O secretário-geral das Nações Unidas manifestou-se este domingo chocado com as mortes registadas no sábado na Venezuela e apelou a que não se use “força letal em nenhuma circunstância”, segundo um comunicado do seu porta-voz hoje divulgado. Nicolás Maduro passou de bestial a besta. Saberá António Guterres que – por exemplo – em Angola há 20 milhões de pobres e que 50% da população não tem registo de nascimento?
Por Norberto Hossi
Numa nota publicada hoje no site das Nações Unidas, o porta-voz de António Guterres, Stephane Dujarric, afirmou que o secretário-geral da ONU “está a acompanhar com preocupação crescente a escalada de tensão na Venezuela”.
“Ficou chocado e entristecido por saber que alguns civis perderam a vida no contexto dos acontecimentos de ontem [sábado]. O secretário-geral apela a que a violência se evite a qualquer custo e a que a força letal não seja usada em nenhuma circunstância”, lê-se ainda na nota de Stephane Dujarric.
O porta-voz de António Guterres afirma ainda que o líder das Nações Unidas “apela à calma e insta todos os envolvidos a reduzir a tensão e desenvolver todos os esforços para evitar mais escaladas”. No sábado, as forças leais a Nicolás Maduro impediram a entrada no país de ajuda humanitária, parte da qual enviada pelos Estados Unidos, pelas fronteiras terrestres com a Colômbia e o Brasil.
O dia ficou marcado por actos violentos na chegada da ajuda humanitária, com camiões incendiados na fronteira com a Colômbia e outros a regressar ao Brasil, registando-se pelo menos quatro mortos em confrontos e 285 feridos, e deserções entre as forças venezuelanas. A entrada da ajuda humanitária tinha sido convocada por Juan Guaidó, líder do parlamento venezuelano e o autoproclamado Presidente interino da Venezuela.
Na rede social Twitter, Juan Guaidó anunciou no sábado que vai pedir formalmente à comunidade internacional que mantenha “abertas todas as opções para conseguir a libertação” do país. “Os acontecimentos de hoje [ontem, sábado] obrigam-me a tomar uma decisão: propor formalmente à comunidade internacional que devemos manter abertas todas as opções para conseguir a libertação desta Pátria que luta e que continuará a lutar. A esperança nasceu para não morrer, Venezuela!”, escreveu Guaidó na sua conta oficial no Twitter.
Segundo dados da ONU, a grave crise económica e social que afecta a Venezuela levou cerca de 3,4 milhões de pessoas a fugirem do país desde 2015. Em 2016, a população da Venezuela era de aproximadamente 31,7 milhões de habitantes, incluindo cerca de 300 mil portugueses ou lusodescendentes.
António Guterres e a Angola (do MPLA)
No dia 6 de Outubro de 2016 a manchete do Boletim Oficial do MPLA (Jornal de Angola) dizia tudo: “Portugal agradece apoio”. Apoio, neste caso, à escolha de António Guterres como secretário-geral da ONU.
Em Luanda, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Teresa Ribeiro, agradeceu “o apoio activo de Angola” na candidatura de António Guterres: “Portugal está grato a tudo quanto Angola tem feito nesse domínio”.
No dia 21 de Setembro de 2016, o antigo primeiro-ministro de Portugal agradecera já o apoio de Angola à sua candidatura ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, elogiando (é o preço a pagar pelo apoio) o papel do país no contexto internacional.
António Guterres, que foi igualmente alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, falava à rádio pública angolana, sobre o apoio de Angola, salientando que tinha sido “um instrumento muito importante” para que tivesse possibilidades de vencer.
“Gostaria de exprimir toda a minha gratidão e o meu apreço pelo que tem sido a posição do Presidente José Eduardo dos Santos, do Governo e povo de Angola, a solidariedade angolana tem calado muito fundo no meu coração”, referiu Guterres mostrando que, afinal, bajular é uma questão genética em (quase) todos os socialistas – e não só – portugueses.
Em Março de 2016, o Presidente José Eduardo dos Santos (que como Guterres bem sabe estava na altura há 37 anos no Poder sem nunca ter sido nominalmente eleito) recebeu em audiência, em Luanda, o candidato português à sucessão de Ban Ki-moon.
“Agora compete aos Estados-membros, entre os quais Angola, decidir, mas não queria deixar de exprimir esta grande gratidão em relação à posição angolana, que calou muito fundo no meu coração”, realçou Guterres que já eleito não se esqueceu de beijar a mão de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos.
Pela voz do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Georges Chikoti, Angola disse que “esta eleição foi muito importante para África, para a CPLP, para Angola e para a comunidade internacional em geral. O engenheiro Guterres tem sido um lutador incansável pelas causas importantes da comunidade internacional, em particular dos refugiados”.
Chikoti acrescentou: “Temos a certeza que nessa qualidade (secretário-geral) ele vai olhar muito para África e para Angola em particular, queremos esperar que ele consiga promover alguns quadros importantes do continente africano, particularmente da lusofonia”.
Enquanto candidato e por necessidade material de recolher apoios, António Guterres confundiu deliberadamente Angola com o regime do MPLA, parecendo (sejamos optimistas) esquecer que, por cá, existem angolanos a morrer todos os dias, que temos (continuamos a ter) um dos regimes mais corruptos do mundo e que somos o país com um dos maiores índices mundial de mortalidade infantil.
Numa visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividades internacionais extremamente relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmente essa pretensão às autoridades angolanas”.
“Naturalmente como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatura a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção às autoridades angolanas”, sublinhou António Guterres.
Guterres tinha razão. É um velho amigo do regime/MPLA. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o Oceanário de Lisboa com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importa de continuar a considerar agora João Lourenço, parafraseando José Sócrates (quando fala de Muammar Kadafi), um “líder carismático”.
António Guterres, que foi primeiro-ministro luso entre 1995 a 2002, sabe que todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia e que 70% da população passa fome;
António Guterres sabe que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos;
António Guterres sabe que no “ranking” que analisa a corrupção, Angola está entre os primeiros, tal como sabe que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.
António Guterres também sabe que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, continua a estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Mas também é evidente que António Guterres sabe que ser amigo de quem está no poder, mesmo que seja um ditador, vale muitos votos.
Seja como for, António Guterres não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.
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