sábado, 15 de dezembro de 2012

Semáforos Doidos

 
“Por que é que as coisas andam sempre mal”
(O Principio de Peter)

Quem tem veículo automóvel certamente já passou por isto. É aflitivo circular em Maputo, sobretudo à hora de ponta.
Alimentado por três grandes eixos viários, oriundos da Matola, aeroporto de Mavalane e praia da Costa do Sol, o tráfego atinge agora o clímax no ground zero delimitado pelos quarteirões do HCM e zona escolar adjacente, na parte alta da cidade, mas também, na baixa da cidade, ao longo da 25 de Setembro.
Alguma coisa aconteceu para que, de um dia para o outro, a Vladimir Lenin se convertesse na via dolorosa dos automobilistas. Até o mais incauto citadino concorda que o congestionamento habitual da Ronil assentou arraiais no HCM. Ou que o funil da COOP se estendeu à praça do Destacamento Feminino. E a explicação existe: os semáforos novos.
Sempre fui céptico com respeito à patranha dos semáforos de Maputo (propositadamente avariados ou não). Não pestanejei, quando o Município, certamente assessorado pelo INAV e a Direcção Nacional dos Transportes Rodoviários, deu a notícia que uma NOVA empresa iria resolver a alegoria dos semáforos de uma vez por todas, substituindo os “velhos” pelos novos. Mas nunca fui céptico, quando percebi que o objectivo final era meramente cromático: retirar os pretos e colocar amarelos no seu lugar, talvez, por ser uma cor menos fúnebre, ou então para embolsar mais uns saguates que premeiam a diligência que os exemplares funcionários municipais têm, quando se trata de determinar o vencedor de um “concurso público”, mesmo que as engenhocas do concorrente vencedor fiquem a funcionar pior que os seus ancestrais.
Insólito é ver o Município e seus assessores de trânsito rodoviário, a aceitar tacitamente que temporizações de semáforos na sequência verde – amarelo –vermelho em apenas 5 segundos, nas perpendiculares das principais artérias da urbe é um feito...normal! Coitados dos peões, não voltarão a usar mais as passadeiras. Pudera, não são parvos...
Começo a pressentir que os engenheiros de tráfego que rebuscaram esta solução devem ter encomendado os seus canudos na Universidade Independente de Lisboa. Porque ao ponderarem apenas o fluxo de tráfego (se é que o fizeram) como único indicador para colocação e temporização de semáforos prestaram um mau serviço à cidade, não se preocupando com o ambiente circundante às vias, nomeadamente, áreas de serviço e residenciais, nem com o uso intensivo que peões e automobilistas fazem das mesmas.
Estes inginheiros, desconhecem que a temporização de semáforos exige tratamento caso a caso. Consoante simulações prévias e modelos matemáticos específicos, determina-se se ela é variável ou fixa. Se é ajustável a entroncamentos isolados ou a perpendiculares sucessivas de uma artéria principal e pode-se, inclusive, sincronizá-la de modo a que o fluxo de tráfego se mantenha num patamar aceitável. E nem sequer é preciso um centro de controlo integrado por computador para se chegar a esta evidência.
Porque, afortunadamente, a cidade de Maputo é de traça rectilínea, o que à partida escoaria o tráfego eficientemente, mesmo com poucos semáforos. E, em extensão, nem chega aos calcanhares de um subúrbio de Lagos ou de Johannesburgh.
O que estes senhores deveriam fazer, era desligar aquelas porcarias cintilantes (à falta de melhor solução) e um curso universitário a sério, para que a sua incompetência criadora, que muito lembra a de um construtor de navios que se esquece sistematicamente de colocar as chaminés neles, não nos (re) confirme - o que muitos já concordam - a incapacidade de cumprir promessas eleitorais.
Suponho até, que se desse caos ainda surgir alguma coisa boa, essa será a de cumprir os programas dos adversários políticos.
Por isso, já não me espantarei se estes cavalheiros, fizerem aprovar, com o seu voto maioritário, uma postura camarária que legalize a circulação de veículos pesados em ambos os sentidos da Mártires da Machava. O estacionamento de automóveis sobre o eixo de via, por toda a extensão da Julius Nyerere (se os intermitentes estiverem acesos). E provas de gincana perícia com inversões de marcha, em plena 25 de Setembro e nas barbas do INAV, devidamente sinalizado com fractars tricolores, pedindo a compreensão dos demais utentes da via, porque um menino teve que ir fazer cocó e não pode estacionar a tempo, que uma madame está a atender uma chamada importante. Ou, que um que senhor doutor está com pressa de chegar à casa da amante. Tudo em nome do progresso civilizacional. Darwin explica.

Quinta-feira, 14 de Abril de 2011

Conta Geral do Estado

Ninguém pode, por muito tempo,
ter um rosto para si mesmo
e outro para a multidão
sem no final confundir
qual deles é o verdadeiro.

Nathaniel Hawthorne

O Centro de Integridade Pública (CIP) divulgou o teor do relatório anual do Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2009, no qual se refere, pela enésima vez, às inúmeras imprecisões nas cifras apresentadas. Politiquices à parte, vamos lá ver se encerramos esta ladaínha de uma vez por todas.
Primeiro, o diagnóstico do problema. Algumas passagens importantes mostram que a lupa dos nossos juristas-auditores sentencia que a CGE não exibe relação entre custos de investimento e salários pagos no Estado. Também, aponta que a despesa de viaturas atribuídas a cargos de chefia está contida num valor global, não podendo ser esta rúbrica isolada. Diz-se igualmente que não se sabe quanto é que foi gasto a nivel central, provincial e distrital, porque, por exemplo, a apresentação das despesas distritais não discrimina os diferentes serviços. Defende que afinal, o essencial é que a CGE desagregue as despesas distritais por serviço em 2010. Pois bem, isto leva-me a concluir que o Tribunal Administrativo, hipocritamente, cumpriu o seu papel esmiuçando as mesmas insuficiências da CGE, mas excusou-se a identificar a causa do PROBLEMA, mesmo conhecendo-a, passando esse ónus ao Governo, que por sua vez, também conhecendo-a, espera que aquele lha venha apontar. E lá vamos nós, eleitores e contribuintes, ter que apartar novamente este pingue-pongue político...
E que descoberta luminosa. Quando é que os salários da nossa Função Pública são custos de investimento? Bem, se mergulharmos nas profundezas desse delírio, até poderíamos dizer que, por mera hipótese académica, para o Aparelho do Estado, os salários são, a um só tempo, um custo e um investimento. Custo, porque os salários reflectem-se nos custos do produto ou serviço final. Investimento, porque representa a aplicação de dinheiro num factor de produção - o trabalho – na tentativa de conseguir um retorno maior. Ora, eu dava tudo para saber como é que numa Função Pública como a que temos hoje se poderá equacionar o salário como um custo e um investimento ao mesmo tempo, porque cada funcionário que recebe o salário, tem momentos diferentes para se avaliar a relação custo e investimento, sendo que o custo está embutido no salário final (indispensável) e o investimento, obtem-se num prazo planeado pelo Estado. Quando as metas e os objectivos não são atingidos, o investimento torna-se num custo e como consequência, é preciso descartá-lo. Por outras palavras, implica emagrecer os recursos humanos do Aparelho do Estado. Será que isto está a acontecer na nossa Função Pública? Talvez se aponte para as reformas antecipadas como exemplo paradigmático disso, mas elas, também, são custos progressivos, que levarão ao colapso de qualquer sistema de segurança social, se o tão esperado retorno planeado pelo Estado não se efectivar, como aliás nos mostra o caso de Portugal, onde ainda muito nos inspiramos para criar as fundações da nossa Administração Estatal.
Independentemente do tópico acima, é óbvio que a orçamentação e da desagregação da Despesa são afinal o busílis da questão. Moçambique tem quatro maneiras para classificar a mesma coisa publica, sendo que duas em particular, são diametralmente diferentes. Uma é um método de orçamentação herdado do período anterior ao Estado Novo de Salazar, e que bebe muito do Regulamento de Fazenda de 1901, o qual compreende os orçamentos central, provincial e distrital. Outra, é a imposta pelo Sistema de Administração Financeira do Estado (e-SISTAFE), uma maneira supostamente "nova" trazida pelos doadores, que reflecte o modo como se orçamenta no Brasil. Ora, por todas as razões do mundo, Moçambique não é o Brasil, antes que mais não seja, por estarmos em continentes diferentes e sermos um estado de cariz unitário, enquanto o Brasil é um estado federal. Naturalmente, as finanças públicas de um país reflectem sempre o ordenamento jurídico territorial de um estado soberano. Todavia, na pressa de se cumprir com os ditâmes dos doadores fez-se, às três tabelas, uma cópia perfeita adaptada a Moçambique, celeramente transformada em Lei do SISTAFE, a qual, fiel ao comodismo dos nossos juristas termina infalivelmente na lapidar sentença “...e tudo que contrarie a presente Lei fica sem efeito...”. No caso concreto, trata-se do jurássico Regulamento de Fazenda de 1901. Mas a prática quotidiana mostra que a leitura se faz exactamente ao contrário.
Porque o maior disparate que vemos os nossos orçamentadores a fazer hoje em dia é tentar compensar, todos os anos, os limites evidentes na desagregação da despesa/receita do classificador do SISTAFE, com o Regulamento de Fazenda de 1901. Imagine-se o resultado. Um sistema informatizado (e-SISTAFE) combinado com um método arcaico do tempo da monarquia Portuguesa, que ainda se refere a dízimos, derramas, fintas e a alvitres da Rainha. Não esquecendo foros de julgada, fossadeira, relego, açougagens. Enfim, um corropio de terminologia jurídica, que convida mais à arqueologia do que às finanças públicas. E é justamente por causa disso que, por exemplo, esqueceram-se de orçamentar para 2011 a compra de medicamentos para os hospitais públicos de Moçambique! Este é que é um PROBLEMA.
Porque a partir disto, cada instituição pública sentiu a necessidade de chamar a sí, o direito de criar as rúbricas que melhor lhe convier para responder aos propósitos da missão que dita a sua criação, resultando na salada russa de irregularidades que o Tribunal Administrativo nos serve em porções generosas todos os anos.
Se o Governo tiver realmente intenção de sanar o problema e enterrar definitivamente o machado de guerra com outros órgãos de soberania, DEVERÁ instruir a Direcção Nacional do Orçamento a criar, sem demora, um classificador nacional único da Receita/Despesa para toda a coisa pública, instituindo-o como célula orçamentária do e-SISTAFE com efeitos imediatos, mostrando-se assim, porque razões é bom para um país apresentar contas certas. Faz subir a pontuação das agências de Rating, por exemplo. Que o diga Portugal, que hoje bem se lamenta de não ter seguido este conselho. Ou então, que decida pela extinção do SISTAFE, ficando-se apenas pela modernização do Regulamento de Fazenda de 1901. Se o conseguir...
Mas faça alguma coisa. Porque se nada for feito, até vai parecer que não se quer alterar a presente situação para se permitir um regabofe dos fundos públicos.

Terça-feira, 5 de Abril de 2011

Âmago da Questão

A maior lição da vida
é a de que, às vezes,
até os tolos têm razão

Winston Churchill

Segundo titulou uma edição do Jornal "O País" em finais de 2010, o aumento sazonal dos preços, sobretudo do combustível, decretado pelo governo de Moçambique e que levou aos confrontos de 2010 em Maputo, obedeceu a uma promessa de três anos ao Fundo Monetário Internacional (FMI), explicou Edward George, economista chefe do departamento de África da Economist Intelligence Unit, à “Lusa” citada pelo canal “Oje”. Efectivamente, esta é que foi a grande verdade!
O patriotismo e a auto-estima, o argumentum ad nauseam de quem, na realidade, está "amarrado" pelas goelas ao FMI e Banco Mundial, que insiste em não expô-lo descomplexadamente ao seu Povo. Preferindo é manter as aparências do que nunca foi. Porque aí então perceberíamos todos que a solução para Moçambique é afastar-se definitivamente do crédito bonificado dos agiotas de Bretton Woods. Mas também, não nos enfiarmos distraidamente na boca do Dragão. Os créditos leoninos de Beijing ou de qualquer outro parceiro bilateral que prometem milagres económicos à velocidade da luz. Porque esses vendem irremediavelmente a nossa soberania e hipotecam gerações de moçambicanos a uma factura cuja origem desconhecem e jamais conseguirão pagar. Reverter este quadro, não é impossível, mas exige muito mais do que intermináveis reuniões, comícios e monólogos. Esse é o nosso grande problema, afinal.
Porque o importante é um país como Moçambique ir ao mercado financeiro negociar soberanamente empréstimos mais vantajosos directamente com a Banca Internacional, mas para isso, é preciso criar o Clima para que alguém se atreva a emprestar-nos dinheiro sem rodeios. E isso passa por justiça eficiente, boa governação, bom ambiente de negócios e procedimentos de trabalho rápidos e eficientes em todas as franjas da sociedade, porque Nós, e não Eles, é que o queremos. Poder-se-á dizer que isto são chavões dos manuais de Bretton Woods, pois claro, mas também são, ironicamente, o âmago da questão, provando que a melhor mentira é sempre aquela que está mais próxima da verdade. Porque só assim a soberania será uma palavra com sentido lato em Moçambique. Porque é inaceitável esta situação endémica de um país como Moçambique, que é estatísticamente pobre, mas tem recursos naturais e massa crítica suficiente para transformá-los em riqueza, mas que padece do infortúnio de obedecer a líderes acomodados ao slogan «estamos a envidar esforços». Pois como diria Churchill, é inútil dizer «estamos a fazer o possível». Precisamos de fazer o que é necessário. E o necessário é ter soberania inalienável sobre dois sectores em particular: a Água e os Bens Alimentares. Os próximos conflitos armados da humanidade serão em volta disso e não dos famigerados combustiveis fósseis ou vegetais. Portanto, depende de nós, os filhos da terra, começar a reverter essa situação. Repito, NÓS, e não ELES.
É preciso perceber as causas da erosão do controlo nacional dos nossos sistemas de produção alimentar. Moçambique já foi um celeiro na África Austral. O país ainda é o mesmo. As pessoas é que não. Não se deve por isso, ficar amarrado a soluções de curto prazo e proximidade, mas sim, criar equipas especializadas para seguir em permanência a evolução política e económica do complexo sistema agro-alimentar global. Perceber porque más decisões dos nossos líderes nos podem colocar irreversivelmente na dependência do volátil mercado global e sujeitos aos lucros pornográficos das vorazes e manipuladoras multinacionais agro-alimentares.
É vital determinar o caminho certo para prever tumultos causados por legiões de esfomeados, quando noutras partes do mundo se deitam fora os excedentes alimentares (ou se queimam em incêndios florestais), para manter os preços de mercado e alimentar a ganância dos 500 Illuminati que governam a humanidade. O impacto dos biocombustiveis na criação de uma situação artificial de carência no mercado, e da alternativa sugerida do uso de cereais geneticamente modificados para aumentar a produtividade, que são lesíveis para a saúde, porém susceptíveis de potenciar os ”vendedores de doenças”, a indústria farmacêutica internacional, qual plano B do Capital sempre que o preço do crude baixa em Wall Street. Saber o que realmente está por detrás do famoso discurso da Revolução Verde em África. Quem são esses novos messias que se dizem dispostos a apoiar o esforço do continente? Não estaremos a alimentar lobos em pele de Cordeiro?
Oiço agora falar de monocultura e da consequente mecanização agrícola e eis que descubro que 18.000 hectares de terra arável foram concessionados a mais uma outra multinacional para produzir bio-combustíveis nas férteis terras do planalto, o celeiro da Nação. Assim como já tinha sabido que 23.500 hectares de terra, para a produção de trigo, arroz, leguminosas, milho, cebola e batata, seriam por certo, arrendados à um país da SADC num esforço destinado a suprir o défice alimentar gerado pela escassez de terra para a produção nesse país – justamente por ele ter optado erradamente, à já longos anos, por uma mono-cultura intensiva - num negócio em que Moçambique receberia em troca, firmas subsidiárias em joint-venture, participadas por empresários nacionais com 10% de acções por conta do aluguer da terra. E muitas outras parcerias de esbulho de terras que continuam em fila de espera. Um acordo recente para evitar a dupla tributação e evasão fiscal foi reportado na nossa media. Ele permitirá a um parceiro asiático resolver um problema criado pela sua própria má planificação económica, que já redundou na perda grandes quantidades de terras aráveis para dar lugar a fábricas poluentes e exploração turística. De acordo com o Ministério da Agricultura desse país, a terra para a produção do arroz, principal mercadoria da nação e líder nas receitas de exportação, diminuiu de 4.453.441 para 4.048.583 hectares, só no período de 2000 a 2006, basicamente por causa de uma iniciativa capitalista irresponsável – de ricos e para ricos: a proliferação de campos de golfe (quase 200 haviam sido projectados), que deslocaram milhares de agricultores e devastaram plantações de arroz das quais o país depende. Além das terras, os campos de golfe também influem nos recursos hídricos. Um campo com 18 buracos consome mais de cinco milhões de litros de água por dia, o suficiente para 20 mil agregados familiares. «Na temporada de seca é muito difícil», diz o encarregado pela rega de um dos campos, situado a cerca de 200 quilómetros da capital desse país. «Eu tenho de pressionar a empresa fornecedora de água, porque não há água suficiente para todas as pessoas da cidade». Em suma, não nos bastassem parcerias desequilibradas, agiotagem, agora vamos apregoar os benefícios fiscais por samaritanismo económico. Evidências de que o Estado moçambicano auto-demitiu-se há muito dos seus deveres constitucionais, pelos quais o Povo tem sido regularmente convidado a escrutinar a cada lustro, e agora entrou em auto-regressão ideológica total ao leme de um ministério da (des) planificação e (sub) desenvolvimento.
É preciso compreender por que milhares de iniciativas isoladas de sucesso na agricultura de baixa escala abaixo do trópico de Câncer são sistematicamente ignoradas pelos programas do FMI e do Banco Mundial, supostamente por causa da questão da propriedade da Terra, como se isso fosse uma verdade. Porque é que esses problemas são comuns em todos os países que sujeitam à sua umbrella, e não apenas naqueles - como Moçambique - onde a terra não se vende? De acordo com a Constituição da República Popular da China por exemplo, a terra é propriedade do Governo (central ou provincial), todavia as suas produção e produtividade agrícolas ainda são notáveis. Aliás, se os nossos constitucionalistas não fossem tão comodistas, estariam é a pensar numa Lei Fundamental que estabelecesse a inviolabilidade do direito de uso e aproveitamento da terra significaria, na práctica, uma situação muito próxima à da inviolabilidade da propriedade privada ou seja, em caso de expropriação, o Estado deveria, obrigatoriamente, indemnizar o anterior locatário, e matava-se assim o MITO que milhares e milhares de ONG, associações de agricultores, sociólogos, consultores, com honorários a custar mais de 60% das ajudas ao desenvolvimento da UE, EUA, Japão e outros, vêm muitas vezes a terreiro levantar. Porque o que o FMI e Banco Mundial estão a fazer para debelar o problema da fome global é manifestamente insuficiente, senão mesmo quimérico.
É decisivo democratizar os sistemas alimentares mundiais. Promover o conhecimento agrícola para todos e sempre pelo respeito da ecologia. E porquê? Porque o problema da fome mundial não radica na escassez de alimentos no mercado, mas sim nas regras da Organização Mundial do Comércio e da Bolsa Internacional. É preciso portanto, criar grupos de pressão permanentes e deslocá-los para o hemisfério norte para advogar pelo diálogo, transparência e mudança da Regra que actualmente barra iniciativas agro-ecológicas do Terceiro Mundo. A solução é democratizar o sistema alimentar global, retirando-o do controlo de oligopólios agrícolas e colocando-o de volta nas mãos dos agricultores e consumidores, que verdadeiramente deveriam ter sido sempre os beneficiários da agricultura, único caminho para construção de uma soberania alimentar plena em Moçambique.

O terreno de batalha agora é esse.

Como organizar um caos?

O caminho para cima e o caminho
para baixo são um único caminho

Heráclito

O dia 30 de Julho de 2010 figurou nos anais da história de Moçambique como o Dia do Caos Organizado. Aos ajuntamentos nas direcções de identificação civil, por causa do novo BI, e na secção de recenseamento militar, por causa das vagas da Autoridade Tributária, plantou-se o caos na inspecção de viaturas. Houve uma tolerância de ponto oficiosa na cidade de Maputo. Dirão alguns que já que há um dia consagrado a mentira, então, naturalmente se deveria já ter concebido um dedicado ao caos.
Com efeito, o que testemunhei no Zimpeto e na Matola, foi muito mais do que já prevera a tempos a atrás, quando inúmeros cidadãos juravam a pés juntos que jamais iriam fazer inspecção às suas viaturas. Hoje, acredito que lá estivessem TODOS eles, aos berros e aos repelões, usando as viaturas como arietes para chegarem até aos portões do centro de inspecção, com farolins partidos à mistura. As primeiras pessoas a serem atendidas às 7 da manhã haviam chegado ao local perto da 1 da madrugada!
Houve muita confusão no Zimpeto entre as 8 e as 9 da manhã, só tendo acalmado quando a PRM se fez presente e em força. Aí, verdade seja dita, começou-se a respeitar a fila de espera.
Mas o problema de fundo persistiu. Porque lá dentro, havia cortes de energia e por pouco, parava-se literalmente de se fazer a inspecção. Felizmente, o local tem um gerador, que arrancou e foi aguentando o pagode, aos pisca-piscas, porque por vezes também parava de cansado.
Em média, foram atendidas nessas circunstâncias, cerca de 50 viaturas de 2 em 2 horas, só que, nesse ritmo, rapidamente se percebeu que dificilmente se atingiria as 300 viaturas/dia, e assim, nem no fim do ano se teria chegado aos 80% da realização do parque automóvel nacional, hoje estimado em crescentes 300 mil viaturas. Até ao dia 29 de Julho, apenas 26 mil haviam sido inspeccionadas desde Janeiro deste ano, menos de 10% do previsto. Uma cifra extremamente baixa.
A imprensa escrita, rádio e televisão fizeram-se ao local. Inclusivamente, cumpriram seu dever de cidadania INFORMANDO os presentes que o prazo havia sido prorrogado. Mas ninguém acreditou neles, justamente porque não se sabia (como ainda não se sabe) de que prazo é que se estaria a tratar. Preferiram todos permanecer lá até ao cair da noite.
Porque o INAV - o grande responsável por esta trapalhada toda - não se dignou a aparecer no local, como se impunha, para esclarecer as pessoas sobre o que realmente se estava a passar reflectido numa e noutra imprensa - noticias totalmente contraditórias sobre o verdadeiro prazo limite da inspecção - naquilo que poderia ter sido uma maneira responsável de atenuar a confusão que se gerou. Mau serviço público, revelando a urticária que alguns quadros apanham quando têm de abandonar os seus gabinetes pressurizados para falar com pessoas de carne e osso.
Nao me vou esgotar a rebater as justificações do INAV para este caos organizado, que o oficioso jornal NOTICIAS, cumprindo seu dever para com o patronato, publicou no sábado seguinte, mau grado a incúria de muitos, e a casmurrice dos mesmos decisores de sempre.
Porque isso, o Professor Carlos Serra resumiu neste trecho do seu blog: "...o director nacional adjunto do Instituto Nacional de Viação, Sr. Jorge Miambo declarou - não estarem ainda reunidas as condições a nível nacional. Por outras palavras: antes havia e agora não há. Nem Heráclito faria melhor..."

E a Luta Continua, até à barraca final, mesmo porque, este ano há outra barraca com as viaturas. O Imposto Sobre Veiculos nos municipios...

Segunda-feira, 4 de Abril de 2011

Burkhas da Discórdia

Quem busca o conhecimento e o acha,
obterá dois prémios: um por procurá-lo,
e outro por achá-lo. Se não o encontrar,
ainda restará o primeiro prémio.
Maomé, 278

Pela lavra da Agência de Informação de Moçambique, ficámos a conhecer um episódio onde professores de uma escola curiosamente pertença de uma ONG islâmica, a African Muslim Agency, boicotaram as aulas por causa da presença de uma petiz coberta dos pés à cabeça como mandam os preceitos islâmicos mais conservadores. Rapidamente, os think-thank locais se apressaram a estabelecer um oportuno apêndice religioso. Mas não se trata de uma questão religiosa. Trata-se de uma questão regulamentar e com muitos equívocos. E nada mais. Tenho para mim que a laicidade ou a teocracia nestes casos deveriam ser tratadas em fórum mais apropriado. Não sendo jurista, penso ser uma maçada e até, procedimentalmente errado, fazer-se uma abordagem jurídica sistemática tendo a Constituição como charneira, porque afinal ela dá-nos o fundamento e não o detalhe ajustado à cada situação.
Para isso, regulamenta-se. E não - como tem sido pródigo neste país – se faz uma nova Lei, Portaria ou Decreto ad-hoc anulando parcial ou totalmente o efeito de um ordenamento jurídico anterior...terminando-os invariavelmente com a celebérrima sentença “...e tudo que contrarie a presente Lei fica sem efeito...”. Um dia ainda voltaremos a ser uma colónia sem darmos por ela por causa deste comodismo jurídico.
No caso concreto deste episódio de Pemba, uma leitura transversal da nossa Constituição defende que a jurisdição estatal no que tange a comportamentos da sociedade funda-se no laicismo. Querendo com isso dizer que nenhuma confissão religiosa - sob jurisdição estatal - se deve sobrepor às demais e até aos direitos dos ateus. No caso concreto, até prova em contrário, a Escola é um espaço público e de normativo estatal. Logo, o princípio da laicidade aplica-se naturalmente até aos limites conhecidos de cada estabelecimento. E mesmo não havendo sido explicitado por Lei, impõe-se a regulamentação da conduta dos alunos, professores e funcionários escolares, o qual deverá ser normado de acordo com a lupa Constitucional. E no caso, compete ao Ministério da Educação, como fiel depositário dos interesses do Estado na escola dizer qual é. Independentemente do consenso entre seres humanos que deverá sempre existir, resolvendo a questão da vestimenta de uma vez por todas, para perceber se, por um lado, ela é desconfortável para a própria aluna, ao ponto de afectar o seu rendimento pedagógico, o seu desenvolvimento psicomotor, etc. Tarefa para psicólogos, de quem todavia ainda não se conhece pronunciamento público. Ou por outro lado, se a postura da aluna é susceptível de desestabilizar os restantes colegas e professores, com o consequente ostracismo da aluna, patrocinando um crime lesa-pátria de discriminação religiosa. Aqui também, se deve escutar o que os psicólogos e pedagogos nos têm a dizer para encontrar caminhos adequados de resolução do problema.
Contudo, deverá ser sempre entendido o princípio da transitoriedade na abordagem, porquanto as conclusões deverão estar plasmadas em REGULAMENTO, o que constitui a resposta final ao problema. Com serenidade, porque afinal, inúmeras são as confissões e manifestações religiosas em Moçambique. Se um dia aparecer uma corrente religiosa qualquer a proclamar que os seus alunos deverão ir em topless para a sala de aulas, porque assim manda a sua tradição, então isso, de acordo com o que temos lido por aí, deveria ser aceite também. Porque sem eu perceber porquê, algumas mentes brilhantes locais rapidamente correram para estabelecer um paralelismo com os crucifixos encontrados em muitas salas de aula na Europa. Julgo saber que a actual União Europeia funda-se em princípios da fé judaico-cristã publicamente assumidos por seus estados membros. Aliás, esse é um pormenor que tem barrado a Turquia, a Bósnia e até o Kosovo de pertencerem ao espaço comunitário em igualdade de circunstâncias com os demais estados europeus. Portanto, nesse contexto, parece-me ter sido mais simples dirimir o caso do crucifixo pelos legisladores europeus. Por comparação, o mesmo exercício não seria fácil no reino Saudita porque este funda-se no islamismo. E não é caso único. Temos o Irão, o Brunei, o Sudão, Paquistão e outros estados soberanos que se baseiam na Sharia como lei mãe. E nestes casos, as questões de Estado estão auto-contidas nos fundamentos da fé islâmica. Todavia, mesmo estas, excedem muitas vezes os princípios universalmente aceites nos fora internacionais, como sejam os tratados da ONU, dos quais, esses estados são também signatários. Criando uma aparente contradição dialéctica. Aparente, porque como se enuncia nesses tratados, normalmente a sua vigência produz efeitos entre-estados e não intra-estados, salvo nos casos em que assuntos internos configurem crimes contra a humanidade ou ameaçem a estabilidade regional. Por isso, quando é necessário dirimir assuntos de confissões religiosas minoritárias face ao que estipula a Lei fundamental de um país, nem sempre o peso aplicado é na medida certa. E existem inúmeros exemplos por este mundo fora que eu, por uma questão de espaço, dispenso referência. Mas ainda assim atenha-se ao caso dos cristãos paquistaneses, dos árabes israelitas. Ou dos judeus iranianos.
Outro aspecto que merece reflexão é a abordagem das questões do Islão. Mesmo os crentes mais fervorosos têm dificuldade de fazê-lo livremente. Quanto mais os não crentes. Há 30 anos atrás, ninguém sabia o que era uma burkha em Moçambique. Se bem que, na Ilha de Moçambique, cruzei-me muitas vezes com negras de rosto coberto. Dizia-se que vinham de Zanzibar e que era um costume influenciado pelo Sultanato que existira até 1970. Sabe-se hoje que o rito era sunita e que muito provavelmente fora um costume herdado das odaliscas que pululavam os muitos haréns que por lá havia.
Outro ponto que importa esclarecer aqui é o equivoco que se comete ao confundir-se burkha com nihab. No caso concreto da aluna e das negras de Zanzibar, é do nihab que estamos a falar. Porque a burkha, tem um aspecto diferente. Porque além de cobrir o rosto, cobre os olhos também. E essa é uma manifestação cultural específica dos Pashtun que vivem entre o Paquistão e Afeganistão e não, como alguns nos tentam convencer, uma tradição com 1500 anos de existência no norte de Moçambique. Uma vez que temos visto um crescendo de imans e ulemas oriundos daquelas paragens a dirigirem as madrassas e mesquitas de Moçambique, é muito possível que o costume tenha começado também a ser absorvido por nós como um preceito religioso inspirado no Corão, o que é um absurdo. Porque, com esta porosidade cultural, resultado da interpretação discricionária do Corão, no dia em que tivermos ulemas e imans Tuaregues, até os homens começarão a ir à Escola de burkha, ainda que, pessoalmente, não me assustem nada as burkhas. Pela simples razão que, caso haja necessidade, pela LEI do nosso Estado laico, a mulher deverá descobrir o rosto para ser identificada pelas autoridades se as circunstâncias assim o exigirem. Inclusive entre os Pashtun esta é uma das excepções à regra. Quanto a insinuação da impossibilidade de se fazer retratos-robot de ladras de automóveis cobertas de burkha, não acho, em termos policiais, isso mais relevante do que se saber as caracteristicas da própria viatura, particularmente, o modelo, a cor e a matrícula. Mas já admitiria tratar-se de uma violação do Código de Estrada, porquanto afecta notoriamente a visibilidade da condutora, causando insegurança na via.
Por fim, é fundamental esclarecer que debater assuntos islâmicos tornou-se penoso para qualquer estudioso em Moçambique, porquanto é uma religião cada vez mais cimentada em dogmas. E os dogmas não se discutem. Lembro-me de certa ocasião, ainda na universidade, ter participado num debate moderado pelo Sheik Aminuddin em que me referi aos Sufis, como uma corrente islâmica que idolatra os mortos. Aos berberes islamizados que bebem regularmente alcool. E a usura de muitos comerciantes locais que no entanto construiam mesquitas luxuosas. Responderam-me secamente da assistência: NÃO SÃO MUÇULMANOS!
Também não lhes perguntei quem eles seriam, preferi calar-me, como não poderia deixar de ser.
Moral da história, naquele local houve um debate, supostamente intelectual, sobre o Islão. Mas no final, o intelecto autorizado a falar era o Sheik Aminuddin e mais ninguém. Assim é o Islão.
Por fim, e repisando a questão dos regulamentos, concretamente aqueles que imanam da própria Lei do Estado moçambicano, dizer que os regulamentos religiosos são feitos para os respectivos fiéis e aplicam-se nos locais sob sua total jurisdição. Neste caso, tratando-se de um estabelecimento islâmico, poderão ser aplicados como tal e como entenderem os proprietários do estabelecimento, dentro, obviamente, das balizas da Lei mãe. É como se alguém se inscrevesse num Seminário Maior, onde se está ciente que uma parte da sua formação académica obrigará ao cumprimento de ritos religiosos cristãos que não se aplicam nas escolas públicas. No entanto, poderá ou não adoptar o celibato religioso findo o ciclo de aprendizagem. E isso está muito bem explícito no acto de admissão à ordem ou filiação religiosa. Tratando-se de um estabelecimento público, isto é, que esteja coberto pelo Sistema Nacional de Educação, então vale a regra oficial do Estado laico. Ou seja, o regulamento do uniforme escolar aprovado pelo Ministério da Educação. E aquele, não preceitua o uso de burkha, nem, segundo sei, do cofió e outras vestimentas islâmicas muito comuns nas nossas salas de aula. No entanto, nunca houve polémicas em relação a estas, inclusivamente na Assembleia da República, onde muitas vezes, até deputados se pavoneiam em trajes impróprios supostamente islâmicos. Como num Estado lou(ai)co, já se vê...

A Solução Milagrosa da Jatropha(*)

O economista que só
sabe Economia não pode ser
um bom economista

F. A. Hayek

Em 2008, tornava-se incontornável discutir o efeito que o binómio biocombustíveis e reservas mundiais de cereais causava nos preços ao consumidor dos produtos da cesta básica da população moçambicana. Moçambique, totalmente dependente da importação de crude e com um déficite permanente em reservas alimentares desde os finais da década setenta, era o candidato ideal às ondas de choque dos já sacralizados sismos sociais. Que vieram efectivamente a acontecer no curto espaço de dois anos civis.
Para agravar a situação, a integração regional na SADC e a crise energética da África do Sul, com repercussões na sua indústria transformadora, contribuiram para o agravamento dos preços de bens alimentares no país da Marrabenta.
Verificou-se um disparo acentuado dos preços, de maneira especulativa, se levarmos em conta que, muito do que hoje se vende, já se encontrava em stock à vários meses, como facilmente se comprova confrontando a validade das mercadorias.
Notável também, foi a inflexão que tanto o Banco Mundial como o FMI fez em relação à sua receita económica para Moçambique, quando admitiram, sem reservas, que o bom desempenho macroeconómico não se reflectia na vertente social.
Em suma, um desempenho macroeconómico que, elevado à escala global, nunca favoreceu o povo de Moçambique, mesmo abraçando este os objectivos do combate à Pobreza Absoluta, o qual nunca passou da retórica à prática.
Foi uma inutilidade ver políticos e sismógrafos sociais a chorar agora pelo leite derramado, falando de coisas que toda gente sabe, quando o que falta é passar à acção. Porque sempre houve alternativas à qualquer agenda nacional de governação, mas nunca coragem e competência para aplicar medidas correctivas e doseá-las na proporção certa.
Até no senado da Roma antiga, sempre que o Império estivesse perante uma sublevação popular, a metáfora mais usada entre os fazedores de leis para encontrar paliativos sociais era Pão e Circo. Ora, o que os nossos sucessivos governos tinham vindo a fazer aos seus concidadãos era retirar o pão e dar muito circo para uma plateia de desesperados.
Oportunamente, o economista Castel-Branco comparou o crescimento do PIB do nosso país a um utente de um ginásio, nomeadamente ao modo quando este se exercita e não faz o balanceamento correcto da sua alimentação a tendência é inchar (crescer rápido) o físico. Parodiando que, se o mesmo utente fizer um balanceamento alimentar correcto, isso resultará em musculatura definida (crescimento lento, mas estável). Com efeito, o nosso balanceamento económico é em mais de 50 % determinado por grandes investimentos como a MOZAL e a SASOL e, uma larga fatia do nosso OGE ainda resulta de doações externas, logo – por todas as razões deste mundo (e muitas outras) – o crescimento do nosso PIB é ainda devido ao dinheiro dos outros. E se depender na visão estratégica para o desenvolvimento económico do Governo de Guebuza, essa fatia rapidamente tocará os 2/3 do PIB já em 2011.
Estranha regra de três simples, que agora produz resultados surpreendentes na nossa panificação social, reflectindo-se propositadamente na proposição: semear ou não semear jatropha? Que se tornou no maior pesadelo dos defensores dos biocombustíveis em Moçambique, aquém, o tempo se encarregou sabiamente de mostrar que há muito mais por fazer na Agricultura para além de crude vegetal.
Nomeadamente, apostar prioritariamente na produção interna de cereais, mas não fazer disto um acto administrativo isolado e insustentável, sobretudo agora que publicita a famosa Cesta Básica.
Não é aceitável que cheias sazonais, ainda por cima causadas por uma barragem que é nossa, destruam mais provisões de cereais agora, do que em anos passados. Não é admíssivel que cereais apodreçam no norte, quando no sul da nação, a fome dizima seres humanos. Não é concebível que se encoraje camponeses a plantar tabaco e suruma numa região cerealífera e frutífera por excelência, apenas porque estas duas culturas de rendimento é que têm mercado no estrangeiro.
O Governo não pode refugiar-se no papel de mero espectador destes fenómenos do país real de 90 % da população, ou então escudar-se na tese peregrina de que não regula o preço do trigo, porquanto numa economia de mercado o Estado não impõe os preços, porque até nem é essa a grande questão. O que está em causa, é reduzir de vez a influência nefasta que os especuladores de preços a grosso e a retalho têm na oferta do cabaz alimentar mínimo da população.
Se houvesse centros logísticos estrategicamente colocados no país para absorver, armazenar e escoar produção cerealífera interna, preservando-a de intempéries, seria um excelente trade-off para encorajar os produtores de cereais a não abandonar a sua produção em favor da jatropha, tabaco ou suruma.
Com o muito dinheiro já gasto na reabilitação ou construção de estradas que ficam esburacadas no primeiro aguaceiro ou que vão dar a lado algum, melhor teria sido apostar em ramais ferroviários, ligando preferencialmente os locais de produção de cereais, legumes e frutas aos supracitados centros logísticos e passar a iniciativa de construir auto-estradas e estradas regionais preferencialmente aos privados e autarquias locais, que se encarregariam de geri-las e mantê-las como melhor entendessem. E se estes quizessem ir às suas farms de avioneta, que construissem as suas pistas também. Penso até que, a relação custo-benefício entre as soluções rodoviária e ferroviária em Moçambique é do ponto de vista comercial (mas não necessariamente turístico) mais favorável às locomotivas. Pese embora o Turismo seja muito importante para o país, é evidente que não sobreviverá num ambiente de instabilidade social.
Na área comercial, é necessário que finalmente se apoie empresários genuínos, se estabeleçam balizas concorrenciais e as façam cumprir judicialmente. As grandes superfícies comerciais são naturalmente importantes para o país e deveriam até, abastecer-se da produção agrícola interna, mas há despesas incomportáveis com a qualidade da mesma, que poucos agricultores Moçambicanos estão dispostos a arcar, por isso, é com o pequeno retalhista que esta estratégia melhor irá funcionar.
Mas pouco faz o Ministério do Comércio para educar os retalhistas moçambicanos a aprender a fazer negócio. É preciso ensinar o bê-a-bá comercial aos nossos actuais e vindouros empresários. O ritmo de falências que temos vindo a assistir, sobretudo na área de serviços, é sintomático e põe a nú a sua incapacidade empresarial ao confrontarem-se em mercado aberto com os seus homólogos regionais, muitos destes já instalados em Moçambique e protegidos por um franchising fenomenal.
A intervenção do Governo deve ter no horizonte a criação de uma reserva estratégica nacional de cereais, fruta e leguminosas directamente controlada por sí, para contrapô-la ao mercado especulativo nacional e regional. Tomando como exemplo, Portugal, Espanha e Brasil criaram até organismos específicos para lidar com o assunto. Nos EUA e Canadá a situação é ligeiramente diferente, mas o conceito reserva estratégica do crude aos cereais é válido.
Nesses países, o Estado abre periodicamente as suas reservas estratégicas, inundando o mercado com produtos a preços justos, fazendo com que os especuladores sejam obrigados também a vender os seus produtos mais cedo e mais barato, ou então abrem falência. Com isto, ganha o consumidor com a maior oferta e a dinâmica da economia de mercado prevalece.
A consequência primária deste acto de soberania é resguardar a população desses países dos choques que as bolsas de Valores e os oligopólios internacionais causam ao variar sistematicamente o preço do crude ou do alqueire de trigo. Não consta que algum americano tranquilo tenha deixado de comer o seu Cheeseburger por causa do preço do crude ou das novas tarifas do Cazaquistão.
Obviamente, para viabilizar esta estratégia, é sempre necessário um endividamento nacional e um reescalonamento em prazos economicamente aceitáveis. Mas, oferecem-se várias alternativas a Bretton Woods. E Moçambique, já mostrou saber usar criatividade financeira ao negociar o dossier Cahora Bassa a contento. Pelo que, recorrer a empréstimos da China ou Índia para este alavancar social até se justificaria no momento. E se o empreendimento abrir a sua gestão a uma parceria privado-estado, mediante um concurso público imparcial, preservando o Estado uma golden share, a soberania nacional nunca ficaria em causa e acrescentaria valor económico ao mesmo. O PRESILD de Angola é um estudo de caso interessante para ajudar-nos a escolher o melhor caminho. Já era tempo do Ministério do Comércio despachar uma task-force conjunta de tecnocratas e sismógrafos sociais à Luanda para ir aprender algumas coisas interessantes...

(*) Este texto baseia-se num artigo de opinião escrito por mim logo após a primeira explosão social de grandes dimensões na cidade de Maputo, na sequência do aumento do preço do pão e transportes públicos. Corria o ano 2008. A experiência mostrou que a análise estava correcta. E foi preciso novamente haver outra revolta em 2010, pelos mesmos motivos, para que o Governo de Guebuza e os doadores se convencessem da realidade causada pela fome na cintura urbana de Moçambique. Ainda que, esteja absolutamente claro, que esse custo social venha a implicar um aumento da carteira fiscal, penalizando as pequenas e médias empresas, dado que, as grandes empresas, onde pontifica o capital multinacional, continuarão a beneficiar de generosos benefícios fiscais por 20-50 anos.

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