“Ele tem bagagem intelectual, faz análises com rigor metodológico, não se pode compará-lo”: É Elísio inquestionável?
Vamos começar pela conclusão, que deve guiar o exercício da nossa honestidade intelectual: Venâncio é um político, sujeito ao escrutínio público do poder; Macamo é um académico, cujo trabalho deve estar aberto ao escrutínio crítico conceptual e meta-analítico. É crucial distinguir isso, pois, não adianta criticar a blindagem quase religiosa da figura de Venâncio por parte dos seus apoiantes políticos e, meia-volta, criar um escudo de proteção e endeusamento contra quem interpela ou analisa Macamo intelectualmente.
Este pequeno texto é uma espécie de mea culpa motivado por algumas respostas à minha postagem anterior, que não podia responder individualmente. Tais respostas revelam um padrão interpretativo que vai além do mero desacordo, mostrando algo que me recuso a catalogar como a habitual polarização, a qual é frequentemente usada como atalho explicativo, mas ignorando que ela é consequência das nossas opções políticas e práticas discursivas ao longo do tempo.
Algumas respostas, que não citarei nominalmente, evidenciam um equívoco fundamental: partem de um entendimento paralelo, fruto da criatividade interpretativa (e talvez ideológica) do leitor, e não daquele que eu produzi. Destacam-se duas tendências, que convertem um debate de ideias num juízo de intenções:
1. A insistência em forçar uma leitura de que o texto visa desqualificar Macamo, uma intenção ausente do meu texto.
2. A tentativa de deslocar a discussão para o campo conceptual da produção do Professor, quando a minha observação se situa noutro plano, da construção de narrativas políticas actuais.
Uma leitura atenta e isenta do meu historial na rede comprovará que o achincalhamento, a desqualificação, não são o meu método. Curiosamente, ao apontar este desvio interpretativo, sou instado a aceitá-lo, como se a minha intenção como autor do texto fosse irrelevante. Isso revela uma concentração, talvez intencional, na literalidade do texto, ignorando a sua substância conceptual, precisamente o tipo de falha interpretativa que o próprio Professor tem apontado no debate público.
Importa esclarecer que o meu texto não constituía crítica ao mérito analítico nem ao rigor epistemológico do Professor, que reconheci como fundamental. Interajo com ele, e não sei se alguma vez sentiu o que tentam atribuir ao meu texto, por ser algo que não tinha o "sabor" típico desta ditadura de “nós” e “eles”. Dirigia-me a um campo meta-analítico: a recorrência temática, a previsibilidade, a quási omnipresença de Venâncio no seu campo discursivo oral ou escrito actual.
Finalmente, a analogia com Dércio, que com um pouco de água e menos birra ideológica se perceberia ser provocatória, merece esclarecimento. Não a usei para colocar os dois no "mesmo espaço intelectual". Até porque Macamo não é “inequiparável” nem inquestionável, como alguns comentários sustentam, alegando que “ele faz as suas abordagens com bagagem teórico e rigor metodológico, por isso não se compara”. Se é verdade que isso seja correcto, não deixa de ser conceptualmente um posicionamento radical. Vale lembrar que muitas perspectivas epistemológicas foram, na devida altura ou posteriormente, questionadas, corrigidas ou mesmo abandonadas. A interpelação é o caminho para quem segue a academia, sobretudo quando o analista é uma "autoridade" no campo científico-intelectual do país. Lamentavelmente, a lógica que promove Macamo como um ente inquestionável, é ironicamente similar à dinâmica que ele próprio critica.
Ora, para perceber isto, é crucial distinguir os actores e lembrar responsabilidades: Venâncio é um político, sujeito ao escrutínio das faculdades do poder, e várias pessoas têm-no feito de forma abnegada, embora encontre os guardiões da sua galáxia. Macamo é um académico, cujo trabalho deve estar aberto ao escrutínio crítico e meta-analítico, e, no meu entender, não precisa que lhe projectem uma imagem de semi-deus. Não criem deuses... nem miseráveis, onde não estão.
Benedito Mamidji
Um dos livros de história de África que eu mais gosto é de Jonathan Glassman, intitulado War of Words, War of Stones (guerra de palavras, guerra de pedras), sobre a transição política na ilha de Zanzibar. Vale a pena ler. Tem tudo a ver com a fase que atravessamos em Moçambique hoje. Já não se dialoga. Guerreia-se. A torto e à direita. Mas esse não é o problema em si, é um sintoma de algo mais profundo. Onde esta mudança vai dar (se de mudança se trata) ainda é incerto. Mas ainda vem aí muita chuva de pedra nesta guerra, infelizmente.
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Benedito Mamidji chegamos lá, um dia, e tal como a independência, o caminho nao é directo, nem direito. Agora, que passemos da infame divisão política, para lateralização intelectual... não era de se esperar, embora sem surpresa de tal.
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Edgar Barroso
Eu acho que, na esfera pública, postar uma cena e esperar que as pessoas comentem só aquilo que escreveste (ou que eles perceberam que escreveste) é normal. Incontornável. O anormal é esperar que eles só comentem o que tu disseste (ou achas que disseste). Nessa cena do Elísio, tenho visto que ele se tem esforçado muito, nos últimos textos, a voltar a ser "humilde". Ou a ser auto-crítico. E muito por causa do que andou a "apanhar" dos seus críticos (os que se pronunciam com palavras ou os que se pronunciam com o seu silêncio). Estive, na semana passada, num debate de uma universidade da Pensilvânia onde ele era orador. A audiência era de uma dúzia e meia de pares (eu era o único outcast). Aconteceram lá algumas coisas interessantes. Ele veio com uma ideia de pesquisa (não interessa aqui revelar) que foi muito debatida e rebatida (precisamente por algumas inconsistências, insuficiências e incongruências conceptuais). Foi aconselhado a ser mais humilde e cauteloso. Ele, muito humilde e sorridente, assumiu a crítica e prometeu ser melhor, o que achei muito interessante porque ele sabia que eu estava ali na plateia e, duma ou doutra forma, tenho sido um dos seus mais contundentes críticos. Um ou dois dias depois, ele escreveu um texto a dizer que nem sempre o que dizia era "a verdade" e que ele próprio não conseguia engolir o que escrevia por dois dias consecutivos. O problemático nisso tudo é quando usamos o "não entendimento" ou a "não compreensão" dos outros sobre o que dizemos como rampa de escape para, a qualquer momento, dizermos que "eu também não concordo com o que eu escrevo" ou que "mudei de opinião, não era bem aquilo o que eu pensava". Onde é que eu quero chegar com isso? Simples. Todos somos falíveis aqui, com ou sem cátedra num campo de conhecimento relevante para analisar seja lá o que for, domesticamente ou internacionalmente. O que é feio é quando nos tornamos convenientemene humildes perante uns e estrategicamente "ditadores" perante outros. O que o Elísio faz com o Venâncio é vil e desproporcional (mesmo quando assume que "bate em todos", não só nele). Nunca vi nada de bem ou de bom dito por ele (num único texto ou fala, sem depois anular isso com "mil defeitos e falhas") sobre o Venâncio porquê? Porque não o faz com neutralidade axiológica. Fá-lo por motivação política. Nesse desiderato, passa a ser legítimo escrutiná-lo também com viés político. Por exemplo, comparar o Venâncio com o André Ventura com método e rigor científico não é o que ele fez no texto que foi publicado no jornal Público de Portugal. Não há contexto ali (completamente diferentes nos dois países). A aplicação ou operacionalização do conceito de populismo, por exemplo, deixa enormes reservas se verificarmos que, afinal, também a Frelimo e o Chapo recorrem ao populismo sempre que necessário (assente na expressão "somos os únicos representantes legítimos do povo moçambicano"). Epah, são maningue cenas.
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Edgar Barroso de facto, o Elísio é alguém que transpira humildade, nos termos que muito bem descreves no comentário. Ele, de certa forma, reconhece a sua própria falibilidade. É humano, absolutamente normal. Mas parece estar a nascer uma onda de seguidores, que com léxico fino, se posicionam para welar quem ousa questiona-lo.
É sobre isso que pontuo, reconhecendo, claro, como bem sublinhas, que a decisão de falar é antecedida pela consciência da impossibilidade da unanimidade interpretativa. Estamos a ter sinais de se querer matar o que de pouco restava na nossa esfera politizada: o debate academico-intelectual. É sobre a intransponibilidade de amigos que, no exercício da faculdade legal e cognitiva de apresentar leituras alternativas, fazem convites a ataques ad hominen que não são convocados no(s) texto(s), sob a justificação de que “não se pode questionar uma autoridade académica e intelectual”, ou seja, questionar se subentende como desqualificar. Isso não pode proceder no debate.
Fico folgado que essa não é a posição de Macamo, e sim, de "seguidores" (e eu sou seguidor 
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Antonio A. S. Kawaria
Tenho que voltar ao texto anterior para ver ainda os novos comentárioss.
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