Como garantir um legado (10)
“Os nossos filhos podem aprender sobre os nossos heróis no passado. Mas a nossa tarefa hoje é de sermos os arquitectos do nosso futuro” – Jomo Kenyatta (antigo presidente do Quénia)
Cheguei praticamente ao fim destas dicas. Na verdade, podia continuar por mais 100 episódios, mas estaria a repetir as dicas. Preciso de esclarecer uma coisa. Os desafios que o actual governo tem de enfrentar são incomuns. Nunca foi fácil corrigir erros do passado enquanto se tenta construir algo novo. E sempre que erros não forem corrigidos, eles agigantam-se e e ficam difíceis de abordar. Portanto, as dificuldades que um governo tem são sempre função do desleixo do passado. Mas há uma coisa muito importa que nenhum governo deve esquecer: Você pode ter boa desculpa para não ter conseguido resolver um problema, mas a sua verdadeira grandeza está na auto-superação. Pessoas grandes são aquelas que conseguiram apesar de tudo.
Tudo o que tentei dizer nestas textos resume-se à relação entre táctica e estratégia. Quem tem controlo sobre a situação desenha uma estratégica, isto é o conjunto de acções que vai emprender para implementar os seus planos. Quem não tem controlo sobre a situação, age dentro da estratégia desenhada por outros e, por isso, faria bem em se agarrar a alguma táctica, isto é, agir dentro da estratégia dos outros. Só que estas coisas não devem ser vistas de forma assim tão rígida porque mesmo um conjunto de tácticas constitui uma estratégia. O importante aqui é aquilo que a gente em sociologia chama de “definição da situaçao”. Você precisa de ter uma ideia da situação com a qual está a lidar. É como no futebol. Todo o treinador tem uma ideia do conjunto do jogo. Van Gall, o grande treinador holandês, por exemplo, reduzia o jogo a dois momentos: o adversário tem a bola e nós temos que a recuperar; nós temos a bola e temos que marcar golo. Tudo o resto era como recuperar e como não perder a bola, uma vez recuperada, até chegarmos à outra baliza.
Muito do que tem falhado no nosso País tem a ver com isto. Não há filosofia de jogo. Já houve, até 1987, por aí, quando a ideologia marxista deu coerência à Frelimo e determinou as escolhas que ela fazia desde o comportamento individual, passando pela relação com o Estado até à relação com a sociedade. Não estou a concordar com os elementos dessa ideologia. Estou apenas a dizer que ela dava aos actores políticos maior coerência na sua actuação. Depois disso, nunca mais houve coerência tão forte. O remédio não é recuperar o marxismo. O remédio é aceitar o pluralismo político e o papel que a economia de mercado desempenha dentro dele. Neste aspecto, não existe nenhum projecto coerente no País. Muitas das intervenções mais inteligentes são duma incoerência gritante neste ponto, insistindo em pensar a democracia com recurso à normatividade dum discurso marxista que muitas dessas pessoas nunca realmente entenderam. Sei que isto parece arrogante. Até certo ponto é. Fico estarrecido quando vejo gente inteligente a confundir “liberalismo” com “neo-liberalismo”, a aliar o respeito pela liberdade e dignidade humana com discursos intolerantes, autoritários e excludentes. Mas, prontos, esse é outro assunto.
A verdade, porém, é que precisamos também de elevar a qualidade do debate em relação ao tipo de projecto político que Moz é. Isso não é tarefa do governo, ainda que ele precise de acarinhar gente que tem interesse em reflectir sobre estes assuntos para ajudar a formar uma ideia coerente de Moçambique. Isso não se faz com agendas nacionais tipo “Agenda 2025”, pois o ponto de partida está já traçado na Constituição. Faz-se com interpretações coerentes dos valores que a Constituição procura proteger tendo em conta a posição de cada um de nós no concerto de interesses que Moz é. Nenhum partido tem projecto político sério, claro e coerente. Nenhum partido tem “ideólogo” da estatura, digamos sem vergonha, dum Jorge Rebelo. Nenhum partido tem nas suas hostes, ocupando postos de relevo como secretário-geral,
mobilização ou porta-vozes parlamentares, líderes de bancada, etc., gente “presidenciável”, gente que brilha por ter uma ideia profunda de Moz como projecto político. O da Frelimo anda em comparações bíblicas totalmente descabidas e o da Renamo é fã dum charlatão brasileiro, o Olavo de Carvalho. É o deserto intelectual-ideológico.
mobilização ou porta-vozes parlamentares, líderes de bancada, etc., gente “presidenciável”, gente que brilha por ter uma ideia profunda de Moz como projecto político. O da Frelimo anda em comparações bíblicas totalmente descabidas e o da Renamo é fã dum charlatão brasileiro, o Olavo de Carvalho. É o deserto intelectual-ideológico.
No fundo, sem equipa de qualidade é muito difícil garantir legado que seja. Se calhar, o verdadeiro problema está aqui. Só que no caso da Frelimo esta conclusão é estranha porque o partido tem quadros de qualidade. Por onde andam?
Tentei desenhar para resumir.
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