O silêncio também é funcional
A fazer fé da informação veiculada nas
páginas das publicações da Mediacoop, o director do Gabinete de
Propaganda e Mobilização do partido Frelimo, Edson Macuacua, convocou
uma reunião com um grupo de jornalistas seniores caracterizado pelo
facto de serem ou directores ou comentadores políticos e sociais, cujo
objectivo, segundo a Mediacoop, foi de comunica-los o seu
descontentamento face as críticas à Frelimo veiculadas na comunicação
social. Macuacua ordenou-os a “moderar ou alterar” a tendência sob pena
de porem em causa os seus lugares “porque a Frelimo tem esse poder
(sic)”. Ora, isto é muito preocupante! Preocupante porque transmite a
ideia de Macuacua não sabe qual é o papel de uma comunicação social num
contexto onde um partido detém uma maioria absoluta.
Será mesmo
benéfico para a Frelimo a criação de um espaço onde todos cantam da
mesma pauta musical, sem possibilidade de ouvir outras músicas, por mais
agressivas ao ouvido possam ser? É um facto que a Frelimo detém um
grande poder. Porém, é preciso recordarmo-nos do que Voltaire disse:
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.” Portanto, poder é
responsabilidade e que não deve ser exercido de forma arbitrária. E esse
poder deve ser exercido de tal sorte que os quatro critérios mínimos
(eleições livres, transparentes e justas; direito ao voto para todos os
cidadãos em idade eleitoral garantido; garantia das liberdades políticas
e civis, incluindo a liberdade de imprensa, liberdade de associação, e
liberdade de criticar o governo sem medo de represália; autoridades
recebem autoridade para governar e que não estejam sob tutela militar ou
do clergo) de um Estado democrático sejam respeitados.
O exercício
do poder político deve ele ser de forma formal e não informal. Portanto,
como governo a Frelimo tem a obrigatoriedade de fazer respeitar as leis
e respeitá-las também, e de não de alterá-las quando as coisas não lhe
convirem.
Jurgem Habermas disse que a extensão da democracia
depende da institucionalização de mecanismos de mediação, tais como
sistemas eleitorais, parlamentos e uma imprensa livre. Essa mediação
ocorre dentro daquilo que Habermas chamou de “esfera pública”, a saber
um lugar cuja função é mediar as preocupações dos cidadãos dentro da sua
vida familiar, económico e social em oposição com as exigências e
preocupações na vida social e pública. Portanto, é dentro da esfera
pública onde se molda a opinião pública (sobre este conceito falarei
adiante) visto pressupor-se que há liberdade de expressão e congregação,
uma imprensa livre e o direito de se participar no debate político e
tomada de decisão. Por seu lado, o politólogo Richard Sandbrook diz que a
consolidação da democracia depende em larga medida na
institucionalização de duas organizações intermediárias – partidos
políticos e órgãos de comunicação social independentes (no sentido de
livres de interferência do governo do dia) e críticas. Para Sandbrook,
os partidos políticos e órgãos de comunicação social constituem um
indicador da democracia importante, daí que é difícil conceber-se uma
democracia consolidada que não inclui um sistema político e uma
comunicação social eficazes.
Existe um assumpção de que a
comunicação social em geral e a televisão em particular não apenas nos
dizem o que devemos pensar mas também fornecem uma visão sanitizada
sobre o que todos pensam. A comunicóloga alemã, Elizabeth
Noelle-Neumann, definiu opinião pública como sendo atitudes que alguém
expressa sem correr o risco de ficar isolado da sociedade onde se
encontra inserido. Há aqui um elemento de que a opinião pública mantém
as pessoas em linha, mas mais sobre isto adiante.
Para
Noelle-Neumann, num cenário onde a comunicação social não apresenta
proporcionalmente um largo espectro de pontos de vista cria-se a chamada
ignorância pluralística, que ela define como a acção de não expressar a
própria opinião por força da indiferença do grupo, isto é, cria-se no
indivíduo a crença de que a realidade é essa que a comunicação social
apresenta e exime-se de pensar sozinho para validar ou não essa
perceção. E quanto mais se adensar a opinião de um saudável estado de
nação, mais os que têm um ponto de vista diferente, aparentemente uma
minoria, hesitarão em expressar a sua opinião em público, segundo a
Teoria do Espiral do Silêncio cunhado pela Noelle-Neumann.
Segundo a
teoria, se a maioria das pessoas têm uma opinião contrária à sua, podes
ficar receoso de expressar a tua opinião em público. E se pessoas com
uma opinião similar à sua não falarem em público, poderás observar um
decréscimo de vozes apoiando a sua opinião. Contudo, nunca ficou claro
se o declínio representa apenas um decréscimo de apoio público à uma
opinião ou uma mudança de opiniões privadas, isto é, se mudou a sua
opinião para ser consistente com a opinião dominante. Portanto, o receio
do isolamento leva o indivíduo a conformar com a opinião dominante
para, entre outros, não colocar em causa o seu lugar “porque a Frelimo
tem esse poder”.
Num país onde o partido no poder tem uma maioria
absoluta e onde a oposição é deveras fraca, torna-se mais importante
ainda que a imprensa seja de facto e de jure livre para exercer a sua
função de mediar a esfera pública. Portanto, ao invés de convocar
jornalistas seniores para mandar recados, Macuacua devia ter pedido
espaço (duvido que lhe possam recusar) para explanar as ideias da
Frelimo sobre os seus projectos actuais e futuros para a nação. Na minha
ingenuidade, quero eu pensar que é do interesse da Frelimo ver em
Moçambique uma comunicação social crítica e responsável, que permite a
circulação de ideias e opiniões, e facilitação de debate político, o que
pode-lhe servir de barómetro com a qual medir o pulsar da vida
económica, social e política moçambicana.
A comunicação social é
fundamental no funcionamento das democracias. Ela ajuda no
estabelecimento do projecto democrático e sustentação do discurso
democrático. Ademais, a comunicação social desempenha um papel muito
importante na intermediação dos interesses nacionais (económicos,
políticos, sociais e culturais); por constituir um instrumento que um
espaço onde as configurações física, social, económica e política nas
quais os diferentes pontos de vista são negociados e reproduzidos.
Portanto, a comunicação social é uma plataforma por excelência onde a
sociedade pode participar abertamente e em igualdade de termos (?) na
definição, discussão, negociação e debate das questões nacionais
partilhadas e muitas vezes controversas.
É verdade que Edson
Macuacua pretende que o seu partido tenha uma imagem positiva visto ser
sua tarefa engendrar um quadro que lhe é favorável, mas que seja dentro
do respeito às leis vigentes. Ele tem esses deveres (positivos e
negativos), sendo os deveres positivos, os que prescrevem um determinado
curso a tomarmos. Por exemplo, garantir a obediência dos estatutos da
Frelimo, da constituição ou da lei de imprensa. E os negativos os que
nos proíbem de executar uma certa acção que possa causar danos a
terceiros. Limitar o acesso à informação de forma deliberada é causar
danos aos moçambicanos.
Mandar recados de como “moderar ou alterar”
a possível evidência de um mau retrato da Frelimo, ele não faz mais do
que confirmar a percepção dos críticos do seu partido de que aquela
instituição política é arrogante. Penso que não é esta imagem que a
Frelimo quer chamar para si. Um gestor de imagem de uma instituição
política tem, por inerência das suas funções, que saber defender o seu
partido, entrando na esfera pública do debate sem alterar as regras do
jogo a seu bel prazer. Outrossim, estará a prestar um mau serviço ao seu
partido.
Ademais, o mesmo gestor de imagem tem de estar preparado
para confrontar as ideias e críticas vindas tanto da oposição como da
comunicação social e sociedade em geral, e mostrar por A + B porque vale
a pena entregar o poder à sua instituição política. Passar por cima das
leis e direitos fundamentais dos cidadãos e, por conseguinte, criar um
espaço onde todos cantam da mesma pauta, pode até levar o partido no
poder a pensar que está tudo bem e cair no conformismo, e isto poderá
ser perigoso para a sua própria trajectória política.