Sunday, May 12, 2019

PROCURADOR CUANCUA E SEUS NEGÓCIOS NO KUANDO-KUBANGO


A luta contra a corrupção no Kuando-Kubango levou à detenção, na semana passada, dos responsáveis do Gabinete de Estudos e Planeamento (GEPE) do governo provincial. Também se encontram sob investigação, por negócios feitos consigo próprio, o governador Pedro Mutindi e os seus vice-governadores Bento Francisco Xavier e Sara Luísa Mateus.
O Maka Angola tem estado a investigar a província e inicia, a partir de hoje, uma série de publicações sobre a pilhagem actual nas “terras do fim do mundo”. Esta pilhagem tem como uma das principais fontes o Hospital Provincial do Kuando-Kubango, por ser uma das principais unidades orçamentais da província, com uma dotação mensal acima dos 130 milhões de kwanzas.
Hoje, começamos por alguém que deve estar acima de quaisquer suspeitas, o principal rosto da luta anticorrupção no Kuando-Kubango, o procurador junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC), Vicente Pedro Lopes Cuancua.
A 9 de Junho de 2017, Vicente Cuancua criou a empresa Sabi ya Wengi – Comércio Geral e Prestação de Serviços (Sociedade Unipessoal – SU), como sócio único. Nessa mesma altura, o procurador autonomeou-se gerente da sociedade, conforme escritura passada pela 2.ª Secção do Guiché Único de Empresas da Conservatória do Registo Comercial de Luanda.
No ano passado, de 1 a 30 de Agosto, o Hospital Provincial do Kuando-Kubango depositou um total de 12,2 milhões de kwanzas na conta da Sabi ya Wengi. Desde Janeiro até Abril passado, o hospital depositou mais um total de 13,2 milhões de kwanzas na conta da referida empresa. Várias fontes locais contestam que estes valores reflictam a prestação real de serviços ao hospital. Porquê?
Mas há mais hospitais na lista de clientes da empresa do procurador. O Hospital Municipal de Mavinga contribuiu para a conta da Sabi ya Wengi com 3,7 milhões de kwanzas, enquanto o Hospital Municipal do Calai depositou dois milhões de kwanzas.
Por sua vez, o governo provincial do Kuando-Kubango, chefiado por Pedro Mutindi, também requisitou serviços à empresa de Cuancua. O governo provincial depositou, a 28 de Fevereiro passado, 15 milhões de kwanzas na conta da Sabi ya Wengi.
Escrutinados os fluxos financeiros da empresa, o Maka Angola nota, para já, que a mesma não tem despesas como pagamentos de empregados, nem há registos, na sua conta única local, de pagamento de impostos. Na verdade, a Sabi ya Wengi também foi à Conta Única Agregadora Nacional (a conta do tesouro) buscar a sua “prenda de natal”, a 27 de Dezembro de 2018, no valor total de 4,5 milhões de kwanzas.
A 16 de Abril passado, a vice-governadora Sara Luísa Mateus homologou a programação financeira do hospital para o mês de Abril. O documento ordenou o pagamento de mais quatro milhões, de um total de seis milhões de kwanzas, à Sabi ya Wengi, pelo fornecimento de consumíveis de escritório.
Vicente Cuancua confirma ser o proprietário da empresa e justifica ter passado uma procuração a Samuel Santos, a quem nomeou gerente da empresa com plenos poderes para a representar. “Eu não sou o gestor”, reitera. O Maka Angola teve acesso à cópia da procuração, datada de 6 de Junho de 2018, através da qual o proprietário da empresa transfere a sua gerência para Samuel Santos.
A referida procuração foi certificada pelo Cartório Notarial da Comarca do Kuando-Kubango, pelo primeiro oficial Edson Fernando Domingos Sawimbo.
Todavia, a documentação comprova que, por um ano, a empresa esteve sob gerência directa do procurador.
Sobre a relação com o Hospital Provincial do Kuando-Kubango, o procurador refere que a Sabi ya Wengi fornece medicamentos e outros produtos quando o hospital solicita. “Quando há cabimentação [orçamental], o hospital solicita [fornecimentos] à empresa, quer sejam medicamentos ou material de escritório”, explica.
Quanto ao pagamento de 15 milhões de kwanzas, realizado pelo governo provincial, revela: “Já mandei abrir um processo contra o [gestor] Samuel para saber que actos praticou para receber tal dinheiro e o que fez com o mesmo.”
“Está em curso um processo-crime. Essa transferência foi feita em Fevereiro, no meu mês de férias. Tomei conhecimento [da transacção] através do extracto de conta. Este valor [os 15 milhões] entrou e saiu. Do ponto de vista legal, o Samuel tem de explicar o que fez”, assevera o procurador.
Por sua vez, Samuel Santos explica ao Maka Angola que “temos um contrato de manutenção [com o hospital]. Acho que é de manutenção, se não estou em erro”.
“Fornecemos material didáctico e tinteiros. Vendemos e instalámos os televisores que lá estão [no hospital]. São nove, ao todo”, refere o gestor.
Samuel Santos é peremptório em afirmar: “Nunca forneci medicamentos ao Hospital Provincial, mas sim à administração municipal do Calai. Foram uns antipalúdicos, xaropes, água oxigenada, ligaduras e seringas.”
O gestor refere estar devidamente licenciado para a comercialização de medicamentos. A cópia da licença, emitida pelo inspector provincial Tiago Nunda, do departamento de Inspecção da Saúde do governo local, é datada de 11 de Março, sem ano específico. É válida por 90 dias, podendo ser renovada para o mesmo período, todos os anos.
Em relação aos 15 milhões de kwanzas transferidos pelo governo provincial para a Sabi ya Wengi, Samuel Santos tem uma explicação interessante: “Esta transferência deveu-se à entrega de duas pás carregadoras à administração municipal, para a recolha de lixo”, diz.
Segundo Samuel Santos, foi o administrador municipal do Menongue, Júlio Vidigal, quem lhe solicitou a venda das duas pás carregadoras. “Ele [Vidigal] pediu autorização ao governador para o negócio e este anuiu.”
“Vendemos as duas pás carregadoras à administração municipal. Tenho o comprovativo da compra das máquinas a uma empresa local, aqui no Kuando-Kubango, a empresa chinesa [nome por especificar pelo gerente]”, justifica o gestor. No entanto, nos fluxos financeiros da empresa, não aparece tal aquisição.
Por que motivo o administrador Vidigal não se dirigiu directamente à empresa chinesa para adquirir as máquinas e precisou de o fazer através de um intermediário? A esta pergunta Samuel Santos repete apenas que foi o administrador “quem pediu”. Não tem resposta sobre o destino dado aos fundos.
Informa também que já chegou a comprar material de escritório numa loja local, para fornecer o hospital. “Só fiz isso uma vez, por uma questão de emergência. Sempre comprei tinteiros, computadores e outro material à NCR”, justifica.
Entretanto, compulsados os fluxos financeiros da empresa, nota-se que, desde a sua existência, apenas a 11 de Janeiro passado a Sabi ya Wengi usou a sua conta para fazer compras na NCR, no valor total de 415 mil kwanzas. Nessa altura, já tinha recebido do Hospital Provincial a soma de 7,5 milhões de kwanzas. Não se registaram outras aquisições de material à NCR através da conta única da empresa.
“No Kuando-Kubango, só prestamos serviços ao Estado”, admite Samuel Santos.
Tentámos, sem sucesso, ouvir o director-geral do Hospital Provincial no Menongue.

Conflito de interesses

Há um ano, a juíza Josina Falcão absolveu o autor deste artigo e o jornalista Mariano Brás das acusações de difamação e ultraje a órgão de soberania, pelo facto de o primeiro ter exposto um negócio corrupto entre o antigo procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, e o Estado. Na sentença, para quem tinha dúvidas, a juíza Josina Falcão deixou claro que a Constituição não permite aos magistrados do Ministério Público o exercício de quaisquer funções fora da actividade judicial, excepto a docência e investigação científica.
Em 2012, a Assembleia Nacional alterou o Estatuto do Ministério Público, tendo permitido aos magistrados a propriedade de quotas em sociedades. Essa norma, que autoriza os procuradores a ter actividades comerciais e que buscam o lucro, é verdadeiramente inconstitucional.
“Embora o estatuto actual do MP [Ministério Público] abra a possibilidade de os mesmos magistrados possuírem quotas etc. […], essa abertura é inconstitucional, pelo facto de a norma em questão, que dá legitimidade ao magistrado do MP de deter as quotas e participações, ferir princípios constitucionais vigentes”, relata a juíza no seu acórdão.
Mais uma vez, recordamos a clareza da Constituição, no seu artigo 179, n.º 5, aplicável aos procuradores por força do artigo 187, n.º 4. De acordo com os referidos articulados, os magistrados não podem exercer qualquer função privada ou pública além da docência e da investigação científica.
A sociedade civil deve estar alerta para exigir a mudança da lei. O Tribunal Constitucional, chegando-lhe o necessário processo, deve declarar a inconstitucionalidade da norma que permite tais negócios aos magistrados.
Na luta contra a corrupção empreendida pelo presidente João Lourenço, os magistrados devem estar acima de quaisquer suspeitas. Não devem realizar negócios pessoais com instituições do Estado, as quais, em contrapartida, devem fiscalizar de acordo com a lei, com probidade e imparcialidade.
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