Rui Lamarques
O banquete da miséria
O dia ainda não se decidiu a nascer, o vento desliza pelas ruas e por aquilo que sobrou das casas precárias que a chuva levou. São seis e picos da manhã quando uma porta, desengonçada pelo uso e pelo tempo, se abre. D...o outro lado está mamã Ju, Juliana Sigauque no assento de nascimento. Ju desconhece aconchegos, o sol abrasador é a mais doce de suas penas. Tem 54 anos e uma panela de farinha nas mãos. Agora é hora de alimentar pessoas estranhas, parentes e rostos distantes. Porém, parentes na desgraça.
"A vida não está fácil". Ju é mulher de fibra, não alinha nos queixumes dos seus novos parentes e nem disputa atenção de quem visita o centro de acolhimento, mas pedir-lhe para falar da sua casa abana-lhe a estrutura. Os olhos molham-se um pouco. "Não está fácil", repete.
Há mais de 30 anos o sonho das minas levou-lhe o marido, não se sabe para onde. Há dez anos perdeu o emprego como doméstica. Teve de se reinventar como comerciante num mercado. Foi assim que construiu a casa que a chuva levou. "Ninguém me deu um varão. Foi tudo meu sacrifício", diz.
Apesar da idade, da pobreza, do trabalho de escravo para levar comida à boca dos seus e um rosto carregado de rugas, Ju transporta no olhar a alegria própria das anciãs.
Não sabe se quando ou até de voltará a ter casa própria, mas diz que não viveu em vão. Educou cinco filhos e todos foram a escola. "Nenhum é analfabeto como eu", garante.
Isso tudo acontece longe dos holofotes da media e em torno da sua própria miséria Ju e mais algumas famílias que viram as suas casas e os seus parcos haveres arrastados pela força das enxurradas procuram enganar o estômago. Perderam tudo. Casa, móveis e roupa, mas não perderam a fome e nem fé de que dias melhores estão por vir. De tão preocupadas que estão com a sua condição actual estão pouco se marimbando para as festanças da nossa Casa Branca. Isso não lhes diz nada e nem lhes vai devolver o que perderam. Até porque o que mais importa, na verdade, é o banquete da miséria...See more
— with Amosse Macamo and 44 others. O dia ainda não se decidiu a nascer, o vento desliza pelas ruas e por aquilo que sobrou das casas precárias que a chuva levou. São seis e picos da manhã quando uma porta, desengonçada pelo uso e pelo tempo, se abre. D...o outro lado está mamã Ju, Juliana Sigauque no assento de nascimento. Ju desconhece aconchegos, o sol abrasador é a mais doce de suas penas. Tem 54 anos e uma panela de farinha nas mãos. Agora é hora de alimentar pessoas estranhas, parentes e rostos distantes. Porém, parentes na desgraça.
"A vida não está fácil". Ju é mulher de fibra, não alinha nos queixumes dos seus novos parentes e nem disputa atenção de quem visita o centro de acolhimento, mas pedir-lhe para falar da sua casa abana-lhe a estrutura. Os olhos molham-se um pouco. "Não está fácil", repete.
Há mais de 30 anos o sonho das minas levou-lhe o marido, não se sabe para onde. Há dez anos perdeu o emprego como doméstica. Teve de se reinventar como comerciante num mercado. Foi assim que construiu a casa que a chuva levou. "Ninguém me deu um varão. Foi tudo meu sacrifício", diz.
Apesar da idade, da pobreza, do trabalho de escravo para levar comida à boca dos seus e um rosto carregado de rugas, Ju transporta no olhar a alegria própria das anciãs.
Não sabe se quando ou até de voltará a ter casa própria, mas diz que não viveu em vão. Educou cinco filhos e todos foram a escola. "Nenhum é analfabeto como eu", garante.
Isso tudo acontece longe dos holofotes da media e em torno da sua própria miséria Ju e mais algumas famílias que viram as suas casas e os seus parcos haveres arrastados pela força das enxurradas procuram enganar o estômago. Perderam tudo. Casa, móveis e roupa, mas não perderam a fome e nem fé de que dias melhores estão por vir. De tão preocupadas que estão com a sua condição actual estão pouco se marimbando para as festanças da nossa Casa Branca. Isso não lhes diz nada e nem lhes vai devolver o que perderam. Até porque o que mais importa, na verdade, é o banquete da miséria...See more
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