então, a relação entre o objectivo, a ameaça e o território quando é vista de forma holística e constante aí devemos aplicar essa teoria. Quando o território é ocupado por alguma ameaça o nosso objectivo deixa de chegar lá. E quando essas ameaças vão se estendendo cada vez mais a outras unidades do território – como aconteceu nesta última guerra – o nosso objectivo deixa de estar lá. Então, nesta última guerra fomos perdendo pedaços do território, o que fez com que a agenda do Governo não fosse cumprida na íntegra devido a essa ameaça. Isso enfraquecia o Estado. Então a unidade de Esforço diz que temos que ver as questões de segurança de forma holística. O que chamamos, na actualidade, de complexo de segurança, que é político, económico, social, ambiental e energético. É preciso vermos isso de forma holística e constante porque esses objectivos podem ser afectados devido à ameaça do território.
- Qual é o enquadramento histórico e académico desta obra?
- Há experiências da Luta de Libertação Nacional onde o exército colonial estava melhor equipado e tinha tecnologia, mais pessoal treinado. Os nossos guerrilheiros eram menos, mas eles conseguiram derrotar o colonialismo português. E porquê isso foi possível, porque os guerrilheiros tinham uma melhor organização, boa mobilização, boa capacidade, moral alta, os objectivos estavam claros e eram partilhados todos os dias e a todo o momento, a ameaça estava bem definida e o território também claramente definido. Todas as conquistas eram consolidadas. Depois da Independência Nacional começamos a perder algum terreno, e, como diz Maquiavel, todas as conquistas deviam ter sido imediatamente consolidadas, mas não aconteceu. Conquistar e manter o poder. Após o conflito dos 16 anos temos tido muitas conquistas, mas algumas precisam de ser consolidadas, tal como aconteceu durante a Luta de Libertação Nacional. Temos que consolidar isso até à vitória final, isto na base de Unidade de Esforço. Tudo o que nós conquistamos temos que consolidar.
- Na análise académica que faz percebe que em algum momento terá havido uma fragmentação da Unidade de Esforço. O que terá levado que se perdesse boa parte do território, a nível da província da Zambézia, durante a guerra civil, em favor da Renamo?
- Posso afirmar categoricamente que nunca houve fragmentação. Houve, provavelmente, a compreensão diferenciada de qual era a ameaça. Chamavámos-lhes politicamente de bandidos armados, mas a Renamo era uma organização. Pode ter uma génetica de bandido armado, mas, quando nós colocamos as teorias clássicas, que têm très pressupostos, que uma organização é um ser orgânico: ela nasceu, cresceu e transformou-se. É um ser económico. Logo, estava à procura de resultados. Tem um desenho organizacional. Sim, ela teve uma estrutura orgânica e tem objectivos concretos por alcançar. Então, a evolução da Renamo não foi compreendida claramente até ela chegar a ocupar quase 80 por cento do território na província da Zambézia como revela o mapa no livro. Nós sempre tínhamos essa capacidade de revirar a situação quando descobríssemos ela já está péssima. E a questão que se coloca é: porquê esperar que a situação se agravasse para depois revirar. É isso.'
- Acha que esse método, Unidade de Esforço ao contexto actual?
- Penso que sim. Por exemplo, numa estrada vê-se um pequeno buraco, mas ele nunca é reparado por se pensar ser pequeno. Só depois de se transformar em cratera e não poder se transitar pela estrada é que há obras de manutenção. A estrada tem que ser mantida constantemente. Então esse é o preceito de que nunca houve fragmentação.Os meus estudos não revelam nenhuma fragmentação no sistema.
- Da análise feita que alude à batalha da Zambézia de 1986 a 1992, os objectivos da Renamo era dividir o país, o que pressupunha ocupar a Zambézia?
- Provavelmente a questão não era simplesmente dividir. À medida que foi crescendo, a Renamo foi mudando os seus objectivos e percebeu que precisava de uma unidade político-territorial. E, pela sua localização meridional, se alguém ocupasse a Zambézia tinha o país dividido claramente. Zambézia tem população suficiente para trabalhar, tem rios, portos, costa e fronteira. Então, estaria em condições de receber apoio pelo mar e por terra. Podia estabelecer relações internacionais sem problemas, podia ter comida suficiente para a sua alimentação. E negociaria qualquer coisa que fosse com poder de força. Assim, a Renamo foi à Roma, para discutir os Acordos Gerais de Paz, sem nenhum território. Essa ideia de querer tomar a Zambézia, até podia ter a sua lógica porque a Renamo tinha as áreas rurais, só que nunca teve um distrito onde dissesse que estabeleceu a sua administração. Na Zambézia o curso da guerra sempre mudava.
- O que faltou?
- Houve medidas enérgicas tomadas por Samora Machel, procurando evitar que se perdesse a Zambézia. Também houve uma liderança muito forte, depois da morte do Marechal. O Estado se impôs e organizou o Posto de Comando Avançado (PCA) que era dirigido pelos generais António Hama Thay e Lagos Lidimo. E começaram as operações que permitiram reverter a situação. As operações começaram e não mais pararam. E o jeito que a Renamo conhecia a estrutura do Governo, que era de conquistar uma área e mais tarde ela tomar, mudou. Quando se reverteu a situação foi conquistar, consolidar e restabelecer a administração do Estado. Esse foi um novo paradigma de ocupar todas as unidades territoriais que estavam sob controlo da Renamo e consolidar isso ao contrário do que vinha acontecendo. E o Estado partilhava esse paradigma de conquistar e consolidar a sua presença lá.
- Do ponto de vista científico, este livro chama atenção para a importância da gestão do conhecimento e do esforço colectivo visando o alcance de um objectivo comum. É interessante essa visão.
- A primeira questão é na administração pública. A gestão de um distrito, que é o pólo nosso do desenvolvimento e o combate à pobreza necessita que haja a união de esforços. O distrito pode desenvolver estratégias e começar a produzir riqueza, mas todos esses processos precisam de uma liderança forte e de uma gestão efectiva. No campo da estratégia temos que visionar Moçambique hoje, amanhã e sempre. Na gestão, a eficiência e eficácia são alcançados na prática e no debate do dia-a-dia. Mesmo com todos os recursos naturais disponíveis se a liderança, a administração e a gestão não forem científicas vamos fazer as coisas, mas não teremos o impacto da riqueza da Nação.
- É o fim, qual é a perspectiva?
- Eu não gostava que fosse sozinho a escrever sobre estes fenómenos. Que existam outras pessoas a fazé-lo. Que escrevem sobre as outras variáveis que foram acontecendo, pois devemos ser muitos a discutirmos as lições apreendidas na guerra e do passado e criarmos novos paradigmas. Os problemas de ontem não podem ser os problemas de hoje. Esta é que deve ser a nossa perspectiva
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