Inteligência
Caíu no meu inbox um texto da autoria do nosso físico nuclear, PCA da Empresa Nacional de Parques de Ciências e Tecnologias. Ao que tudo indica, este cargo não premeia a competência técnica (há meses que procuro trabalhos científicos da sua autoria e não os encontro...), mas sim a confiança política. Por causa disso mesmo, o que este indivíduo diz pode reflectir o pensamento oficial, sobretudo se depois de lhe ter sido confiado um cargo tão alto não há distanciamento de quem de direito em relação aos seus pronunciamentos incendiários. O que ele diz nesse texto é essencialmente o seguinte: a violência em Cabo Delgado e no centro do País é fomentada por veteranos da luta de libertação nacional que por ganância individual promovem a instabilidade para se enriquecerem.
O argumento não é grande coisa. É, na verdade, típico do pensamento indolente que faz sempre recurso a teorias de conspiração para reduzir questões complexas ao nível de compreensão de quem detesta pensar. Em toda as situações há, por regra, sempre alguém que beneficia. Contudo, daí a concluir que quem beneficia é que cria essas situações vai uma grande distância. E isto é sem tomar em conta que benefício moçambicanos que lutaram pela libertação do País tirariam da sua instabilidade.
O governo precisa de abordar o problema da insurgência em Cabo Delgado como um problema político, mas também como um problema intrinsicamente institucional que não se resolve com simplificações absurdas, mas sim com inteligência num duplo sentido: inteligência como a condição de não ter medo de pensar e inteligência no sentido de saber lidar com informação. O problema político continua a escapar à nossa liderança, infelizmente. O silêncio do chefe de Estado em relação ao ataque de segunda-feira é prova disso. Ele essencialmente decidiu que as pessoas que o elegeram e por cuja segurança ele jurou exercer o poder não merecem a sua atenção num momento como este. É grave. E o silêncio cúmplice dos que o rodeiam só piora as coisas.
As lucubrações do físico nuclear assim como as do Gustavo Mavie, que diz, por um lado, que não sei do que falo porque não vivo no País (mas, surpreendentemente, algumas pessoas que vivem no País concordam com a leitura que faço) e, por outro, que é normal perder uma batalha (e vai dizer isto até ao dia em que entrarem na Ponta Vermelha...) são sintomáticas da ausência de inteligência no primeiro sentido. É assim a nova Frelimo. Abdicou do pensamento crítico e investe o seu tempo ou em teorias de conspiração ou na discussão fútil com quem aponta problemas. Ao invés de ela fazer uma introspecção perde o seu tempo a tentar mostrar que o crítico se enganou como se isso fosse resolver qualquer problema que seja. Hoje, diz-se por aí, os insurgentes estão em Quissanga, “normal” como diz o porta-voz inoficial, em mais uma demonstração de que a população de Cabo Delgado parece ter sido abandonada à sua sorte.
Por causa dessa obsessão com futilidades, a Nova Frelimo não tem tempo para empregar a inteligência que o País precisa de aplicar para lidar com os seus problemas. Curiosamente, as teorias de conspiração são fomentadas pela natureza formidável dos problemas. O problema neste momento não são os veteranos, nem sou eu. O problema é como garantir que as FDS façam o seu trabalho. Ora, como qualquer outra instituição complexa, elas são vulneráveis ao comportamento desviante dos seus membros. Uma situação de conflito armado cria oportunidades que são aproveitadas pelas pessoas sem escrúpulos. Fiquei boquiaberto quando nas minhas leituras de memórias de membros do exército e serviços de inteligência da África do Sul fui descobrir altos esquemas de corrupção na base dos quais muitas patentes sul africanas brancas enriqueceram.
Não entendo nada de questões militares, por isso não vou enveredar por esse caminho. Contudo, uma liderança séria e comprometida com o País já teria reagido de forma visível. Teria indicado pessoas de qualidade que o País tem – sim, refiro-me a muita gente com experiência de governaçao ou gestão de empreendimentos, juízes e outros – para estudarem a estrutura das nossas FDS e identificar maneiras de suprirem os seus problemas logísticos e de disciplina. Pode ser “normal” perder uma batalha, mas não é “normal” que isso aconteça sem reacção das FDS muito menos que não rolem cabeças depois disso acontecer. Não sei se o Presidente dá ouvidos a estes assessores inoficiais. Se o faz, é grave. Se não o faz devia se demarcar claramente deles porque de cada vez que abrem a boca revelam a perplexidade das pessoas que pensam defender.
Há notícias segundo as quais os insurgentes teriam sido aplaudidos pela população. Isto não precisa necessariamente de significar apoio popular. A população está indefesa e vulnerável. Ela sempre vai fazer o mais racional, nomeadamente aliar-se ao mais forte, portanto, aquele que faz o “normal”. Só que quando é assim há algo profundamente importante que se perde. As pessoas perdem a sua relação emocional com o País e reagem instintivamente como, aliás, muitas o fizeram durante a guerra terrorista da Renamo. A aparente indiferença do governo perante o sofrimento das pessoas está a contribuir para a sua alienação. A impunidade dos membros das FDS que não tratam as pessoas com o devido respeito ressalta para o próprio governo, pois é ele que tem que mostrar às pessoas que a sua dignidade é sagrada e inviolável.
Ter boas FDS, no nosso contexto, não significa ter uma instituição sem gente corrupta ou indisciplinada. Significa ter um comandante em chefe que responde com prontidão a essas coisas e procura meios de impedir que esses problemas comprometam os objectivos gerais das FDS de garantir a segurança no País. O Presidente não foi obrigado a ocupar o posto que ocupa. Fê-lo voluntariamente porque achou que reunia condições para enfrentar os desafios que o cargo comporta. Isso é sinal de coragem que falta a muitos de nós (a mim, por exemplo, embora no meu caso seja a consciência de que esse cargo está muito aquém das minhas capacidades). Nesse sentido, até o admiro.
Mas ele tem que reconhecer que Cabo Delgado é um teste não só à sua coragem, mas também à sua competência. A melhor demonstração de coragem que ele pode fazer é não dar ouvidos a gente sem noção. A segunda é dirigir-se à nação e dizer o que está a acontecer, o que ele está a fazer para evitar o pior e o que nós, todos nós, podemos fazer para o ajudar. A terceira é considerar seriamente a hipótese de declarar um estado de emergência em Cabo Delgado e mobilizar as pessoas certas para lá. A quarta é apetrechar melhor os nossos serviços de inteligência com académicos – não veteranos da Luta – para que esses serviços se ocupem mesmo de coisas ligadas à “inteligência” e deixem de procurar falso inimigos nas redes sociais, sociedade civil e nos meios de comunicação de massas.
Liderança é coragem e inteligência. Todos aqueles que nos rebentaram os tímpanos com gritos de “confio em ti!” devem fazer um exame de consciência e se indagarem se dá mesmo para confiar perante o que se passa em Cabo Delgado. Parte do problema da liderança são esses que apoiam cega e acriticamente. Apoiar alguém – e eu apoio Nyusi e a Frelimo – não é apenas adular e proteger da crítica. Nem com Guebuza fiz isso. É exigir que ele continue a merecer a nossa confiança. E neste momento, infelizmente, ele está a minar essa confiança. Ele e a Comissão Política.
1 comentário:
Elisio,extingue o demente Gustavo Mavie que já nem o que balbucia não soa e ignore o Juliao Cumbane que se calhar pode ter nocao de fisica mas um saber fazer de algo fisico que demonstra o quão é fisico nuclear. Atitude de Cumbane encaminha a juventude a mutilaçao mental.
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