Monday, September 3, 2012

A lenta coesão do nacionalismo


A lenta coesão do nacionalismo

Josep Sanchez Cervelló

As duríssimas condições de vida impostas aos africanos, com base no estatuto do trabalho nas culturas obrigatórias e sobretudo na necessidade do seu deslocamento para todo o território ou na ida para o estrangeiro (como especialmente aconteceu em Moçambique), fez com que pudessem estabelecer-se condições de maior contacto intertribal, o que favoreceu a solidariedade e a abertura à ideia do nacionalismo. Esta libertação dos espíritos contribuiu para a progressiva consciência da condição do africano e para a capacidade de realização de vários actos de protesto. Este ambiente esteve também na origem da criação do Núcleo dos Estudantes Africanos de Moçambique (Nesam), em 1949, que, apesar de vir a ser proibido, ajudou a difundir a ideia de independência, acabando muitos dos seus membros por se integrar na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), como Eduardo Mondlane.
O facto mais importante que precedeu a luta armada em Moçambique foram os acontecimentos de Mueda, em Cabo Delgado, no dia 16 de Junho de 1960. Nesta data reuniram-se em Mueda milhares de agricultores da região, para exigirem do governador, presente no local, a melhoria das condições de vida e a possibilidade de criação de cooperativas. Depois de mais de quatro horas de reunião sem qualquer acordo, as autoridades acabaram por dispersar a multidão com recurso às armas, o que se traduziu, em verdadeiro massacre, julgando-se que possam ter morrido cerca de meio milhar de pessoas. Este facto teve impacte decisivo sobre as populações macondes, que, empenhadas desde então na luta contra as autoridades portuguesas, viriam a constituir a coluna vertebral da Frelimo.
O movimento emancipalista moçambicano desenvolveu-se também nas populações emigradas na Tanzânia, Malawi e Zâmbia, países independentes desde o início da década de 1960, e cujos habitantes das zonas fronteiriças pertenciam muitas vezes aos mesmos grupos étnicos supranacionais. A estes vieram a juntar-se, mais tarde, os exilados procedentes da pequena burguesia nativa das cidades do Sul, principalmente Lourenço Marques (actual Maputo) e Beira, os quais viriam a converter-se nos principais dirigentes do movimento.
Os primeiros partidos criados foram o Maconde African National Union, posteriormente transformado em Mozambique African National Union (MANU), fundado no Tanganica em 1959; a União Democrática Nacional de Moçambique (Udenamo), organizada na Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), em 1960, e cujos membros procediam em grande parte de Manica e Sofala, Gaza e Maputo; e a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI), surgida, em 1961, na antiga Niassalândia (actual Malawi), em 1961, com base em emigrados das zonas de Tete, Zambézia e Niassa.
O processo unificador destes partidos foi assumido em especial pela Udenamo, ideologicamente o mais moderno de todos os movimentos que haviam participado na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), realizada em Casablanca, em 1961, em que se apelou à necessidade de congregar esforços contra o inimigo comum. Marcelino dos Santos, membro da comissão executiva da CONCP, era também dirigente da Udenamo, movimento que convocou, em Janeiro de 1962, para Dar-es-Salam, o MANU e a UNAM. Dessa reunião surgiu o Comité de Unificação dos Movimentos Nacionalistas de Moçambique, presidido por um dirigente da Udenamo, Uria Simango, filho de pastor protestante.
Os três movimentos acabaram por se fundir em nova organização, a Frelimo, criada em 25 de Junho de 1962.Como os seus grupos constitutivos eram de base étnica, a coesão revelou-se desde o início muito frágil, razão que levou à escolha de Eduardo Mondlane como presidente, por não proceder de qualquer dos grupos anteriores.
Mondlane tinha estudado antropologia e sociologia nos Estados Unidos, começando a prestar serviço na ONU em 1961. Já como funcionário das Nações Unidas visitou Moçambique, vindo a ser convidado pelo Governo português para trabalhar na administração colonial, convite que recusou. Nos Estados Unidos, foi ainda professor da Universidade de Siracusa, mas, no início de 1962, decidiu empenhar-se inteiramente na luta de libertação nacional. Foi então encarregado de organizar o I Congresso da Frelimo em Dar-es-Salam, em Setembro de 1962, congresso que veio a consolidar a organização e a prepará-Ia para o início da luta armada.
De 1962 até ao início das hostilidades, a Frelimo fortaleceu a sua retaguarda no Tanganica (actual Tanzânia), contando com apoios diversificados, desde os Estados Unidos, no início, até à Argélia, países socialistas e China. Em 1963, várias centenas de militantes foram enviados para Argel, Moscovo e Nanquim, onde receberam treino militar. Após o seu regresso receberam a missão de iniciar a luta armada.
Contudo, a liderança de Eduardo Mondlane e a vida da Frelimo não foram tranquilas em 1962 e 1963. A primeira direcção da Frente, saída do acto da fundação, acabou por se desmembrar em Maio de 1963, dando lugar a novos partidos e absorvendo outros que acabavam por desaguar na Frelimo. Estes acontecimentos seriam uma constante no seio da organização, na qual sempre permaneceu uma fractura entre os quadros directivos, normalmente provenientes do Sul do território, e a grande massa dos combatentes, recrutados nas populações do Norte.