Cabo Delgado arde e, com ela, uma parte importante do que nós somos. O Presidente cala-se, o Primeiro Ministro cala-se, os Ministros calam-se, a Comissão Política cala-se, a oposição cala-se e só uns gatinhos pingados pelas redes sociais é que vão dizendo uma e outra coisa. Melhor demonstração da indiferença das nossas elites políticas pelo País não poderia haver. Comunicar, nem que seja para dizer que estamos perante um inimigo invisível e ainda não sabemos o que vamos fazer, é essencial numa democracia. A obrigação de comunicar constitui um estímulo à reflexão. O mais tardar, é quando você tem que comunicar que vai ter mesmo que pensar sobre o que está a acontecer. O silêncio pode ser indicação clara de que as pessoas de direito não querem mesmo se dar ao trabalho de pensar.
A indiferença tem método. O método não é só não comunicar. É também concentrar toda a energia no supérfluo. O discurso do chefe da bancada parlamentar da Frelimo ontem na Assembleia da República é uma triste, mas bela demonstração disso. 14 páginas sobre nada, mas tudo escrito de forma bonita, o que significa que alguém se sentou para reflectir sobre o que ia dizer, como e com que objectivo. Pelo resultado, tudo feito à revelia do que seria de esperar de alguém que tem como trabalho representar quem o elegeu para cuidar do País. O foco no supérfluo implica (1) falar do óbvio, (2) idolatração e (3) confundir papéis. Reproduzo excertos desse discurso e, entre parênteses, vou mapear a indiferença.
“No meio à catástrofe que se abate sobre muitos países e, alguns com economias desenvolvidas cujos sistemas de saúde de primeira linha desmoronam como cartas de baralho, queremos saudar as medidas de saúde pública preventivas anunciadas por Sua Excelência o Presidente da República FILIPE JACINTO NYUSI, à Nação moçambicana” [aqui temos o 1 e o 2. As medidas anunciadas pelo Presidente são do governo, portanto, é completamente desnecessário fazer referência ao Presidente; a referência ao desmoronamento (que nem é verdade) de sistemas de saúde é infeliz porque parece sugerir que Moz tomou medidas que vão evitar isso melhor do que o que as economias desenvolvidas fizeram].
“Saudamos, igualmente, a direcção do Partido FRELIMO que, cumprindo as orientações do Governo, adiou a Sessão Ordinária do Comité Central marcada para os dias 20 a 22 de Março, um evento que quando reúne junta centenas de pessoas para debater matérias importantes do País” [é o 2 com a agravante de que pela construção frásica dá a impressão de que debater matérias importantes do País aumenta o risco de infecções].
“Numa corrida eleitoral testemunhada por várias entidades nacionais e estrangeiras jamais vistas, no nosso País, a vitória expressiva da FRELIMO e do seu candidato presidencial FILIPE JACINTO NYUSI foi a prova inequívoca da confiança dos moçambicanos na FRELIMO e na liderança firme e serena do Presidente FILIPE JACINTO NYUSI que, no meio dos constrangimentos da conjuntura económica, conduz Moçambique e os moçambicanos para o desenvolvimento. Nestas eleições, o Presidente FILIPE JACINTO NYUSI foi reeleito com 73% dos votos e o Partido FRELIMO obteve 70,78% dos assentos, na Assembleia da República, um total de 184 Deputados, enquanto que nas Assembleias Provinciais a FRELIMO venceu em todas as Províncias, com 72, 27%” [1, 2 e 3; quem é que não sabe isto naquela sala? O deputado virou repórter?].
“Testemunhamos no dia 15 de Janeiro de 2020 a investidura do Presidente FILIPE JACINTO NYUSI, como o Mais Alto Magistrado da Nação e registamos o seu juramento de continuar a "Ser o Presidente de todos os moçambicanos e a sua promessa de trabalhar pelo Moçambique que todos sonhamos” (...) “Tal como demonstrou ao longo dos últimos cinco anos, o Presidente FILIPE JACINTO NYUSI, vai liderar os moçambicanos com a máxima energia, entrega e dedicação, para reduzir os índices de pobreza com a construção de mais escolas, mais emprego para jovens, hospitais, estradas e pontes, fontes de abastecimento de águas, energia, turismo e catapultando a agricultura como a base do desenvolvimento do nosso País. Saudamos à Sua Excelência o Presidente FILIPE JACINTO NYUSI pela aposta na juventude e na mulher neste novo ciclo de Governação onde notamos no governo central, nos governos provinciais, na administração pública e nas assembleias representativas, a presença de jovens na dianteira da produção e até na liderança, sobretudo nos distritos. Esta é uma demonstração clara e inequívoca da materialização do compromisso assumido por Sua Excelência o Presidente da República, no sentido de continuar a promover a inclusão de jovens e mulheres na governação do País, a todos níveis. Ao Presidente FILIPE JACINTO NYUSI e ao seu Governo, auguramos os maiores êxitos no cumprimento da missão e na condução de um Governo comprometido com o bem-estar do nosso Povo” [2 e 3; o Presidente foi eleito com base num programa elaborado pelo partido Frelimo; como presidente desse partido ele liderou a discussão e aprovação desse programa, mas o programa não é dele, tanto mais que a Frelimo não funciona assim. Você não é indicado para dirigir o partido porque você tem ideias melhores e mais consensuais do que a de outros candidatos. Você é indicado porque a Frelimo precisa de alguém para falar em seu nome. Insisto sobre este ponto porque é um dos maiores câncros da Frelimo, o seu maior déficit democrático].
“Como disse Sua Excelência o Presidente FILIPE JACINTO NYUSI, e nós citamos “A Paz foi e será sempre a nossa prioridade absoluta. No mandato que agora começa continuaremos a apostar na preservação da Paz como condição indispensável do desenvolvimento. Continuaremos, nem que isso nos custe a vida, a defender e a promover a Paz”. Acreditamos que "Moçambique tem tudo para dar certo" como nos tem ensinado o nosso Presidente. Para além de uma população jovem e trabalhadora, o nosso País tem imensos recursos que poderão desenvolver a médio e longo prazo a nossa economia” [2 e 1; sem comentários; coloquei isto por causa do que vem a seguir; estamos na página 7 dum discurso de 14 páginas].
“Mas, para que tudo dê certo, repito, é fundamental que o País viva sem as acções bárbaras de malfeitores, verdadeiros inimigos da Paz, do desenvolvimento e do bem-estar dos moçambicanos que, usando o que lhes resta do saber e inteligência matam e estão a criar terror nas populações indefesas, em alguns pontos das Províncias de Cabo Delgado, Manica e Sofala.
Como Bancada, expressando a dor e repúdio dos moçambicanos e sobretudo das populações indefesas, directamente afectadas, condenamos de forma veemente estas acções criminosas.
Porque a PAZ é um bem precioso e maior para qualquer Povo, exortamos a todos os moçambicanos, a contribuírem na defesa e promoção da Paz e do diálogo, factores fundamentais para o desenvolvimento político, económico, social e cultural do País. Como Bancada, acreditamos que o diálogo é o nosso único e principal recurso para ultrapassar as diferenças e contribuir na construção do bem-estar comum, acima de interesses individuais ou de grupo. Ainda na busca pela Paz, saudamos os esforços do Presidente FILIPE JACINTO NYUSI e encorajamos que continue a tudo fazer para acelerar o processo de Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração dos homens da Renamo como parte do roteiro para a busca da Paz. Instamos, igualmente, a liderança da Renamo também a se empenhar de forma sincera, honesta e corajosa para a implementação dos entendimentos do ano passado [1, 2 e 3; “o que lhes resta do saber e inteligência” não mata, mas sim revela a fragilidade do País e, por isso, convida o deputado a concentrar a sua atenção no tipo de desafios políticos que isso coloca a si próprio, ao partido que ele representa e ao governo que ele apoia; prefere empolgar-se com lugares-comum que em nada ajudam a concentrar a atenção no que realmente conta; a gravidade do que está a acontecer em Cabo Delgado exige um outro discurso, mais sério, que traz conforto à população de Cabo Delgado; a gravidade dessa situação obriga também a separar os assuntos, pois Cabo Delgado não é Manica e Sofala, nestas últimas províncias o assunto é outro e resulta, parcialmente, do que o idolatrado logrou com a paz definitiva provisória].
Como Bancada, expressando a dor e repúdio dos moçambicanos e sobretudo das populações indefesas, directamente afectadas, condenamos de forma veemente estas acções criminosas.
Porque a PAZ é um bem precioso e maior para qualquer Povo, exortamos a todos os moçambicanos, a contribuírem na defesa e promoção da Paz e do diálogo, factores fundamentais para o desenvolvimento político, económico, social e cultural do País. Como Bancada, acreditamos que o diálogo é o nosso único e principal recurso para ultrapassar as diferenças e contribuir na construção do bem-estar comum, acima de interesses individuais ou de grupo. Ainda na busca pela Paz, saudamos os esforços do Presidente FILIPE JACINTO NYUSI e encorajamos que continue a tudo fazer para acelerar o processo de Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração dos homens da Renamo como parte do roteiro para a busca da Paz. Instamos, igualmente, a liderança da Renamo também a se empenhar de forma sincera, honesta e corajosa para a implementação dos entendimentos do ano passado [1, 2 e 3; “o que lhes resta do saber e inteligência” não mata, mas sim revela a fragilidade do País e, por isso, convida o deputado a concentrar a sua atenção no tipo de desafios políticos que isso coloca a si próprio, ao partido que ele representa e ao governo que ele apoia; prefere empolgar-se com lugares-comum que em nada ajudam a concentrar a atenção no que realmente conta; a gravidade do que está a acontecer em Cabo Delgado exige um outro discurso, mais sério, que traz conforto à população de Cabo Delgado; a gravidade dessa situação obriga também a separar os assuntos, pois Cabo Delgado não é Manica e Sofala, nestas últimas províncias o assunto é outro e resulta, parcialmente, do que o idolatrado logrou com a paz definitiva provisória].
“Saudamos a valentia e prontidão das Forças de Defesa e Segurança que, pese embora também se ressintam das medidas de austeridade que o País vive, continuam a garantir a defesa da soberania, da ordem e tranquilidade públicas, assegurando o pleno funcionamento das instituições democráticas e protecção da vida das nossas populações, das empresas e outras” [1, 2 e 3; que medidas de austeridade? O deputado acompanha as notícias? Para ele também é “normal” que sejam ocupadas sedes distritais? Que fique claro: o problema não são as FDS; o problema é quem tem a obrigação política de garantir que elas façam o seu trabalho].
Então, quando digo que a indiferença tem método refiro-me a isto. A nossa classe política abandonou-nos.
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