sexta-feira, 12 de outubro de 2012

2011 - ANO SAMORA MACHEL, um contributo

 

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Mocambiquedescolonizacaogalha_capa … Para melhor ilustrar a situação caótica que se vivia em Moçam­bique e a consequente desilusão de muitas personalidades que haviam acreditado na propaganda da Frelimo e dos seus apaniguados, no ano de 1976, julgo pertinente e de muito interesse (considerando o passado político e o elevado nível cultural do entrevistado) transcre­ver algumas passagens de uma extensa entrevista concedida pelo moçambicano negro, Dr. Domingos Arouca, ao semanário "Tempo", em 6 de Maio do mesmo ano:
"... muito cedo ainda, aderi à linha política da Frelimo, sendo seu presidente o Dr. Eduardo Mondlane... viver num país sem médicos, sem religião, sem advogados nem tribunais, é coisa que não me passa pela cabeça e que não lembrava ao próprio diabo... não posso dar o meu aval a um desvio da
linha nacional, que pugna pela expulsão indiscriminada de brancos de África, e até de negros, pelo total atropelo de todos os direitos dos cidadãos moçambicanos e estrangeiros, pela negação da liberdade de expressão, religião, associação e, fundamentalmente, pela imposição violenta duma política totalmente divorciada da realidade, não só de Moçambique mas de toda a África. Na verdade, pode-se afirmar que o Governo actual de Moçambique não actua como um movimento de libertação do meu povo, mas como um bando de invasores que pretende perseguir, destruir e lançar os moçambicanos na mais abjecta miséria moral e económica. A Frelimo já não é um partido político mas um clube de uma pequena burguesia negra e de meia dúzia de brancos...
... Dois meses depois da independência, as cadeias de Moçam­bique tinham já mais presos do que nos períodos mais negros da era colonialista... As prisões são feitas da maneira mais arbitrária: pode--se ser preso por o bilhete de identidade não possuir capa de plástico, porque sem plástico já não é bilhete de identidade... Uma vez preso, não se é ouvido não é permitida assistência jurídica aos presos. Aliás, advogados e tribunais é coisa que não existe realmente em Moçambique...
... E discute-se cá, todos os dias, o que se passa no Chile, na Argentina e nos confins da Papuásia e faz-se silêncio quase absoluto, em determinada imprensa, com o que se passa na nossa própria carne...
... Vivem em palácios, mandam vir alfaiates de Paris... sapatei­ros de Londres... e põem o povo na maior miséria e desespero a cavar à força nas machambas prisionais de tão triste fama. Infeliz­mente, tais notícias são mais do que verdadeiras.
A Frelimo é contra toda e qualquer religião, uma vez que pre­tende criar em Moçambique um Estado Totalitário Ateu... Ora vir um Samora Machel qualquer proclamar o fim de todas as religiões em Moçambique, é a maior afronta que se pode fazer a um povo...
... Há já muito tempo que grupos de moçambicanos vêm can­tando, junto de esquadras de polícia da Frelimo, como aconteceu na Beira e na cidade de João Belo, o hino nacional português... Em várias regiões apareceu, por vezes, a flutuar a bandeira portuguesa...
Eu sei que foram transportadas tropas da Frelimo para esmagar a sublevação do território dos macondes e dos macuas...
... Os guerrilheiros e não soldados, hoje existentes em Moçam­bique e impropriamente chamados de exército moçambicano, são homens quase todos marginais, de países vizinhos de Moçambique, onde a Frelimo recruta guerrilheiros e que, se foram úteis na guer­rilha, estão completamente fora da actual fase revolucionária em curso. Com efeito, tal exército não fala nem percebe a língua portu­guesa como não fala nem compreende nenhum dos dialectos moçambi­canos."
Esta era a imagem real de Moçambique, pouco mais de um ano depois da independência. Como realçou o Dr. Domingos Arouca, em Portugal, "em determinada imprensa" nada se dizia sobre tão clamo­rosa situação. Mais deplorável, porém, era o facto de alguns corres­pondentes em Moçambique transmitirem para Portugal uma imagem totalmente deturpada, na linha da propaganda frelimista, segundo a qual todos os males eram produto da "pesada herança" do colonia­lismo português. A nível internacional, também a Imprensa difundia uma imagem distorcida da situação em Moçambique. Assim, com o apoio aberto dos países comunistas e o "namoro" interesseiro de alguns países ocidentais, Samora Machel prosseguia a sua missão internacionalista e a política de terror, sem embaraços. Enquanto a "unidade e trabalho" tardavam a aparecer, a "vigilância" funcionava a todo o gás, através dos esbirros da PIC, dos grupos dinamizadores, da comissões de trabalhadores, etc, dominando toda a vida moçam­bicana, onde todos vigiavam todos, nos escritórios, nas oficinas, nos campos, nas escolas, em casa, na rua... Todos os dias, por todo o Moçambique, reuniões, comités, seminários, conferências, onde se entoavam as "palavras de ordem" e os vivas à Frelimo e a Samora Machel, não deixavam dúvidas sobre o caminho único a seguir e as consequências no caso de discordância.
Nesse tempo, encontravam-se detidas em Moçambique mais de 40.000 pessoas e já tinham fugido 250.000, entre portugueses e outros, dos quais 200.000 para Portugal, 20.000 para a Rodésia, 12.500 para a África do Sul, 10.000 para o Brasil e 7.500 para outros países. De todos os que haviam saído, cerca de 80.000 eram pretos, mulatos, indianos e chineses. Em Agosto de 1976, apenas permane­ciam em Moçambique cerca de 25.000 portugueses. Enquanto os técnicos de outros países (russos, búlgaros, alemães orientais, etc.) eram autorizados a depositar nos países de origem, mensalmente, metade dos ordenados (que recebiam em moeda forte), os técnicos portugueses só podiam transferir 35%. Os médicos portugueses recebiam cerca de 30 contos por mês, enquanto os médicos estran­geiros ganhavam 90 contos.
Discursando no estádio da Machava, na comemoração do pri­meiro aniversário da independência, Samora Machel afirmou que as prisões estavam cheias de reaccionários que se opunham à descolo­nização e de ladrões e assassinos, acrescentando que seriam criados tribunais populares para julgar criminosos em público. Virando a página, Machel anunciou que 1977 seria o ano da felicidade e abun­dância em Moçambique e exortou cada um dos dez milhões de habi­tantes a matar trinta moscas por dia como contribuição para a saúde. ...
In DESCOLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA EM MOÇAMBIQUE – FACTOS E ARGUMENTOS, de Henrique Terreiro Galha (págs 198 e seguintes)

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