Segundo
o académico Jaime Macuane
Por
Emídio Beúla
O sistema
democrático moçambicano é excludente e os arranjos institucionais adoptados
concentram o jogo político nos principais contendores da guerra civil, a
FRELIMO e a RENAMO, em detrimento de um maior envolvimento da sociedade,
concluiu o académico José Jaime Macuane, docente na Universidade Eduardo
Mondlane (UEM).
Jaime
Macuane dissertava sobre “A Democracia em Moçambique: um sistema político em
crise de identidade?”, no seminário de investigação subordinado ao tema
“Desafios de Investigação em Ciências Sociais e Humanas em Moçambique”, esta
semana promovido pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM.
Para
o académico, o sistema político parece ser um sistema consensual, que tenta
buscar consensos na sua arquitectura, porém uma análise séria e cuidadosa
revela que o sistema tem um cunho maioritário e se fundamenta essencialmente na
acomodação da RENAMO e marginalização de outros actores políticos, incluindo a
sociedade civil. A falta de consenso na aprovação da Lei Eleitoral é, entre
outros aspectos, apontado por Jaime Macuane como estando na origem da
preocupação sobre o destino de processo democrático moçambicano.
Referiu
que, apesar de Moçambique ser apontado como sendo um exemplo no processo de
democratização bem sucedido em África, há uma crescente preocupação de supostas
tendências de hegemonia política que vieram nos momentos imediatamente após as
eleições de 2004, onde a FRELIMO teve uma vitória expressiva.
Prossegue
afirmando que os espaços de produção de consenso são reduzidos e os mecanismos
para a sua garantia são frágeis, dependendo, essencialmente, de um processo de
negociação entre os principais actores políticos.
“Como
consequência, a ‘accountability’, a transparência e os pesos e contrapesos do
sistema são frágeis e esta situação é ainda acirrada pela tendência de baixa
participação eleitoral que se tem verificado ultimamente.
Processos de
democratização: o caso de Moçambique
Falando
dos processos de democratização, Jaime Macuane disse que o caso de Moçambique
enquadra-se naquilo que a literatura da área chama de “terceira onda da
democratização”. Na esteira dessa literatura, Macuane disse que, dentro de um
regime autoritário, uma certa convulsão interna dispoleta um processo de
liberalização política que resulta no colapso do regime. Cria-se, por
conseguinte, um novo governo e novas instituições, nova constituição e os
actores políticos internos assumem uma certa institucionalidade democrática que
vai desembocar no processo da consolidação em que a democracia é tida como a
única regra de jogo no sistema político.
“Mas
o facto é que os países não seguem este curso, alguns ficam presos em algum
lugar entre a transição e a chamada consolidação, o que provoca as chamadas
‘sindromas políticas’”, disse. Ainda de acordo com Macuane, as “sindromas
políticas” manifestam-se, por um lado, em um certo pluralismo incipiente onde
existe uma certa regularidade das eleições, existe uma certa alternância, mas a
participação popular é apenas restrita aos momentos eleitorais e muitas vezes
temos elites corruptas. Por outro, manifestam-se em política de poder dominante
em que há eleições regulares uma certa institucionalidade, “mas as instituições
ainda não são muito fortes e muitas vezes temos um grupo que está no poder de
forma indefinida e cria certos vícios das próprias instituições e no Estado”.
Para
Jaime Macuane, Moçambique é exemplo do último caso, onde reina um poder
dominante e não existe alternância política.
Para
Macuane, o processo de democratização de Moçambique é peculiar, no sentido de
que foi implementado em simultâneo com a consolidação da paz. Esta
simultaneidade dos dois processos criou certas particularidades que fizeram com
que algumas instituições reflectissem aquilo que foram os elementos do Acordos
Gerais de Paz de 1992.
“Temos
um sistema que privilegia a partilha de poder entre os dois principais
ex-beligerantes, nomeadamente os partidos RENAMO e FRELIMO”, observou.
Acrescentou
que a partilha de poder entre os dois maiores protagonistas da cena política
nacional está enraizada em vários órgãos, havendo a destacar a
participação da chamada “sociedade civil” na composição da Comissão
Nacional das Eleições. “Há um problema potencial de legitimidade na forma como
o sistema político está a ser gerido”, alertou.
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