quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Sistema democrático moçambicano é exclusivista


Segundo o académico Jaime Macuane

 

Por Emídio Beúla

O sistema democrático moçambicano é excludente e os arranjos institucionais adoptados concentram o jogo político nos principais contendores da guerra civil, a FRELIMO e a RENAMO, em detrimento de um maior envolvimento da sociedade, concluiu o académico José Jaime Macuane, docente na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).  

 

Jaime Macuane dissertava sobre “A Democracia em Moçambique: um sistema político em crise de identidade?”, no seminário de investigação subordinado ao tema “Desafios de Investigação em Ciências Sociais e Humanas em Moçambique”, esta semana promovido pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM.

Para o académico, o sistema político parece ser um sistema consensual, que tenta buscar consensos na sua arquitectura, porém uma análise séria e cuidadosa revela que o sistema tem um cunho maioritário e se fundamenta essencialmente na acomodação da RENAMO e marginalização de outros actores políticos, incluindo a sociedade civil. A falta de consenso na aprovação da Lei Eleitoral é, entre outros aspectos, apontado por Jaime Macuane como estando na origem da preocupação sobre o destino de processo democrático moçambicano.

Referiu que, apesar de Moçambique ser apontado como sendo um exemplo no processo de democratização bem sucedido em África, há uma crescente preocupação de supostas tendências de hegemonia política que vieram nos momentos imediatamente após as eleições de 2004, onde a FRELIMO teve uma vitória expressiva.

Prossegue afirmando que os espaços de produção de consenso são reduzidos e os mecanismos para a sua garantia são frágeis, dependendo, essencialmente, de um processo de negociação entre os principais actores políticos.

“Como consequência, a ‘accountability’, a transparência e os pesos e contrapesos do sistema são frágeis e esta situação é ainda acirrada pela tendência de baixa participação eleitoral que se tem verificado ultimamente.

 

Processos de democratização: o caso de Moçambique

 Falando dos processos de democratização, Jaime Macuane disse que o caso de Moçambique enquadra-se naquilo que a literatura da área chama de “terceira onda da democratização”. Na esteira dessa literatura, Macuane disse que, dentro de um regime autoritário, uma certa convulsão interna dispoleta um processo de liberalização política que resulta no colapso do regime. Cria-se, por conseguinte, um novo governo e novas instituições, nova constituição e os actores políticos internos assumem uma certa institucionalidade democrática que vai desembocar no processo da consolidação em que a democracia é tida como a única regra de jogo no sistema político.

“Mas o facto é que os países não seguem este curso, alguns ficam presos em algum lugar entre a transição e a chamada consolidação, o que provoca as chamadas ‘sindromas políticas’”, disse. Ainda de acordo com Macuane, as “sindromas políticas” manifestam-se, por um lado, em um certo pluralismo incipiente onde existe uma certa regularidade das eleições, existe uma certa alternância, mas a participação popular é apenas restrita aos momentos eleitorais e muitas vezes temos elites corruptas. Por outro, manifestam-se em política de poder dominante em que há eleições regulares uma certa institucionalidade, “mas as instituições ainda não são muito fortes e muitas vezes temos um grupo que está no poder de forma indefinida e cria certos vícios das próprias instituições e no Estado”.

Para Jaime Macuane, Moçambique é exemplo do último caso, onde reina um poder dominante e não existe alternância política.

Para Macuane, o processo de democratização de Moçambique é peculiar, no sentido de que foi implementado em simultâneo com a consolidação da paz. Esta simultaneidade dos dois processos criou certas particularidades que fizeram com que algumas instituições reflectissem aquilo que foram os elementos do Acordos Gerais de Paz de 1992.

“Temos um sistema que privilegia a partilha de poder entre os dois principais ex-beligerantes, nomeadamente os partidos RENAMO e FRELIMO”, observou.

Acrescentou que a partilha de poder entre os dois maiores protagonistas da cena política nacional  está enraizada em vários órgãos, havendo a destacar a participação da chamada “sociedade civil”  na composição da Comissão Nacional das Eleições. “Há um problema potencial de legitimidade na forma como o sistema político está a ser gerido”, alertou.

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