23 de Abril 2019 21h20 - 33 Visitas
Foi a 26 de Março que Samora Machel Júnior, ou simplesmente ”Samito”, apresentou a sua defesa por escrito ao instrutor do processo disciplinar, Francisco Valente Cabo. Homem de poucas palavras no discurso oral, Samito mostrou o contrário no documento de 40 páginas, excluindo os anexos.
Na longa e demolidora resposta, o membro do Comité Central e filho do primeiro Presidente de Moçambique começa por discutir os procedimentos para a abertura do processo disciplinar. Com objectivo é único: mostrar que houve violação dos Estatutos da Frelimo.
E uma das disposições violadas, porque há tantas, é o número dois do artigo 44 do Regulamento dos Estatutos da Frelimo, que dispõe que “a instauração do processo disciplinar é determinada pelo órgão a que o membro pertence ou pelo respectivo secretariado e é instruído pelo Comité de Verificação”.
Na resposta, ele diz que quem determinou a abertura do processo disciplinar não foi o Comité Central, órgão a que pertence, ou o respectivo secretariado, mas sim o secretário-geral da Frelimo. E diz mais: quem instruiu o processo não foi o Comité de Verificação do Comité Central.
Além da falta de competências do órgão que ordenou a abertura do processo disciplinar e daquele que o instruiu, Samora Machel ataca também o incumprimento dos prazos do processo. Por exemplo, faz notar que a produção de provas, a elaboração da nota de acusação e a entrega da respectiva cópia foram feitas antes da sua audição.
Sobre o conteúdo da acusação, ele nega que tenha se apresentado aos órgãos eleitorais como membro da AJUDEM, a associação juvenil que suportava a sua candidatura a edil de Maputo. Assume que estava inscrito na lista da AJUDEM para concorrer como cabeça-de-lista. E justifica a aceitação do convite: “As candidaturas apresentadas constituíam um grupo de cidadãos que pretendiam concorrer para travar uma luta contra a corrupção na autarquia de Maputo e introduzir políticas mais inclusivas e democráticas”. E para sublinhar a nobreza da causa, faz um comentário mordaz para a actual liderança da Frelimo: “O meu partido, o partido de Mondlane, de Machel, de Chissano e de Guebuza não pode ver nenhum mal nesse desejo”. A exclusão do “partido de Nyusi” não é de todo fortuito. Mas lá chegaremos.
Voltando à resposta, Samora Machel Júnior diz que foi o único candidato a cabeça-de-lista da Frelimo para a cidade de Maputo proposto por todos os comités distritais e que a sua candidatura foi apurada com o cumprimento de 100 % dos requisitos exigidos pelo partido.
“O secretariado, alegadamente por instruções do camarada Presidente do partido e do secretário-geral, seleccionou os nomes de Eneas Comiche (aparentemente proposto apenas pelo distrito de KaNyaka), António Sumbana Júnior e Razaque Manhique”. “Para alguns foi necessário recorrer à fraude, em vários órgãos, incluindo no secretariado do Comité da Cidade”, para reunir os requisitos.
O acusado diz que pediu explicações sobre a sua exclusão ao Secretariado do Comité da Cidade, mas nunca as teve.
“Dentro da mais séria disciplina partidária, depois de inúmeras insistências, falei com o camarada Francisco Mabjaia, então Primeiro Secretário do Comité da Cidade, que me disse ter sido uma decisão dele, mas nunca me explicou os fundamentos desta decisão pessoal”.
Inconformado com a resposta, Samito foi bater à porta de Joaquim Chissano e Armando Guebuza, antigos dirigentes do partido, e de Filipe Paúnde e Tomaz Salomão, dois membros da Comissão Política. Foi com esses membros seniores da Frelimo que abordou a sua exclusão. Sobre os detalhes das conversas, diz que não os vai revelar por uma questão de princípios.
Se lá as portas se abriram, o mesmo já não se poder dizer em relação às portas de Filipe Nyusi e Roque Silva.
“Nunca consegui falar, apesar de insistentemente o solicitar por todos os meios disponíveis, com o camarada Presidente do Partido, (mesmo) indicando trata-se de um assunto importante”, escreve Samora Machel Júnior, rebatendo a acusação de que não usou os meios apropriados para apresentar a sua reclamação.
“Se um Presidente da Frelimo e o Secretário-geral não aceitam receber ou ouvir um membro do Comité Central não se pode pensar na hipótese de cumprirem o artigo 13 dos Estatutos”, que versa sobre os deveres especiais do membros e dirigentes de órgãos do partido.
E começa a contra-atacar: “Eu candidatei-me pela AJUDEM quando ficou que o Partido e os seus mais altos dirigentes (Presidente e secretário geral) não cumprem as directivas e os estatutos”; “Eu candidatei-me pela AJUDEM quando ficou claro que o Presidente e o secretário-geral pensam que a Frelimo é a sua vontade”; “Eu candidatei-me pela AJUDEM porque muitos camaradas nela filiados queriam que concorresse”.
E justifica que não precisou da autorização dos órgãos competentes da Frelimo para concorrer, porque a AJUDEM não é um partido político nem uma organização associada ou dependente de um partido político.
Sobre a exclusão da lista da AJUDEM pelos órgãos eleitorais, Samito é explosivo: “Tenho provas cabais de terem existido muitos crimes e ilícitos eleitorais, com autores morais e materiais identificáveis, para a exclusão da AJUDEM junto da Comissão Nacional de Eleições.”
E porque a acusação diz que o ilícito disciplinar por ele cometido é passível da pena de expulsão do partido, Samora Machel responde afirmando que a medida resulta da campanha contra a democracia e contra as regras instalada na Frelimo por Filipe Nyusi e Roque Silva.
E questiona: “Quem, depois desta expulsão, continuando membro da Frelimo, ousará levantar-se contra a indisciplina dos dirigentes e à desobediência destes aos Estatutos e demais normais partidárias”. “Aliás, quem hoje se atreve a dizer que a candidatura do camarada Filipe Nyusi a candidato a Presidente da República está fora dos Estatutos da Frelimo”. Samora Machel Júnior lembra que não compete ao Congresso proclamar candidatos às eleições, pois estes só podem ser eleitos por voto secreto. “Se todos sabiam que as eleições no partido efectuam-se por escrutínio secreto, porquê é que não houve uma só voz que se levantasse contra essa agressão aos Estatutos”, questiona.
Além de defender a nulidade do processo, o filho de Samora defende que o Presidente da Frelimo e o secretário-geral é que deviam ser acusados por violação dos Estatutos e por “não permitir que os membros do partido detenham da mais ampla liberdade de crítica e de opinião; não estimularem o diálogo; ”.
Mais do que acusação, Samito vai mais longe e defende que Filipe Nyusi deve ser suspenso das funções do presidente da Frelimo. Assim mesmo. E justifica-se: “não defende a unidade e coesão internas; não garante o respeito pelos princípios da Frelimo; viola gravemente os Estatutos da Frelimo; não está a empenhar a sua magistratura moral e política”.
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