Monday, October 21, 2024
“MULTIDÕES E PARTIDO”, DE JODI DEAN (2016)
Edgar Barroso
4 de outubro às 07:44 ·
Um bom livro, no campo da teoria política contemporânea, que explora as tensões entre a organização política tradicional (via partidos políticos) e as formas de mobilização de massas (activismo social e/ou político). Em suma, teoriza sobre o que de facto traz mudança social e transformação política nos dias de hoje: a mobilização das multidões… ou a disciplina partidária.
Com efeito, vivemos, actualmente, num mundo onde o individualismo – ou a prossecução de interesses individuais ou de grupos – tem falado mais alto do que a prossecução do interesse público. Embora esteja a estudar especificamente as causas da decadência das organizações políticas de esquerda, no livro a Jodi Dean faz uma constatação deveras interessante: a multidão, por si só, não é suficiente para uma transformação política duradoura; é necessária uma organização política centralizada para orientar e canalizar o seu potencial revolucionário.
Por outras palavras, embora a autora reconheça o potencial emancipatório das multidões – que representam o poder do povo e a possibilidade de acção política colectiva de forma efectiva – ela adverte contra os perigos do caos e da desorganização inerentes a esses movimentos, que podem ser rapidamente desarticulados ou cooptados por interesses contrários à revolução que anseiam ou apregoam. Lembrei-me logo, na senda do “fenómeno das redes sociais” que se tornou no “inimigo público número um” do sistema – também conhecido como VM7 – das Artemisas Magaias e dos Rauis Novintes de Moz… Voltaremos a esse papo lá mais para o fim.
Jodi Dean defende, essencialmente, a importância do partido político como uma estrutura organizativa capaz de fornecer direcção estratégica às multidões. Por essa via, o partido é, a seu ver, o único meio capaz de garantir uma acção política disciplinada e contínua, condição sine qua non para a conquista de mudanças sociais radicais. Portanto, que é apenas dentro de um partido que a multidão pode tornar-se uma força política duradoura. Assim sendo, movimentos sociais contemporâneos como o “este país é nosso; salve Moçambique”, por assumirem formas descentralizadas (ou não convencionais) de organização política, tornam-se incapazes de sustentar uma resistência eficaz a longo prazo. Isto é, até podem ser uma “ameaça mortífera” momentânea e/ou circunstancial – capazes de stressarem a comissão política e/ou o comité central, a ponto de ser imperioso convocar famílias aristocráticas como as dos Mondlanes, Machéis, Chissanos e Guebuzas para galvanizarem as desorientadas “madeiras do dia” – mas sempre morreriam… na praia.
Jodi Dean pode estar equivocada, no contexto específico do ecossistema político contemporâneo de Moçambique, pelo menos para mim, por duas razões fundamentais: precisamente, pela "sucatização" das estruturas partidárias e… pelo zeitgeist (o Google oferece descrições razoáveis sobre o termo). Primariamente, movimentos de massa com estruturas horizontais podem oferecer uma forma de resistência e organização que não depende das estruturas tradicionais de poder. Portanto, ao invés de se subordinarem a lideranças centralizadas, esses movimentos tanto permitem a participação activa de diversos actores sociais, como promovem uma fluída distribuição de responsabilidades e uma maior flexibilidade organizacional (do tipo: se não vai com a CAD, vai com o PODEMOS). Isso pode contribuir para a inclusão de vozes diversas ou alternativas, unidas por um denominador comum: a formulação de novas agendas políticas que questionam o status quo. Secundariamente, esses movimentos também podem ser mais adaptáveis às novas dinâmicas tecnológicas e comunicacionais, como o uso de redes sociais, que facilitam a disseminação de informações e a organização de acções colectivas (mesmo quando a CNE politiza o desembolso de trust-funds de apoio à campanha eleitoral). No contexto moçambicano, onde a mídia oficial (e privada) podem ser vistas como instrumentos de controle e de propaganda política, movimentos horizontais podem utilizar plataformas digitais para criar novas formas de comunicação, resistência e organização, descentralizando o poder propagandístico da mídia tradicional.
Adicionalmente, as potencialidades de uma estrutura partidária tradicional, na perspectiva apresentada por Jodi Dean, parecem não se adequarem propriamente aos desafios e às oportunidades de se fazer política destes nossos tempos, onde cada vez mais jovens se identificam com aqueles beats do “suka Ferelimo”, “estamos a vir/é melhor fugir” e “a mentira acabou/Venâncio já chegou” que se popularizaram na campanha eleitoral das eleições gerais deste ano. A internet e as redes sociais, nos nossos tempos, têm permitido que políticos e eleitores se conectem directamente (via lives, por exemplo), eliminando a necessidade de intermediários, como a “máquina partidária” e as “grandes campanhas” financiadas por “jantares de milhões”. Isso é particularmente poderoso entre eleitores mais jovens, que já estão habituados a consumir e a partilhar conteúdo através de plataformas digitais. Por consequência, aquelas enchentes que, mesmo sem serem mobilizadas pelas estruturas partidárias e disseminadas pela mídia tradicional nos nossos serviços noticiosos, conseguem se multiplicar um pouco por todo o país, são reflexo de uma mudança paradigmática que pode estar, doravante, a fazer escola na política moçambicana.
PS: Voltando às Artemisas Magaias e Rauis Novintes de Moz… Um dos principais perigos enfrentados por “movimentos VM7”, em contextos neo-patrimonialistas (ou clientelistas) como o nosso, é a facilidade com que os seus aliados políticos podem ser cooptados por interesses estranhos que visam enfraquecer ou desviar o movimento. Expectativas goradas de uma possível distribuição de recursos ou privilégios como favores privados oferece incentivos poderosos para que líderes emergentes e figuras influentes dentro de movimentos do género sejam seduzidos por promessas de ganhos pessoais ou vantagens políticas. Assim sendo, a retirada da CAD da corrida eleitoral deixou o “Venancismo” momentaneamente enfraquecido e figuras como o Novinte podem ter entrado em natural desespero. Efectivamente, movimentos de massa tendem a atrair uma ampla gama de participantes com diferentes objectivos, ideologias e motivações. A Artemisa Magaia revelou-se pelos tachos que não a alcançariam… O Novinte (que era uma figura central ao nível do maior círculo eleitoral do país, Nampula) idem, mas já pela (real ou potencial) secundarização ou insignificância a que o PODEMOS o relegou.
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