Há uns tempos, circulou na imprensa uma análise da agência de informação financeira Bloomberg segundo a qual a economia angolana ia ser ultrapassada, em breve, pelas economias do Quénia e da Etiópia.
Recorde-se que a economia angolana é a terceira maior da África subsaariana, a seguir à África do Sul e à Nigéria.
Estas medições e previsões não são muito importantes em si mesmas. Basta lembrar que na Europa, em 1987, a Itália comemorou com jactância o “sorpasso” da Grã-Bretanha, isto é, o facto de o valor do seu Produto Nacional Bruto nominal medido em dólares ter ultrapassado o dos britânicos. Nesse ano, a Itália tornou-se a quarta maior economia do mundo. Durou pouco. Em 1997, a Itália era de novo ultrapassada pelos britânicos. Hoje, a Itália é uma economia frágil que não suportou a adesão ao Euro e luta contra uma estagnação crónica. Portanto, não vale a pena levar muito a sério estas projecções.
No entanto, elas são úteis como marcadores de boas políticas, tendências e erros. E, nesse sentido, é importante realizar uma comparação entre o que se tem passado na Etiópia e em Angola, em termos económicos, nos últimos anos.
Comecemos pelos aspectos fundamentais. Em 2017, o PIB da Etiópia era de 80,56 mil milhões de USD, e o PIB per capita (valor total da produção dividida pela população) alcançava os 767,56 USD. No mesmo ano, o PIB angolano era de 124,4 mil milhões de dólares, enquanto o PIB per capita se situava nos 4170,31 USD (dados do Banco Mundial).
Vê-se, consequentemente, que a economia angolana é superior à etíope, a uma larga distância. Para a economia etíope ultrapassar Angola, numa medição feita em dólares, esta teria de continuar estagnada e o valor do kwanza face ao dólar continuar a descer, o que pode acontecer ou não.
A verdade é que, com referência a 2017, a diferença entre as economias era de monta, com vantagem para Angola.
Onde o problema se coloca é na comparação entre as taxas de crescimento nos últimos anos. Continuando a acompanhar os dados do Banco Mundial, entre 2013 e 2017 as taxas de crescimento da Etiópia e de Angola foram extremamente divergentes. A Etiópia cresceu a dois dígitos, na ordem dos 10%, enquanto Angola se arrastou numa recessão/estagnação. É nessa taxa de crescimento de 10% ao ano que devemos focar o nosso olhar sobre a Etiópia, para tentar perceber as políticas que conduziram a estes números.
Olhando para os vários dados apresentados pelo Banco Mundial, o que impressiona não é a diferença relativa entre o tamanho das economias de Angola e da Etiópia, é a abissal diferença entre o crescimento económico da Etiópia e o de Angola: 10% na Etiópia contra 0% em Angola.
Há muitos factores que justificam o crescimento económico e os seus diferenciais, mas vamos concentrar-nos naquele que parece decisivo, que é o da política económica, uma vez que em termos de riquezas naturais Angola é imensamente superior à Etiópia, portanto, nunca estaria aí qualquer fundamento para as clivagens dos últimos anos.
Não existe um modelo com uma geometria exacta que tenha sido levado avante pelo governo etíope ao longo dos últimos anos. Numa primeira fase, o governo apostou na extensão da base agrícola do país como fundamento para o futuro crescimento, mas posteriormente modificou essa orientação, escolhendo promover um crescimento mais generalizado. Acresce que o modelo de crescimento é alvo de variadas críticas, sobretudo académicas, pela desigualdade que cria.
No entanto, há algumas constantes nesse modelo, que se apresenta como alternativo ao modelo liberal puro, sem deixar de incluir alguns elementos fundamentais deste.
Assim, a política económica etíope tem sido apelidada de “modelo do Estado desenvolvimentista”, que se caracteriza como um sistema em que o governo controla, administra e regula a economia, a qual, no entanto, funciona segundo as regras de mercado. No fundo, são políticas de desenvolvimento similares àquelas que, lideradas pelo Estado, tiraram as economias do Leste Asiático da pobreza até ao final do século XX, em que há uma espécie de parceria entre Estado e sector privado.
Tal como Angola, a Etiópia também embarcou numa reforma da sua economia a partir da década de 1990, após uma tenebrosa experiência marxista durante a qual falar da Etiópia era sinónimo de falar de fome.
Desde essa época, o país é regido por um partido (tal como o MPLA) denominado Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (FDRPE), que numa fase inicial se apresentava de extrema-esquerda e hoje é centro-esquerda, embora muito ziguezagueante, com adopção de perspectivas neoliberais sempre que lhe é conveniente.
A primeira década do regime do FDRPE (1991-1999) foi marcada por uma série de reformas no âmbito de um programa de ajustamento estrutural (PAE), com o objectivo de abolir o sistema económico marxista-planificado, estimulando a concorrência, abrindo a economia e promovendo o sector privado. Neste período, o governo implementou três fases de programas de reforma patrocinados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) / BM (Banco Mundial). Uma medida fundamental implementada durante este período foi a liberalização em vários mercados. A segunda fase do programa de reforma económica (1994 / 1995-1996 / 1997) visava limitar o papel do Estado na actividade económica e promover uma maior participação do capital privado. Em 1996, o país entrou em novo acordo de três anos com o FMI e iniciou a terceira fase do programa de reformas, abrangendo o período 1996-1999. Sob esse arranjo, o governo comprometeu-se a alcançar um crescimento económico amplo num ambiente macroeconómico estável, enquanto as medidas de liberalização eram reforçadas.
O ambiente político favorável criado pelas reformas económicas, aliado à estabilidade macroeconómica, revitalizou o sector industrial e a economia em geral.
Contudo, o alto período de crescimento não durou muito. Por isso, em 2002/2003, o governo etíope formulou uma estratégia de desenvolvimento industrial (EDI) completa. À mão invisível do mercado, foi adicionada a mão visível do Estado.
A EDI estava vinculada a várias estratégias subsectoriais e a sucessivos planos de desenvolvimento. O primeiro plano de desenvolvimento colocou grande ênfase na agricultura familiar, enquanto no segundo plano o escopo da política foi ampliado para abranger o sector urbano e o sector industrial, como acima já referimos. O sector industrial e a economia em geral mostraram um crescimento impressionante após a implementação dos programas.
O que aconteceu, então, foi que o governo soube combinar a liberalização da economia com um plano de desenvolvimento direccionado, tudo feito em colaboração com as organizações internacionais, mas mantendo a autonomia, não seguindo apenas medidas neoliberais, mas também não as enjeitando.
O que verificamos é um misto de pragmatismo, liberalização de mercados e intervenção do Estado, o que é um “caldo” difícil de obter e de gerir, em que houve muitos avanços e recuos.
Este modelo de Estado desenvolvimentista etíope tem sido objecto de variados estudos, uns críticos, outros elogiosos. O ponto essencial é que valeria a pena olhar para ele da perspectiva angolana e ver os ensinamentos que podem ser retirados por uma equipa económica pragmática e moderna que urge colocar à frente dos destinos do país. É para este enfoque da política económica no desenvolvimento que o relatório da Bloomberg (que referimos no início) é importante.
Há que estudar o modelo do Estado desenvolvimentista etíope e ver as lições que podem ser retiradas para Angola.
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